A aprovação do uso medicinal da maconha no Brasil, ontem, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), vai facilitar o acesso a remédios à base de cannabis, cujo potencial terapêutico ajuda no tratamento de doenças do sistema nervoso central. A avaliação é da servidora Karine Matos, do Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa) da Defensoria Pública do Ceará, que atendeu cinco casos para liberação judicial do medicamento entre 2018 e 2019. O julgamento dos processos, reforça, terão tempo-resposta mais rápidos com a regulamentação dos produtos.
“Os novos processos ganham uma celeridade muito maior com isso, porque quando nós interpusermos a ação já teremos o fator preponderante a nosso favor, que é o aval da Anvisa”, justifica Karine Matos. Ainda conforme a defensora, o mesmo ganho vale para as causas que estão tramitando. “Aqueles que não tiveram um despacho favorável também terão mais agilidade. Acredito que a Justiça vai liberar bem rápido se comparado ao processo que não contava com essa liberação”.
A medida, aprovada por unanimidade pela diretoria colegiada do órgão, ainda será publicada no Diário Oficial da União (DOU) para que entre em vigor 90 dias depois. Segundo a resolução, além de soluções oleosas, os medicamentos liberados em farmácias e drogarias serão de uso oral e nasal, em formato de comprimidos ou líquidos. A manipulação da substância não será permitida, e a compra será feita mediante prescrição médica.
Antes da regulamentação, porém, cada paciente passava por um longo processo de laudos, provas e documentações até obter autorização para importar o medicamento. De acordo com a Defensoria, os prazos demoravam pelo menos 30 dias, o que gerava aflição nas famílias. “Geralmente, elas chegam querendo uma resposta pra ontem. Apesar da inquietação, a gente consegue conversar com os pais e explicar que vai dar tudo certo a partir do processo”, pondera Karine Matos.
Judicialização
Dos cinco processos abertos pela Defensoria Pública, três foram deferidos. A professora Margarida Alencar teve parecer a seu favor somente 12 meses após ingressar na Justiça. Mãe de João Gabriel, de 12 anos, diagnosticado com paralisia cerebral, ela aguarda com “ansiedade e gratidão” o medicamento, previsto para ser entregue ainda neste mês de dezembro pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
“Essa liberação é uma vitória muito grande. Tem muitas famílias lutando por isso há muito tempo. A burocracia era muito grande e agora a luta está ganha, porque nossos filhos terão qualidade de vida. Só em poder dormir tranquilo, isso pra mim já é tudo. Se fosse pra eu ir atrás desse medicamento no céu, eu iria, mas Deus mandou para todas nós”, comemora.
Contudo, embora tenha sido liberada a venda dos remédios com propriedades da cannabis, a Anvisa rejeitou por três votos a um o cultivo de maconha para fins medicinais. Para Ítalo Coelho, advogado da Sativoteca, que reúne pacientes de cannabis medicinal, a medida é avaliada como um “retrocesso”, porque vai na contramão de outros países da América Latina que autorizam o plantio da substância para extração de medicamentos fitoterápicos.
“Ainda que o Brasil tenha uma capacidade enorme de produção, existe uma carência enorme tendo em vista a alta judicialização para importação desses medicamentos, que são caríssimos”, argumenta o advogado. “Isso poderia ser resolvido com o cultivo em universidades para que elas plantassem, produzissem remédios e fizessem pesquisas”, sugere o advogado Ítalo Coelho.