No momento em que o Ceará desponta no Brasil com o desenvolvimento de uma vacina 100% nacional contra a Covid-19, a professora imunologista Izabel Florindo Guedes atenta para a necessidade de que os “frutos” de pesquisas sejam materializados e cheguem à população.
Para isso, defende que os governantes de todo o País deem mais apoio às instituições desenvolvedoras de pesquisas, seja concedendo mais recursos, laboratórios mais seguros e equipados, ou corroborando o próprio entendimento de que é preciso investir mais na Ciência. Assim, pode concentrar mais mão-de-obra qualificada, depender menos da importação de insumos, potencializando o avanço da economia.
Além de fundadora, a professora coordena, desde os anos 2000, o Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular (LBBM) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), espaço onde junto a outras cerca de 10 pessoas pretende retomar o desenvolvimento de uma vacina contra a dengue. Tão logo a atual pandemia cesse.
Dia Nacional da Imunização
Nesta quarta-feira (9), o Brasil celebra o Dia Nacional da Imunização. Em alusão à data, o Diário do Nordeste entrevista a especialista, que fala sobre a importância da imunização para a humanidade, de como está o processo de desenvolvimento das vacinas na Uece e do potencial do Ceará para produzir Ciência.
Tão logo a pandemia de Covid-19 começou, o LBBM iniciou pesquisas e desenvolveu a vacina HH-120-Defense contra a Covid-19. Como está o processo para início de testes do imunizante em humanos?
Nós ainda estamos finalizando o processo para submeter à Anvisa. Não submetemos ainda, demos entrada. Você entra em contato com a Anvisa, ela faz a reunião e pede mais alguns documentos. Estamos correndo atrás de parceria para fazer a parte industrial porque a universidade não pode fazer. O reitor já teve uma reunião com a Fiocruz e está vendo isso daí. Então, estamos aguardando. Só depois que tem a empresa e a parte industrial está pronta pra produzir que finaliza a submissão da Anvisa. Depois vem o teste em humanos.
Qual a eficácia da vacina HH-120-Defense?
No estágio pré-clínico, a gente já teve na soroneutralização uma eficácia de mais de 80%. Em algumas vias, mais de 90%. Então, acredito que a eficácia da vacina vai ser muito boa.
O que ela tem de diferente das outras vacinas já utilizadas no Brasil contra a Covid-19?
Primeiro, é um vírus atenuado, um coronavírus, porém ele é aviário, não infecta o ser humano, mas é um coronavírus, estruturalmente muito semelhante ao SARS-CoV-2. Ele não causa infecção em seres humanos. Por ser também um coronavírus, ter várias proteínas idênticas, induz uma resposta com anticorpos neutralizantes.
Ou seja, induz uma resposta protetora em quem é vacinado. [A vacina cearense] é bem mais barata. A facilidade de aplicação também vai ser melhor porque é por via intranasal. Aí também facilita porque evita o uso de seringa pra quem tem medo de vacina, injeção, tudo isso. Facilita pra criança porque é com gotinhas. H-120 é uma cepa viral. Então, colocamos um H de humano e H-120 que é a cepa viral que a gente está usando, que já é o vírus atenuado. Foi uma homenagem à cepa.
Vacina contra a dengue
Em 2018, a Uece também desenvolvia uma vacina contra a dengue. Em que fase esse projeto está hoje?
Naquela época, a gente não pôde ir em frente com esse projeto porque não conseguimos financiamento, apoio, mas ainda continuamos com os trabalhos. Estamos fazendo hoje [a pesquisa] com a Nicotiana benthamiana, em tabaco, uma variedade de fumo.
Esse trabalho está bem avançado. Agora, que nós estamos tendo mais ou menos condições de terminar os testes todos, talvez depois que passar essa pandemia de enfrentamento à Covid, retomaremos esse trabalho pra também dar continuidade à entrada na Anvisa, pedir autorização.
O Ceará registra casos de dengue há mais de 30 anos, com epidemias frequentes. Qual a eficácia dessa vacina contra a doença?
Essa é uma vacina produzida em sistema vegetal e é capaz de dar uma resposta imunológica. Fizemos os testes pré-clínicos em animais de laboratório. É um projeto do qual não desistimos. Logo quando a gente terminar essa parte da [pesquisa com a] Covid, vamos nos preparar pra dar continuidade a esse trabalho, ver se vai para escala industrial, se a gente consegue terminar.
Esse é um projeto de vacina contra dengue que tem grande potencial para dar certo. Talvez essa pandemia desperte também nos governantes do País e do Ceará a importância de se apoiar pesquisa. Porque, como veio essa pandemia da Covid, com certeza, não é desejo de ninguém, mas pode chegar outra. Então, nós mal estamos controlando a Covid e já temos aí picos grandes de dengue, muita gente infectada. Isso é o retrato das doenças virais.
As pesquisas científicas tendem a aumentar ser mais valorizadas no pós-pandemia?
Acho que sim. Acho que isso daí funcione como um despertar para o Brasil, não só para o Ceará, para perceber que quem desenvolve pesquisas altamente importantes são as instituições, tanto universidades públicas e privadas.
Nesses momentos em que vem uma pandemia ou uma doença, as instituições que desenvolvem pesquisa precisam de apoio para fazer chegar até a população esse fruto da pesquisa. Não adianta nada a gente observar em laboratório que tem um vírus com potencial para imunizar contra o SARS-CoV-2, se fica no laboratório e não chega até a fase industrial para beneficiar a população.
E a mesma coisa a dengue. Até hoje, não tem nenhuma vacina eficaz contra a dengue. E epidemias, epidemias, zika, dengue. É bom não só para a população, de um modo geral, mas para empresários, gestores, [ter] atenção de que a economia também depende do desenvolvimento de pesquisa. Se surge uma pesquisa, é uma mola pro desenvolvimento da economia também, tanto com fármacos, com vacinas.
Então, a universidade não precisa só de recursos humanos qualificados, nós preparamos também mão de obra qualificada. Então, isso daí pode despertar o Brasil o interesse pela necessidade de não importar nada, de enxergar que temos potencial para produzir os insumos da área médica, tanto para a saúde humana, como animal e outros insumos, alimentos, sem precisar importar. Nós somos o nono país que mais importa insumos na área médica.
Hoje, quais os principais desafios para desenvolver imunizantes no Ceará, no Brasil?
Primeiro, a estrutura física. [É preciso] estruturar melhor e dar mais apoio para a pesquisa, ter segurança dentro do laboratório para você manipular qualquer patógeno. É isso que a gente precisa: estrutura, condições. O principal desafio do Brasil e do mundo todo para infecções virais, no caso de pandemia, são estruturas físicas de laboratórios.
No Ceará, na Uece, não temos um laboratório NB3 [de Nível de Biossegurança 3], que é mais seguro, mais equipado. [O NB3] tem as condições ideais para manipular um vírus como o ebola, se chegar aqui no Ceará. Nós trabalhamos no NB2.
Qual a importância da vacinação e o que significa desenvolver um imunizante 100% brasileiro contra a Covid-19?
A imunização, o processo de vacinação é um dos principais mecanismos de controle de uma doença infecciosa. Então, a vacina faz com que a população se torne imune e vai bloqueando aquele patógeno até acabar a doença. Quando a pessoa é imunizada com o antígeno do próprio patógeno, ele induz uma resposta do sistema imune, produzindo proteínas que vão neutralizar aquele patógeno.
O Brasil tem um programa de vacinação bastante eficiente. Várias doenças como sarampo e coqueluche ou poliomielite hoje estão praticamente extintos. E sem esse processo de vacinação, com certeza a população humana não teria sobrevivido, enfrentado essas grandes pandemias que a gente tem passado desde os nossos antepassados.
Isso foi combatido com o processo de vacinação. Então, o meio mais eficaz de controlar uma doença é através da vacinação. Você ver o fruto do seu trabalho tendo a possibilidade de ser reconhecido e chegar até a população, isso é muito gratificante para o pesquisador.