A Prefeitura de Fortaleza anunciou, neste mês, ações para incentivar estabelecimentos comerciais a aderirem ao turismo pet-friendly, ou seja, que seja amigável e receptivo a animais de estimação. Porém, na prática, o conceito vai bem além de apenas permitir a entrada e o trânsito deles em espaços privados ou de uso público.
O professor de educação canina Gerson Barros, que atua com adestramento na Capital há mais de três décadas, considera a iniciativa positiva, mas observa que o processo não pode ser conduzido de qualquer maneira.
Já é uma boa sinalização deixar o cão entrar, mas às vezes a única coisa que ele pode fazer é ficar no pé da mesa. Muitos lugares ainda precisam melhorar o acolhimento.
Além disso, ele considera que a Capital precisa lidar a sério com o abandono de animais em vias públicas, já que “não adianta ter estrutura em bar e restaurante se a realidade é outra”. “Até para os turistas, fica uma má impressão”, aponta.
cães e gatos viviam em situação de abandono na Capital em 2019, segundo a Coordenadoria Especial de Proteção e Bem-Estar Animal (Coepa).
Belise Bezerra, professora do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Fortaleza, também pondera que o movimento precisa ser amadurecido, já que o controle do fluxo de animais vacinados e vermifugados pode ser difícil.
Tem animais sem vacinas em dia e que podem sim estar com alguma zoonose. Além de passar para os humanos, eles podem passar para outros animais que estejam na mesma área.
Em 2021, até 4 de setembro, Fortaleza registrou 34 casos de calazar em humanos, com dois óbitos, além de 3.997 acidentes com animais potencialmente transmissores de raiva. Os dados são da planilha de notificação da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
A profissional reforça que os estabelecimentos em busca da adesão ao pet-friendly também podem oferecer diferenciais, como tigelas com água, espaços com brinquedos e até opções exclusivas no menu para os pets.
Tutores devem estar atentos
Gerson Barros também explica que os tutores precisam ter consciência sobre a possibilidade de levar os pets para fora de casa, uma vez que alguns podem não estar preparados para o contato com outros animais e humanos, ou até mesmo com sons que podem estressá-los.
"O cachorro precisa de educação, precisa ser trabalhado, senão não vai se sentir bem", alerta.
Segundo o adestrador, a pandemia aumentou o número de pessoas interessadas em melhorar o comportamento dos pets. “Acredito que, como eles começaram a conviver mais dentro de casa, os animais mostraram suas necessidades e algumas dessas necessidades viraram problemas”, indica.
Opções variadas
Tutores da Capital explicam que alguns lugares aceitam, mas o pet parece mais ser uma parte do ambiente. Por outro lado, alguns shoppings já oferecem áreas exclusivas de espera ou alimentação para eles. Também há hamburguerias, barbearias, livrarias e lojas de construção que permitem a entrada dos animais. Alguns locais disponibilizam pratinhos com água ou carrinhos de apoio.
A agente comercial Natalya Abucater é tutora da labradora Meg e da vira-lata Lily - adotada bem no início da pandemia, como faz questão de dizer -, que colecionam passeios em diversos locais de Fortaleza, do calçadão da Beira-Mar ao stand-up paddle (SUP) dentro da água.
Também vamos a alguns restaurantes. Não é exatamente um lazer porque elas não brincam, mas oferecem água, deixam ficarem sentadas. O que eu gosto na experiência, que faz diferença para mim, é quando cumprimentam, já recebem com sorriso. Alguns locais, mesmo sendo pet-friendly, não têm essa característica
Para Natalya, a receptividade, o acolhimento e a comodidade são pontos a que os tutores devem estar atentos quando se trata de procurar um espaço pet.
Experiências internacionais
Em diversos países, cidades adotam o conceito no dia a dia. O mais comum é que os animais sejam permitidos em restaurantes e cafés, mas não em lojas de comida. No transporte público, aqueles de menor porte podem ser levados em bolsas. Os maiores precisam de focinheira e coleira.
Toronto, no Canadá, possui dezenas de parques onde os pets podem trafegar sem coleira. Em Paris, na França, podem ir a cafés e restaurantes e utilizar o transporte público. Em Portland, nos Estados Unidos, eles também são bem-vindos em cervejarias e vinícolas.
O que diz a lei
Em Fortaleza, a Lei Municipal nº 8.966, de 2005, que visa à prevenção e controle das zoonoses e endemias, trata de pontos como a permanência de animais em lugares públicos.
Nestes espaços, cães e gatos podem permanecer e transitar se estiverem vacinados, levando coleiras com identificação e sendo conduzidos com guia pelo responsável, “com idade e força física suficientes para controlar o movimento do animal”, quando necessário.
Embora seja opção de lazer para muitos tutores, na praia "é expressamente proibida a presença de cães, gatos ou outros animais", conforme a mesma lei, exceto se forem cães-guias ou de forças militares.
Já a lei estadual 13.572/2005 estabelece que cães da raça pit bull só podem circular pelas ruas e parques do Ceará das 23h às 4h, se conduzidos por pessoas maiores de 18 anos, e com guias com enforcador e focinheira.
Dicas ao sair com o pet
Além do bom senso, o adestrador Gerson Barros e a veterinária Belise Bezerra dão dicas de cuidados de etiqueta animal ao passear com cães e gatos:
- O animal precisa estar vacinado e vermifugado;
- Antes de ir para a rua, trabalhe o controle através da obediência e a adaptação à guia/coleira;
- Demonstre confiança, segurança e liderança;
- Procure ambientes mais abertos;
- Nos passeios, leve sempre água para hidratar o animal e sacos plásticos para recolher as fezes, quando necessário.
Cuidados em saúde
A Prefeitura informou que o Top Bus do Sindiônibus, shoppings e mais de 100 restaurantes recebem o selo Pet Friendly a partir desta semana.
Além disso, destaca o VetMóvel e a Clínica Veterinária do Passaré como equipamentos para atender à “demanda crescente por vacinação e outros cuidados de forma gratuita”. De janeiro a junho deste ano, os dois realizaram mais de 76 mil atendimentos a cães e gatos, incluindo castrações, vacinações e exames.
No âmbito da prevenção, em agosto, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covis) distribuiu 90 mil coleiras de proteção contra a leishmaniose (calazar) dentro da Campanha Nacional de Encoleiramento dos Cães para o Controle de Calazar.