Monitoramento aponta ‘suave melhora’ em desnível gerado no mar após novo aterro em Fortaleza

A engorda da faixa de praia gerou uma profundidade na entrada do mar. O efeito reduziu em 2020, mas pesquisador diz que a obra deve ser avaliada por anos

Banhistas têm, desde o final de 2019, uma realidade diferente no trecho da Beira-Mar, em Fortaleza, onde foi feita a engorda de 80 metros da faixa de areia, e na Praia de Iracema, foi ampliado o aterro. A obra gerou na entrada do mar um aprofundamento de até 3 metros na areia. O efeito foi monitorado por um ano e, segundo o Laboratório de Gestão Integrada das Zonas Costeiras da Universidade Estadual do Ceará (Uece), até dezembro de 2020, teve uma ‘suave melhora’.

Mas, o ideal, enfatiza o coordenador do Laboratório, Fábio Perdigão, é que os impactos desse tipo de intervenção seja acompanhado por, pelo menos, 3 a 4 anos após a finalização. Em abril de 2021, uma proposta de continuidade da análise até 2022 foi feita à Prefeitura. Nenhuma resposta foi dada ainda pela gestão municipal. 

Com o acompanhamento, afirma o professor, é possível avaliar se haverá a acomodação natural da areia no trecho aterrado ou será preciso o poder público realizar uma intervenção para reduzir o desnível, como a retirada da areia da parte mais alta para a mais baixa, aproximando da inclinação natural.  

Em 2019, quando a obra de aterramento de cerca de 2 km de extensão (juntas, Praia de Iracema e Beira-Mar) foi entregue, as queixas de banhistas quanto à sensação desconfortável por conta da formação de uma “vala” na areia foram recorrentes.

Ainda durante a obra placas com a frase “Cuidado ao entrar. Águas profundas” foram fixadas no perímetro sinalizando o aprofundamento. A obra é parte da requalificação da Beira-Mar que segue em curso desde 2018. 

Essa dinâmica que gera incômodo aos frequentadores da praia, explica o coordenador do Laboratório de Gestão Integrada das Zonas Costeiras da Uece, Fábio Perdigão, responsável pelo diagnóstico que complementou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do novo aterramento, geralmente, tende a ocorrer quando são construídos aterros na orla.

“Com o tempo, o trabalho da energia das ondas vai fazendo com que esse segmento suavize a diferença, tirando (areia) da parte mais alta, para parte mais baixa. O perfil vai ficando um pouco mais suave”.
Fábio Perdigão
Coordenador do Laboratório de Gestão Integrada das Zonas Costeiras da Uece

De acordo com ele, o Laboratório da Uece, por meio de um convênio com a Prefeitura de Fortaleza via Secretaria de Infraestrutura (Seinf), fez entre agosto de 2019 e dezembro de 2020 o monitoramento da obra e do impacto da mesma.

As inspeções tem como base, dentre outros, registros de mergulhos oceânicos, coleta de amostras nas áreas da jazida marinha, avaliação da fauna aquática, análises químicas e da paisagem, através de fotografias de drones. 

Efeitos e intervenções

As obras de engorda da faixa de praia começaram a ser executadas em setembro de 2019 e modificaram tanto o Aterro da Praia de Iracema, quanto o trecho entre os espigões da Av. Rui Barbosa e a Av. Desembargador Moreira. O monitoramento ambiental foi uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) à Prefeitura, à época, após questionamentos à intervenção feitos pelo movimento ambientalista. 

“O que a gente observou, logo depois do aterro, é que ficou uma diferença muito grande entre a altura da praia e os primeiros 20, 10 metros. Isso, dentro d'água. Ele afunda 2 a 3 metros rapidamente. Isso é muito desconfortável para o banhista. Ele chega na praia, anda 5 metros, e já está numa altura que quase não tem mais como pegar pé. Ele tem que nadar”.  
Fábio Perdigão
Coordenador do Laboratório de Gestão Integrada das Zonas Costeiras da Uece,

Como ação do convênio, o professor explica que 5 relatórios foram entregues pela Uece à Prefeitura, entre 2019 e 2020. A análise, aponta ele, serve para mensurar os efeitos e tentar solucionar possíveis pontos negativos após a obra.

“O ideal é que obras desse tipo sigam monitoradas anos após a conclusão, justamente, para que seja corrigido”, acrescenta ele. 

No relatório feito pelo Laboratório, dentre outros, constam os seguintes pontos de avaliação: 

  • Monitoramento dos perfis submarinos da fauna e da flora;
  • Inclinação do aterro;
  • Situação das galerias de drenagem;

Entre novembro de 2019 - quando a obra foi concluída - e novembro de 2020, “houve uma discreta melhora nesse perfil. Principalmente na Beira-mar. Na Praia de Iracema essa melhora foi mais discreta ainda”, informa Fábio Perdigão. A Prefeitura precisa, conforme sugerido no relatório, colocar e manter as placas de sinalização que informam sobre o desnível. 

Além disso, defende ele, o ideal é “acompanhar para a gente ver se, nos próximos dois anos, esse perfil se suaviza mais um pouco ou se a Prefeitura teria que, numa maré baixa, suavizar esse perfil. Não é um trabalho muito difícil de fazer. Tirar um pouco da areia que está mais em cima e colocar mais embaixo, para ficar mais suave para o banhista”, sugere.

Em abril de 2020, conta o professor, o Laboratório apresentou à Prefeitura uma proposta de continuidade do monitoramento na qual a duração é até 2022. A análise envolve os pontos mencionados acima e também inclui as formas de uso e ocupação das regiões aterradas.

R$ 400 mil
O custo do monitoramento no primeiro ano, relata o professor, foi de cerca de 400 mil reais. O mesmo valor anual foi proposto para que a ação tenha continuidade.

Frequentadores sentem a diferença

As diferenças no mar depois da obra são relatadas por muitos banhistas. “Eu gostava muito de tomar banho de mar tanto na Praia dos Crush (Praia de Iracema), como ali perto na Beira-Mar, entre os espigões. Antes, era tranquilo. A água era muito calma. A gente via pessoas nadando e voltando. Depois do aterramento, eu não me arrisco”, conta a estudante, moradora do Meireles, Fabiana Coelho. 

Antes das obras e da pandemia de Covid, o banho de mar no trecho mencionado, explica ela, era constante. Porém, após a intervenção, devido à insegurança de adentrar às águas cujas ondas parecem ser maiores e mais intensas, ela buscou outros trechos. 

“Depois do aterramento, uma alternativa que estamos buscando é ali perto do Náutico. É uma área boa para tomar banho. Mais pertinho do Espigão”
Fabiana Coelho
Estudante

Para Fabiana, o receio em relação ao banho nas áreas de trechos aterrados é que “não sabe mais o que esperar daquele lugar de banho” e acrescenta “antes, você podia ir até ir um pouco mais pro fundo e tinha certa estabilidade. Eu tenho 1,65 metro e agora tenho que ficar de ponta de pé logo no comecinho do mar”. 

Placas serão novamente fixadas

O secretário municipal da Infraestrutura, Samuel Dias, reitera que “um dos efeitos quando se faz aterro em áreas costeiras, não só aqui, mas em todos os lugares é que passasse a ter uma configuração diferente da plataforma da praia quando ela entra no mar”. 

De acordo com ele, esse fenômeno de aprofundamento abrupto da praia para os banhistas é mais intenso “no momento exato que se faz o aterro. E vai diminuindo ao longo do tempo com a acomodação da areia até chegar a sua inclinação natural”. Samuel confirma que foram fixadas placas, na época, em que a obra ainda estava sendo feita, informando o aumento da profundidade na área. 

Agora, garante ele, com o término da obra, esse alerta deve ser feito novamente com a implantação de placas e também pelos guardas vidas que ficarão nos postos no local. Ele confirma a proposta da Uece para dar continuidade ao monitoramento da região, mas diz somente que “A Prefeitura está avaliando como esse monitoramento pode ser feito no futuro”.