Crenças culturais tornam homens mais vulneráveis à Covid-19

Estudo aponta que homens, idosos e população com menor índice de escolaridade são mais resistentes a mudanças e estão mais suscetíveis à contaminação pelo novo coronavírus. Análise reforça validade do isolamento

O comportamento comunitário é um fator importante para evitar a elevação do número de casos e de mortes por infecções virais. No caso do novo coronavírus, um estudo inédito realizado no Ceará aponta que, com base num sistema de crenças e comportamentos locais, homens, pessoas com baixa escolaridade, idosos a partir de 80 anos e residentes em cidades do Interior estão mais vulneráveis à infecção pela Covid-19. Até esta segunda-feira (6), a Secretaria Estadual da Saúde contabilizou 1.023 casos confirmados e 31 óbitos pela doença.

O estudo "Covid-19 no Estado do Ceará" observou as crenças de 2.259 cearenses no dia 19 de março - quando 20 casos já haviam sido confirmados -, antes de entrar em vigor o primeiro decreto do Governo do Estado recomendando o fechamento de estabelecimentos comerciais e o início do isolamento social. Após duas prorrogações, o governador Camilo Santana anunciou que a medida tem validade até o dia 20 de abril.

Os autores Danilo Lopes Ferreira Lima e Jiovanne Rabelo Neri, professores do curso de Odontologia da Universidade de Fortaleza e da Unichristus, consideram que, por terem crença mais fundamentada, os grupos mencionados tendem a sair mais do isolamento social. A coleta imediata de dados foi necessária porque poderiam ocorrer mudanças de crenças durante o período de confinamento, com maior acesso à informação.

Quando o assunto foi quarentena voluntária com reclusão total, entre os homens, a adesão foi de apenas 17,4%. Já entre as mulheres, a taxa aumentou para 24,4%. Eles também acreditavam mais que o Ceará teria contaminação menor em relação a outros estados, quando comparados a elas. "Constatar isso dos homens não é surpresa", explica Danilo Lopes. "Eles sempre são os que buscam menos os serviços de saúde. A mulher vai muito mais atrás do autocuidado", explica.

Escolaridade

Por escolaridade, as maiores taxas de reclusão ocorreram entre a população de graduados (23,4%) e pós-graduados (22,7%). Dos que tinham apenas o ensino fundamental, apenas 9,1% permaneceram em casa. Segundo Danilo Lopes, esse último grupo é o que exige maior atenção das autoridades.

"Quanto menor a escolaridade, mais alta é a saída da quarentena. As crenças de que viver em situação de pior condição sanitária e de já ter pego várias viroses podem fazer pensar que o organismo delas está mais preparado", avalia Lopes.

O estudo indica que essas pessoas estariam mais propensas a contrair a infecção porque utilizam o transporte público, moram e frequentam locais com maior número de indivíduos e têm menos acesso a recursos médicos. Além disso, teriam menos recursos para adotar medidas preventivas, como utilizar álcool em gel para higienização das mãos, e medidas terapêuticas, como o uso de medicamentos paliativos.

Outro grupo de alerta é o dos idosos com mais de 80 anos. A maior parte dos entrevistados nesta faixa etária (62,5%) acredita que o Ceará tem alguma proteção diferente de outros lugares que poderia frear a contaminação. Essa resistência, segundo analisaram os pesquisadores, está relacionada a fatores emocionais e socioculturais.

"O idoso que tem funcionalidade e autonomia e consegue sair de casa tende a querer romper mais com o processo. Ele não quer ficar limitado a um lugar. Em casa, sem contato, também pode ficar mais deprimido ou ansioso. Outros acham que já passaram por tudo na vida, incluindo outras doenças, e também vão superar mais essa. Quanto mais idoso, mais resistente", observa Danilo Lopes.

Uma das questões da pesquisa indagou se o clima quente do Ceará poderia favorecer a diminuição da pandemia. Ao todo, 57,3% não acreditam nessa proteção, mas, quatro em cada dez pessoas, sim. O índice dos que endossam essa crença é maior entre homens (47,8%), pessoas com apenas o ensino fundamental (72,7%) e idosos com mais de 80 anos (100%).

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a temperatura mais elevada é capaz de diminuir a atividade do vírus, já que, assim como outros vírus respiratórios, a tendência dele é se espalhar mais em ambientes secos e com temperaturas mais baixas. Contudo, isso não significa que não haja risco de transmissão. "O vírus é muito novo e os estudos também", frisa.

Entre os que aceitam o clima como fator de proteção, o índice é maior entre os residentes no Interior (46,8%) do que entre moradores da Capital e Região Metropolitana (41,7%). Segundo os pesquisadores, afastados dos grandes centros urbanos, os vínculos sociais e humanos são mais fortes, "suprindo a própria ausência do Estado nas suas muitas necessidades". No entanto, eles também podem tornar a distância e o isolamento mais difíceis.

"A estatística mostrou que mesmo quem tem baixa escolaridade, mas acessa a internet, está vulnerável. Imagina quem não tem. Conhecendo esses perfis, o Governo tem que ir para a periferia e conscientizar principalmente sobre o uso da máscara, que hoje pode ser feita em casa", ressalta Diego Lopes.

Para o pesquisador, os resultados indicam que o Governo do Estado e Prefeitura de Fortaleza têm adotado medidas adequadas nas políticas de enfrentamento à pandemia. Além de ter sido solicitada pela Prefeitura para avaliar estratégias de enfrentamento à Covid-19, a pesquisa será publicada, em maio, na Revista Ciência & Saúde Coletiva, editada pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).