Partindo do conhecimento científico de que a exposição a doenças virais na gravidez é fator de risco para o desenvolvimento de doenças neuropsiquiátricas, como autismo e esquizofrenia, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores e estudantes de pós-graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC) começou a desenvolver um projeto para avaliar impactos do novo coronavírus ao desenvolvimento cerebral de bebês.
O estudo “Complicações Neuropsiquiátricas Decorrentes da Exposição Pré-Natal ao Vírus Sars-CoV-2: Atenção ao Binômio Mãe-Bebê” busca ainda entender melhor os impactos da exposição ao vírus na gravidez, esclarece a coordenadora do projeto e pesquisadora do Laboratório de Neuropsicofarmacologia do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC, professora Danielle Macêdo Gaspar.
Esse vírus [Sars-CoV-2] aumenta muito os niveis de marcadores inflamatórios no corpo, que a gente chama que citocinas. Essas substâncias são bem tóxicas para os bebês, para os fetos, porque alguns desses marcadores inflamatórios podem passar através da placenta e irem direto para o feto, causando modificações no desenvolvimento, na maturação e migração dos neurônios, em vários processos de formação do cérebro”
Os problemas desencadeados pela exposição aos marcadores inflamatórios, pontua a pesquisadora, não necessariamente se apresentam logo após o nascimento do bebê. Normalmente surgem ao longo da vida, diz, citando como exemplo casos de crianças acometidas pela Síndrome Congênita do Zika Vírus.
"[Essas] crianças nasciam com microcefalia e, mais recententemente, aquelas que não nasceram com microcefalia estão sendo diagnosticadas, algumas, com autismo. Mais pra frente podem vir outros diagnósticos. Então, essa exposição a vírus na gravidez realmente é fator de risco pra doença mental”, alerta a professora.
Protocolos clínicos e pré-clínicos
No protocolo clínico, foram coletadas placentas, cordões umbilicais e líquidos amnióticos de 35 mulheres que tiveram Covid-19 na fase final da gravidez, além de 30 que tiveram síndrome gripal cujos testes não confirmaram a doença infectocontagiosa. Gestantes que não foram expostas a nenhum agente infeccioso também estão sendo recrutadas para compor um terceiro grupo, de controle da pesquisa.
A expectativa da coordenadora é acompanhar os bebês dessas mulheres até completarem “2 ou 3 anos” de idade, fazendo, a cada seis meses, coletas de material biológico - como sangue, saliva e fezes - e avaliações para verificar se apresentam alguma alteração no neurodesenvolvimento. Caso haja financiamento, esse tempo de avaliação poderá ser prolongado.
Segundo Danielle, ainda não foi possível recrutar, por exemplo, mulheres infectadas no primeiro ou segundo trimestre de gestação. No primeiro caso, frisa, “o vírus original [Sars-CoV-2 identificado na China] causou muitos abortos”. Logo, como nem sempre é fácil contar com pacientes/voluntárias nos perfis desejados, o estudo também terá uma abordagem pré-clínica.
No protocolo pré-clínico, os pesquisadores irão expor camundongos ao Sars-CoV-2 original e à variante Gama - antiga P.1, identificada em Manaus. Ao contrário dos humanos, esses animais chegam à vida adulta muito rapidamente, em cerca de dois meses, facilitando o processo de avaliação de diferentes estágios de gestação e de um possível desenvolvimento de transtornos mentais nos animais gerados.
“A gente vai conseguir trabalhar expondo esse camundongo grávido em diferentes fases da gestação para ver se causa mais desfechos negativos expô-lo ao vírus em idade gestacional relacionada ao segundo trimestre, ao terceiro trimestre. Enfim, a gente pode buscar desenhar melhor o estudo” por meio dessa abordagem pré-clinica, esclarece a professora.
Ciente dos riscos
Após descobrir que estava grávida, e ser alertada pelos médicos sobre os riscos de agravamento da Covid-19 para gestantes e bebês, a microempreendedora e estudante de jornalismo Letícia Farias de Aquino, de 19 anos, decidiu se precaver mais no dia a dia, reduzindo, ao máximo, os riscos de infecção.
Mãe de primeira viagem, confessa já ter sido "bem negligente" em relação aos cuidados de prevenção contra a doença. "[O risco] ficou mais claro e direto quando pensei que realmente podia afetar muito a saúde da minha filha, a ponto de uma situação bem trágica. Então, comecei a tomar bastante cuidado".
Por ser "bastante jovem", Letícia diz se sentir insegura para viver a experiência de ser mãe pela primeira vez, e em plena pandemia. Ela está no sexto mês de gravidez e planeja ter parto normal.
Apesar de toda a ansiedade, se sente um pouco mais aliviada por já ter sido imunizada com as duas doses da vacina. "A saúde da grávida fica muito vulnerável; a gente fica com uma resistência muito baixa. Então, uma doença como a Covid pode realmente lhe debilitar bastante"
Além de evitar lugares com aglomerações e manter o uso da máscara, a futura mamãe se policia para sempre higienizar as mãos sempre que chega em casa.
"Mesmo [imunizada] com as vacinas, eu posso ter algum tipo de complicação se contrair a Covid. Então, continuo tomando esses cuidados", justifica, lembrando que maior parte da população ainda não foi vacinada. O que amplia os riscos de transmissão da doença e de mutação do próprio vírus.
Letícia está ciente que, após as vacinas, o bebê é beneficiado com a produção de anticorpos. Por outro lado, tem "bastante receio" por não saber em que grau e por quanto tempo sua filha ficará protegida do coronavírus.
Prevenção por meio da pesquisa
Até o momento, o projeto desenvolvido na UFC é o único representante brasileiro a integrar a "Covgen", uma aliança internacional de pesquisas sobre as consequências da Covid-19 para a próxima geração. E visa, sobretudo, reforçar a prevenção e mitigar a doença.
“O fundamento da pesquisa é reforçar a importância de um cuidado maior na gestação quando da ocasião dessas infecções virais epidêmicas, pandêmicas. Nossa ideia no protocolo pré-clínico é já testar possíveis substâncias que venham a proteger do desenvolvimento dessas alterações [cerebrais]”.
Os pesquisadores do NPDM já têm parametros analisados, amostras guardadas, mas ainda estão em fase de processamento dos dados clínicos no laboratório, à espera de pacientes para o grupo de controle.
No entanto, já planejam expor as grávidas a suplementos com ômega 3 ou colina para verificar se o efeito protetor dessas substâncias seria capaz de proteger o cérebro dos bebês de complicações associadas ao coronavírus.
“Nossa ideia é essa: estabelecer com a pesquisa alguma estratégia de prevenção. E isso a gente vai conseguir avaliar basicamente no [protocolo] pré-clínico”.