O choro de um menino de oito anos, amarrado e agredido no Centro de Camocim, no norte do Estado, ecoa sobre o papel dos responsáveis pela formação e quais são os limites da repressão aos pequenos. "Aqui é uma criança. Calma aí, a senhora não vai levar assim não", como intervém o homem no caso, serve de lembrete para enxergar crianças como seres dignos de respeito.
A agressão, registrada na segunda-feira (25), gerou ferimentos no corpo da criança, examinada em unidade de saúde e agora sob a tutela da irmã. A mãe do menino foi presa em flagrante pela Polícia Militar e autuada por lesão corporal dolosa no âmbito do contexto de violência doméstica e familiar.
Estudos sobre educação e parentalidade indicam como o bater na criança não ensina e ainda prejudica o desenvolvimento e o comportamento de crianças e adolescentes, como informa Ayra Moraes, psicóloga infanto juvenil.
“Quando a criança vive num ambiente em que ela sofre violência física ou verbal, gera um sentimento muito confuso em relação aos pais. O ambiente familiar é um espaço onde a criança deveria se sentir segura e os pais devem gerir isso com amor incondicional", descreve a especialista.
A gente tem uma crença muito antiga que 'se eu apanhei, e estou aqui bem, posso bater porque faz parte do que sei sobre o processo de educar'. Só que muito se fala que a correção pela punição, principalmente no castigo físico, é mais para aliviar o estresse do adulto, mais para demonstrar poder sobre a criança do que para educá-las
Os gritos e palmadas recebidos pela criança não ensinam por que uma atitude irritou os pais e, desse modo, o comportamento considerado inadequado segue em prática. Além disso, a violência pode ser interpretada como o caminho para a resolução de problemas. “Podem tentar solucionar problemas na vida dela, com os coleguinhas, batendo e agredindo porque a criança vê em casa como uma forma possível”, acrescenta.
As atitudes agressivas por vezes representam uma expressão do estresse dos pais e também podem se estender para os parentes dos pequenos aos maiores, como observa Ayra Moraes. “É o ciclo de violência intrafamiliar, porque não se ensina para a criança o que ela deve fazer de forma adequada, comportamentos positivos e sociais, apenas violência como castigo e punição”.
Em 26 de junho de 2014, foi sancionada a Lei nº 13.010 para a garantia do direito de crianças e adolescentes serem educados sem castigos físicos, tratamento cruel ou degradante. O texto recebeu o nome de Lei Menino Bernardo, em referência a criança de 11 anos morta com aplicação de sedativos naquele ano.
A Lei indica castigo físico como ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
- Sofrimento físico
- Lesão
- Tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente
- Humilhação
- Ameaça grave
- Ridicularização
Crianças sem referência de amor
Quem sofre violências na infância pode não desenvolver a capacidade de filtrar atitudes inaceitáveis no relacionamento com outras pessoas. "Abre um espaço para ambivalência entre esse sentimento de amor 'eu amo meus pais, mas também existe agressão’. Então, confunde muito a cabecinha das crianças do que é esse amor e de que tipo de amor eles podem aceitar 'eles me amam e eles me batem', detalha Ayra.
Os resquícios das agressões sofridas quando se é pequeno podem criar um adulto com problemas na auto estima e com distúrbios emocionais como depressão. “É importante que pais e educadores consigam pensar formas de educar que sejam positivas e que as crianças não precisem sobreviver à infância e se tornar pessoas boas apesar do que aconteceu”.
Repreensão adequada
Manuella Bayma, psicóloga infantil e da adolescência, aponta a necessidade de mudar o termo “castigo” para “consequência” como resposta aos comportamentos infantis que são inadequados. “Os pais precisam avaliar com cautela, até porque a infância tem muitas nuances, as crianças são naturalmente enérgicas, exploradoras, estão aprendendo a se auto regular emocionalmente”.
Pai e mãe, ou demais responsáveis, em diálogo aberto com filhos é o cenário ideal para a repreensão e conversa sobre atitudes acertadas. “O apropriado é que o adulto tenha uma postura de diálogo, de orientação, de explicar o que é correto e sob hipótese alguma, porque inclusive é crime, utilizar-se da força física para tentar disciplinar a criança”, completa a psicóloga.
A violência impacta no desenvolvimento, na aprendizagem, no emocional, em como essa criança se entende e a relação com o outro
As atitudes violentas, inclusive, podem ser replicadas quando o filho se torna pai. “A relação que fere a integridade física da criança, também vai mexer com sua integridade psíquica e emocional, então, nós vemos que os prejuízos são a longo prazo e podem gerar um adulto fragilizado, ansioso, preocupado”, conclui.
Estabelecimento de autoridade
Dar ênfase aos comportamentos adequados pode ser uma solução efetiva para a mudança de comportamento, como indica a psicóloga clínica Carolina Ramos. “Às vezes a criança ainda não tem o entendimento do 'não', dependendo da idade, e talvez o adulto entenda que precisa de castigo ou de susto para que ela não volte a ter aquele movimento”, explica.
As consequências negativas do comportamento infantil precisam ser deixadas evidentes como na questão da gestão do tempo. "Se demorar para guardar o material escolar você vai ficar sem ver o seu desenho favorito hoje", exemplifica como uma possível fala de uma mãe ou pai com a criança.
Como forma de evitar danos à saúde mental das crianças, Carolina destaca a relevância da autoridade adequada no momento da correção. “Precisa ser muito dosada, se a criança fez algo de errado olhar para ela, na altura dos olhos, tentar não gritar - o adulto precisa ter uma auto regulação emocional - e jamais usar violência física”, frisa.