A volta da rotina em sala de aula continuará em espera para a rede pública de Fortaleza. A decisão da Prefeitura é de que as atividades presenciais em escolas do Município não sejam retomadas até o fim do atual semestre letivo. Em 2020, será mantido o sistema de ensino remoto.
O anúncio foi feito na tarde de ontem, pelo prefeito Roberto Cláudio. Durante coletiva de imprensa, o gestor enfatizou a abrangência da rede de ensino como um dos fatores considerados para a decisão.
"Não se trata do retorno às aulas de uma única escola, e sim de uma rede municipal. Temos mais de 230 mil alunos hoje. Alunos de 1 a 3 anos na Educação Infantil, até alunos de 15 anos no Ensino Fundamental, além da própria Educação de Jovens e Adultos (EJA). Então é uma rede grande, somos a 4ª rede do Brasil, com grande diversidade etária, e o retorno às atividades escolares de uma rede grande como a nossa acaba trazendo preocupações sanitárias quanto ao risco de contaminação", detalha o prefeito.
A decisão pelo não-retorno vem acompanhada de duas medidas propostas pela Prefeitura. A primeira visa a "segurança alimentar" dos estudantes, e, para isso, será mantida a entrega de kits de alimentação aos alunos da rede municipal enquanto as aulas estiverem suspensas. A distribuição vai ser realizada em três momentos, até o fim do ano, e deve começar ainda nesta semana, segundo Roberto Cláudio.
Como já vinha ocorrendo, a entrega dos kits continuará sendo feita nas unidades escolares, seguindo um cronograma. A direção de cada escola entra em contato com as famílias para informar quando os alimentos estarão disponíveis para retirada, respeitando medidas de segurança sanitária e higiene na entrega.
Internet
A segunda medida diz respeito à acessibilidade. Nesse contexto, cada aluno e professor da rede municipal vai receber um chip pré-pago com pacote de dados de 20 gigabytes (GB) por mês.
Os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e do EJA IV, especificamente, também receberão tablets para desenvolver atividades pedagógicas. Os itens serão cedidos pela Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), e funcionarão por meio de cessão. "Já temos um trabalho que vem sendo realizado desde o dia 20 de março, com protagonismo das nossas escolas. Nossos professores têm se empenhado plenamente em organizar as aulas remotas, e esses materiais, com acesso de dados, vão contribuir tanto para os nossos professores e coordenadores, e principalmente para os alunos e as famílias, um acesso mais regular e uma interação contínua com as atividades que estão sendo propostas e os conteúdos que estão sendo disponibilizados", avalia a titular da SME, Dalila Saldanha.
A secretária afirma que serão distribuídos mais de 240 mil chips, e cerca de 20 mil tablets, que também contarão com um pacote de dados. Saldanha considera que os recursos devem "fortalecer" o encerramento dessas etapas e, assim, contribuir para a continuidade dos estudos.
"Também mantemos uma formação continuada para os professores, inclusive preparando para o uso das tecnologias, dando suporte. Vamos agora intensificar o processo de aquisição para que, até o fim do mês, a gente possa disponibilizar os chips e os tablets", diz Saldanha.
Precaução
Para Roberto Cláudio, não retomar as atividades nesse momento representa, fundamentalmente, uma ação "de proteção à vida, de precaução com a saúde pública, e da redução de qualquer risco de uma nova circulação viral". A decisão também veio como um acerto aos olhos do presidente do Conselho Municipal de Educação (CME) de Fortaleza, Nonato Nogueira, que também reforça a preocupação com questões sanitárias.
Em agosto, o Conselho publicou um parecer orientando para o retorno das aulas de forma escalonada ou de forma híbrida. Porém, em termos pedagógicos, Nogueira considera que a opção pelo ensino remoto não representa uma descontinuidade do aprendizado. "Claro que não é a mesma coisa, não tem como comparar, mas é melhor ter uma perda de algum momento desse ensino presencial do que a perda de uma vida", afirma.
Nogueira conta que, na perspectiva dos professores da rede municipal, que também integram o CME, não há sensação de segurança para o retorno às escolas. Muitos deles moram com suas famílias, e, considerando fatores como o deslocamento diário e a falta de condições físicas em algumas unidades para deixar as salas mais arejadas, ainda predomina a incerteza.
"Alguns já vinham com essa defesa de que não queriam o retorno antes de ter total segurança, e a gente nem sabe quando vai ser isso. Se em janeiro de 2021, ou no meio do ano que vem. De qualquer maneira, é um tempo a mais para as escolas se prepararem", pondera o presidente.
Plano de retorno
Para elaborar um plano de retorno das aulas presenciais, a Secretaria Municipal da Educação informa que levará em consideração a infraestrutura das unidades, além dos aspectos pedagógicos, provimento escolar e gestão. Quando for estipulada uma data para o retorno das aulas presenciais, a pasta vai convocar o Comitê Municipal para discutir as estratégias e todo o contexto de retomada.
"O plano seguirá, rigorosamente, as medidas de segurança sanitária orientadas pelo Governo do Estado, pela Prefeitura de Fortaleza e demais autoridades sanitárias, além da interlocução com a categoria profissional da educação, por meio do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (Sindiute) e do Colegiado de Gestores Escolares", declara.
Até a última segunda-feira (28), cerca de 90% das escolas da rede municipal já haviam passado pelo processo de adaptação aos protocolos sanitários, para voltar a receber professores e alunos. De acordo com a secretária municipal da Educação, todas as unidades já iniciaram algum tipo de intervenção, e poucas ainda não concluíram o processo.
"A partir de um diagnóstico realizado pela SME, foi elaborado um documento com orientações técnicas para a realização das intervenções, que incluem instalação de lavatórios, abertura de espaços para maior circulação do ar, ferramentas de sanitização, entre outras", acrescenta a pasta municipal.
Disparidade
Mesmo com um planejamento em vista e com suporte ao ensino remoto, na visão da professora universitária Adriana Limaverde, é possível dizer que o ano letivo foi praticamente perdido. Ainda assim, a doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) avalia que optar por adiar o retorno presencial foi uma decisão acertada, considerando o atual momento de pandemia no Estado.
"Cada nível de ensino tem um impacto diferenciado. Não dá nem para mensurar isso. A ausência da interação física compromete muito a aprendizagem. A perda vai ser generalizada. Mesmo considerando esses prejuízos, temos que preservar a vida. Só podemos ensinar a quem está vivo, com saúde", destaca.
Adriana Limaverde diz que não é favorável ao ensino, mas reconhece que os recursos oferecidos para alunos e professores está dentro "do possível" a ser feito.
"Está se buscando minimizar as perdas, mas foi algo tão inesperado para todos, que eu acredito que só mais tarde poderemos ter uma noção do que isso provocou", diz.
A educadora considera, ainda, a possibilidade de os novos recursos eletrônicos se tornarem um estímulo para os estudantes que já convivem com a dificuldade de adaptação às aulas online. Mas reforça que uma máquina não pode substituir a presença física da sala de aula.
"A gente vê a reação do aluno. Não sabemos até que ponto dá para ter esse feedback no ensino remoto, principalmente para pessoas com deficiência, por exemplo. Essa entrega dos chips, por exemplo, podem atender necessidades de pessoas que enxergam, que escutam, e isso não é a realidade de todos. Temos que pensar também nas minorias. E a disparidade social se exacerbou nesse contexto, que não sabemos até quando vai durar", declara a especialista.