A ciência não é dominada por homens. O machismo as invisibiliza, sim, mas são muitas as provas históricas de que as mulheres sempre estiveram em toda evolução até aqui. No Ceará, adolescentes estudiosas de Astronomia, por exemplo, mostram que não só o passado, mas o futuro também é delas.
Os olhos de Bianca Lima, 17, estão a apenas 1,55m do chão, mas conseguem mirar o céu e os astros de perto: “não é o gênero, a idade ou o tamanho que vai definir sua capacidade”, como diz a estudante, futura engenheira aeroespacial que já coleciona seis medalhas em competições de astronomia.
“Tenho 17 anos, sou mulher e estou aqui. Vou tentar, eu posso e ninguém tem o direito de dizer o contrário”, sentencia Bianca, com a firmeza de quem sabe que vai além.
Estudante do 2º ano do ensino médio do Colégio Militar do Corpo de Bombeiros, em Fortaleza, a adolescente foi apresentada à “imensidão de fora do planeta Terra” ainda criança, e se encantou pelo estudo dos astros, porque “não é algo corriqueiro”.
Uma coisa é a gente estudar matemática, física, história e português. Outra é Astronomia. Isso me encantou. Percebi que não é só a gente aqui, tem muito mais a descobrir e entender sobre o Universo.
No mesmo ano em que teve o primeiro contato, em 2017, Bianca participou da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) pela primeira vez – e já conquistou medalha de ouro. “Vi que era algo que eu poderia fazer, porque além de gostar muito, eu conseguia entender, aprender e me envolver”, relembra.
De lá para cá, foram mais cinco medalhas: a segunda de ouro e duas de prata na OBA, além de uma de prata e uma de bronze na Mostra Brasileira de Foguetes (Mobfog), “uma olimpíada experimental em que a gente constrói foguetes e bases de lançamento, para lançar o foguete o mais longe possível”, explica a adolescente, com orgulho.
A primeira medalha foi o incentivo pra mostrar que eu posso. As outras me diziam que meu esforço estava valendo a pena, que posso chegar onde eu quero. Eram vitórias, conquistas.
As possibilidades para o futuro são infinitas, desde a astrofísica até a engenharia aeroespacial – opção que Bianca planeja cursar, “que trabalha com montadoras de sistemas de satélites e foguetes, tudo o que mandamos para fora da Terra”, explica.
“Eu mostro, provo que sei”
Um ano mais jovem e cerca de 300 km distante de Bianca, vive Maria Larissa Pereira, 16, moradora do município de Pires Ferreira, no Ceará. Estudante da rede pública desde criança, a adolescente pode concretizar, em alguns anos, um feito imenso: registrar a identificação de um asteroide.
No último mês de junho, a autointitulada “cientista cidadã” participou de uma “caçada” promovida pelo International Astronomical Search Collaboration (IASC), programa da Nasa que busca popularizar a ciência entre estudantes – e encontrou um asteroide nunca antes detectado.
É um trabalho bem árduo, uma análise bem complicada. Marquei mais de 10 pontos que acreditava que eram asteroides, mas só um foi às preliminares. Se ele for detectado mais vezes, vou poder dar um nome.
Em um prazo de três a cinco anos, se a descoberta for confirmada, finda o processo de numeração e catalogação do corpo rochoso pelo Minor Planet Center (em português, Centro de Planetas Menores), de Harvard.
Ainda em 2021, outra conquista se somou ao currículo de Larissa, que já inclui experiências como palestrante e “divulgadora científica”: a cearense foi medalhista de prata na OBA. Um feito cujo significado fica ainda maior se consideradas as dificuldades que a menina teve para seguir estudando durante a pandemia.
“Ano passado, eu vi que a galera, com as aulas online, estava se distanciando muito da escola. Não é de se surpreender: eu mesma não tenho notebook, estava estudando pelo celular, e pensei em desistir. Vi que muitos se distanciavam também da ciência”, relembra.
Para minimizar os impactos da crise, então, a estudante organizou palestras com grandes cientistas brasileiros, a fim de incentivar e empolgar os colegas para que não deixassem a escola. A atitude, aliás, é indício forte do que Larissa quer como carreira: ser astrônoma e levar os estudos sobre o Universo a crianças.
Para chegar lá, sendo menina, nordestina e do interior, ela reconhece: “tem que ter bastante paciência, inclusive para provar que sabe alguma coisa”.
“Alguns colegas meus, meninos, pediram que eu explicasse o conteúdo pra provar que sei. É machismo estruturado. Eu ensinei, eu provei que sei. Mas passar por isso é muito complicado. Sempre tem a dúvida ‘será que ela sabe mesmo?’”, lamenta a adolescente.
Mas independentemente de qualquer preconceito que exista, a gente não pode abaixar a cabeça: tem que se unir e continuar a missão de levar ciência pras pessoas, de fazer ciência. Mulheres fazem ciência, sim. Não faz sentido fazer essa distinção.
Projeto Elas
Esta reportagem faz parte do “Projeto Elas”, iniciativa do Sistema Verdes Mares para fortalecer a luta das mulheres, fomentar a valorização e reconhecimento das conquistas e, principalmente, a preservação das vidas delas.
Por meio dos veículos de comunicação, o SVM discutirá temas como desigualdade de gênero, desafios do mercado de trabalho, empoderamento e conquistas femininas, mostrando relatos da vida real, numa programação que segue até dezembro de 2021.
Diversas ações também serão realizadas em pontos diferentes de Fortaleza, como escolas públicas, onde crianças poderão aprender sobre a importância da vida e da valorização da mulher. Ciclos de palestras, realizadas com o apoio de ONGs e figuras representativas, também marcarão o projeto, que culminará com o lançamento de um documentário especial para a TV Diário e para a internet.