O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE), Emanuel Mota, avalia que o Edifício São Pedro, localizado na Praia de Iracema, “está na iminência de um colapso”.
Engenheiro de formação, ele esclarece que, apesar do risco iminente, não há como precisar, nem mesmo através de análises técnicas, por quanto tempo a estrutura do prédio ainda pode se manter de pé. “A iminência [do colapso] é imprevisível. Pode cair hoje, como pode cair daqui a 10 anos, 100 anos”.
Por outro lado, reforça que, para além das invasões ou ocupações, o edifício - hoje abandonado - está localizado em uma “região muito movimentada da cidade”, onde o fluxo de pessoas e veículos é intenso. O que o torna mais vulnerável.
O processo de tombamento do prédio histórico foi iniciado em 2015, mas permanece em fase de análise, gerando um longo impasse entre poder público e privado. Enquanto isso, o edifício corre o risco de desabar e reproduzir tragédias como a ocorrida na noite dessa segunda-feira (19), quando uma jovem grafiteira, de 23 anos, morreu após parte da estrutura do edifício ceder.
Risco maior a cada dia
Assim como Renata Nakayama, conhecida como ‘Jap’, outros jovens grafiteiros são atraídos ao local. No entanto, a estrutura do prédio representa um risco maior, a cada dia, para essas pessoas e para quem circula no entorno. “Já caiu um pedaço de laje e podem cair outros pedaços daquilo dali. E, a cada dia que passa, vai aumentando o risco”, corrobora o presidente do Crea-CE.
Em nota, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) afirmou que, para apoiar a segurança do local, a Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) realiza rondas diárias no entorno, durante manhã, tarde e noite.
E reitera que o Edifício São Pedro “é um bem de propriedade privada”, sendo "dever do proprietário, conforme estabelece a Lei 9.347/2008, manter o edifício em bom estado de conservação, assim como realizar reformas e restauros no bem".
Tais intervenções, entretanto, podem acontecer somente "mediante prévia e expressa autorização da Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor. Intervenções de arte urbana podem ser analisadas e autorizadas, desde que não impactem a ambiência e a visibilidade do bem tombado".
Urgente interdição
Por fim, a Pasta acrescenta que solicitou ao proprietário do imóvel, por ofício, no último dia 18 de março, “a interdição urgente dos acessos ao prédio visando a segurança da população”. E confirmou que o processo de tombamento do prédio "segue em fase de análise".
Francisco Philomeno Júnior, proprietário do prédio, por sua vez, declarou não possuir recursos para contratar seguranças e impedir a entrada de pessoas no prédio. Segundo ele, a Prefeitura teria informado, inclusive, que não tem mais interesse no tombamento. Por isso, a família deseja construir no local um empreendimento imobiliário.
A Secultfor foi questionada sobre o suposto desinteresse do tombamento por parte da Prefeitura, detalhes do processo do tombamento, bem como sobre providências que poderão ser tomadas, considerando a morte registrada no edifício, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Morosidade no tombamento
De acordo com a promotora do Ministério Público do Ceará (MPCE), Ann Celly Cavalcante, um dos pontos da morosidade do processo de tombamento é o custo para a restauração do empreendimento. Por isso, em março deste ano, foi requisitado um estudo técnico sobre a possibilidade de restauração do edifício.
Nessa perspectiva, foi firmado um acordo com a Fundação de Apoio à Pesquisa no Ceará (ASTEF). A fundação se comprometeu a fornecer, no prazo de 60 dias, o orçamento analítico para completo restauro do bem.
“Eles me afirmaram que a engenharia pode fazer qualquer coisa, levando a crer que sim, é possível fazer a conservação deste prédio. No entanto, é urgente que se faça uma restauração no espaço, pois conforme análises já feitas, a estrutura do prédio está muito precária, sendo possível, inclusive, que ele caia”, endossa a promotora.
“Grande ícone”
Para Manuel Mota, a solução para o problema no Edifício São Pedro está na própria engenharia, pois o prédio ainda tem condições de ser restaurado.
Ele lembra que em cidades por todo o mundo são adotadas técnicas de tombamento adequadas, a partir das quais é possível preservar fachadas, ao mesmo tempo em que ocorre o uso misto das instalações. E o Ceará tem profissionais com expertise para planejar e executar projetos do tipo, garante.
“Com a solução adequada, a gente transforma aquilo [edifício] que é um problema para a cidade, para o poder público municipal e para o proprietário em um grande ícone” de Fortaleza.
"Até me coloco aqui como instituição para ajudar a mediar esses trabalhos entre o poder público municipal e o proprietário para poder chegar num consenso, num denominador comum de como recuperar aquele patrimônio cultural da cidade".
Memória na Praia de Iracema
Erguido na Avenida Historiador Raimundo Girão com estrutura que lembra um navio, o Edifício São Pedro foi inaugurado há cerca de 70 anos e, desde então, faz parte da história da cidade e da memória de frequentadores da Praia de Iracema. Já nasceu ícone, pois foi o primeiro edifício a ter mais de dois andares na orla marítima de Fortaleza.
A estrutura acabou se transformando em um hotel porque, à época, aconteceria um grande evento na cidade, mas não havia locais adequados para abrigar todos os visitantes. A pedido do então governador, Raul Barbosa, a imobiliária Pedro Philomeno Gomes, proprietária do imóvel, transformou parte do prédio no Hotel Iracema Plaza.
Nos últimos anos, o prédio passou por um processo intenso de degradação, sendo ocupado irregularmente por famílias e até mesmo por estabelecimentos comerciais. "Até um mês atrás, o prédio tinha um único morador. Ele era tipo um zelador e vigia, que já estava lá há quinze anos. Quando ele foi embora, a lateral do prédio foi quebrada e começaram a invadir o espaço para roubar material de dentro. Como janelas e portas, até mesmo um elevador", confirma Reinaldo Jorge, produtor e criador de um documentário sobre o Edifício São Pedro.