A frota de veículos automotores em Fortaleza cresceu de 712.996, em 2010, para 1.147.194 até agosto de 2020, conforme dados compilados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Os 434.198 veículos a mais, percentualmente, representam um crescimento de 60,9% entre os anos que marcam o início das décadas. Mas, na prática, o maior fluxo nas vias urbanas da Capital exige paciência para driblar engarrafamentos constantes e a montagem de um quebra-cabeças com múltiplas variáveis, para a gestão da mobilidade.
Ao todo, são 612.481 carros e 316.032 motocicletas circulando em 2020 - aumento de 44% e 102%, respectivamente, em relação a 2010. Irapuan Peixoto, sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos de Política e Cultura da Universidade Federal do Ceará (Lepec/UFC), considera que, em longo prazo, se a progressão permanecer semelhante, o tráfego tende a se tornar "danoso" e "afogado" como em cidades asiáticas de grande fluxo.
"Quanto mais se alarga uma avenida ou se constrói túneis, mais trânsito você gera. Aquela nova estrutura vai saturar sua capacidade e se tornar um novo problema. Um crescimento de frota desse só se resolveria com a criação de alternativas de uso", observa.
O secretário-executivo da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Luiz Alberto Saboia, reconhece que historicamente Fortaleza herdou uma estrutura de vias estreitas e, portanto, sem grandes opções de ampliação "do ponto de vista prático e orçamentário". A saída foi destravar gargalos históricos, como a rotatória da BR-116 e o cruzamento das avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior.
"A solução não se faz em um governo só. Amsterdã, que hoje é uma cidade-ícone, no início da década de 1970 era orientada para automóvel. Foram necessárias quatro décadas de políticas continuadas, e o planejamento de mobilidade permaneceu. Claro que a população pode ter seu carro e moto, mas não pode ter investimento só para esses dois. Temos que pensar na maioria", salienta.
A visão é compartilhada por Bernardo Serra, gerente de políticas públicas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Na opinião dele, Fortaleza é a capital brasileira que mais tem se destacado em ações de mobilidade, ressaltando a expansão da malha cicloviária, o aumento de áreas específicas para o transporte público e a melhoria da segurança viária para evitar acidentes de trânsito.
Atratividade
Em 2020, a Capital lidera no Brasil no percentual (36%) de pessoas que vivem próximas de alguma infraestrutura cicloviária, conforme um indicador medido anualmente pelo ITDP. Em seguida, aparecem Belém (29%), Recife (24%), Salvador (20%), São Paulo e Rio de Janeiro (19% cada). Segundo o gestor, uma barreira que ainda precisa ser vencida para ampliar esse uso é típica do Nordeste: o calor.
"Hoje, Fortaleza é um exemplo, apesar dos desafios de desestimular o uso de carros, fazer mais conexões com o transporte público e dar mais prioridade a ele na via", aponta Serra. "Para a cidade em si, só carro é insustentável: não tem espaço, causa poluição e causa acidentes".
Irapuan Peixoto, da UFC, percebe que a Capital "ainda é voltada para o automóvel particular", apesar do "inegável fortalecimento de outros modais". Segundo ele, pesquisas sobre deslocamento realizadas pelo Lepec indicam que o automóvel ainda é o meio mais rápido na cidade, seja para estudar ou trabalhar. "Ou seja, a estrutura ainda é voltada pro carro e penaliza o usuário do transporte público", conclui.
O sociólogo acredita que o transporte público só se tornará realmente atrativo quando se puder "confiar" nele, sobretudo nos horários programados, na distribuição racionalizada de linhas (sem sobrecarregar determinadas vias) e na integração entre os modais. "Isso passa a ideia de que a pessoa vai perder tempo ao usar vários veículos, mas, na verdade, se os horários são planejados e cumpridos, ela pode cumprir um trajeto mais rápido que um carro".
Luiz Alberto Saboia, da SCSP, pensa que reduzir o tempo de viagem, investir na previsibilidade e o conforto são chaves para incrementar o uso. Por isso, segundo ele, a Prefeitura desenvolveu o aplicativo Meu Ônibus e instalou ar-condicionado e Wi-Fi na frota. Já para a bicicleta, são dois imperativos: "capilarizar e conectar". "Entre 80% a 90% dos usuários do Bicicletar utilizam o Bilhete Único. A receita é continuar implantando projetos que melhorem essa experiência", pondera.
Conforme o secretário-executivo, investir nos modais complementares "é bom pra todo mundo". No caso das bicicletas, ele destaca a economia, a não-emissão de poluentes e a prática de atividade física como principais benefícios.
Continuidade
Para Bernardo Serra e Irapuan Peixoto, as discussões para o futuro da mobilidade devem se debruçar não apenas sobre a estrutura, mas também nos serviços que os cidadãos desejam acessar. "O fim não é o deslocamento. Deve ser debate público reduzir o congestionamento e ter mais oportunidades perto de casa, que permitam às pessoas fazerem trajetos a pé ou de bicicleta", defende o gestor do ITDP.
Para o sociólogo da UFC, no plano ideal, a cidade deveria dispor de comércio, saúde, educação e cultura num raio próximo das comunidades, a fim de diminuir a necessidade de deslocamentos. "Uma cidade como Fortaleza não tem mais só um Centro; temos também a Messejana, o Montese, a Bezerra de Menezes, a Aldeota, ainda que desigual. Precisamos criar condições para que esses serviços se distribuam melhor", reflete.
Já o secretário-executivo da SCSP garante que os dois pontos são importantes. "Iniciamos o programa Meu Bairro Empreendedor, para dar um banho de urbanização em alguns deles e criar essa independência. Mas isso é para médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, precisamos olhar para os meios atuais e pensar na capacidade viária", diferencia.