A Universidade Federal do Ceará (UFC) faz parte de estudos e testes com voluntários para o desenvolvimento de duas vacinas diferentes, uma contra a dengue e outra contra a chikungunya, e ambas podem estar disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda neste ano. A informação é do médico infectologista Ivo Castelo Branco, coordenador do Núcleo de Medicina Tropical, onde os imunizantes são avaliados.
As vacinas, ainda sem nomes definidos, estão nas últimas fases de testes e, para a produção em larga escala, precisam da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Agência, inclusive, criou um grupo de trabalho neste mês para apresentar recomendações e emitir pareceres em relação às vacinas contra arboviroses (dengue, zika e chikungunya).
No caso da vacina contra a dengue, estudada numa parceria com o Instituto Butantan, a UFC acompanha, há 6 anos, 1.300 voluntários de 2 a 60 anos completos. Neste período, são registradas informações sobre anticorpos, efeitos colaterais e a eficácia. Para isso, a Universidade recebeu investimento anual estimado em R$ 850 mil.
“A probabilidade, na atual situação epidemiológica, da Anvisa liberar a vacina do Butantan para a população brasileira no segundo semestre é grande, por causa da situação emergencial que estamos vivendo”, frisa o professor Ivo.
Os resultados parciais foram publicados no início de fevereiro na revista internacional The New England Journal of Medicine e apontam eficácia de 79,6%. A vacina protege contra os 4 sorotipos existentes da dengue e, diferente do imunizante atualmente aplicado, precisa de apenas uma dose para proteger.
“Os nossos trabalhos mostraram que, para a dengue 2, a imunogenicidade está beirando os 80% e, para quem já teve dengue, isso aumenta para quase 90%. Já a dengue 3 e 4 nunca foram grandes problemas para nós (no Ceará)”, detalha o especialista. O sorotipo 2, inclusive, é o responsável pelo aumento de casos no País.
A vacina ainda não foi avaliada numa exposição extensa dos tipos 3 e 4 da dengue e isso pode atrasar um pouco a autorização da vacina.
“A gente não pode ainda liberar essa vacina porque não houve esse desafio, mas estamos passando por isso agora com os vírus chegando ao Rio de Janeiro e na região Norte do País e vamos observar isso”, pondera Ivo.
Os últimos voluntários, formados por crianças, devem ser atendidos até março. No País, 16.235 pessoas foram avaliadas por 16 centros de pesquisa de diferentes regiões do Brasil. A vacina foi administrada em 10.259 pessoas, e o restante recebeu placebo. Não foram notificados casos de reações graves.
Vacina contra a chikungunya
O Núcleo de Medicina Tropical da UFC também está na fase 3 de análise da vacina contra a chikungunya. Neste caso, o imunizante foi testado em 760 voluntários no País, sendo 150 no Ceará.
O imunizante também deve ser aplicado em dose única e apresenta uma eficácia de 98,9% contra a doença nos participantes e os resultados serão publicados em artigo científico pela revista internacional The Lancet.
“A vacina contra a chikungunya nós tivemos uma fase 2 com adolescentes de 12 a 17 anos e foi produzida por um laboratório Valneva, da Áustria, e da UFC. Estamos atendendo os últimos voluntários e, provavelmente, a vacina seja liberada antes da dengue porque foi autorizada nos EUA para adultos”, contextualiza Ivo.
A Administração Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA, da sigla em inglês Federal Drug Administration), dos Estados Unidos, aprovou essa vacina contra chikungunya, no fim do último ano, para pessoas com 18 anos ou mais.
Conforme o Butantan, a previsão é de que o pedido de aprovação para a Anvisa seja submetido no primeiro semestre de 2024. Além da dengue e chikungunya, a UFC também participa de estudos sobre a imunização contra o coronavírus e o vírus sincicial respiratório, por exemplo.
“O nosso Núcleo tem muita credibilidade, somos convidados no Brasil e formamos o grupo com 17 centros que testou a vacina contra a dengue e um dos 7 que testou a da chikungunya”, conclui Ivo Castelo Branco.
Apesar das vacinas, o especialista frisa a necessidade de manter os cuidados para evitar a proliferação do mosquito aedes aegypti que também causa a zika, ainda sem vacina disponível.
Grupo de trabalho na Anvisa
A Anvisa, por meio da Portaria 158, do dia 8 de fevereiro de 2024, criou um grupo de trabalho (GT) para acompanhar o desenvolvimento não clínico e clínico de vacinas contra chikungunya, dengue e zika vírus.
O GT vai atuar no apoio, fornecimento e discussão de evidências científicas, avaliação da segurança e da eficácia de medicamentos e produtos biológicos e sobre o processo dessas substâncias para registro na Anvisa.
No momento, a Anvisa avalia uma vacina contra o vírus chikungunya e em breve deve receber a submissão de um novo registro de pedido de vacina contra a dengue que, caso aprovada, pode se somar a outros dois imunizantes já autorizados pela Agência para a prevenção da doença.
Também há uma iniciativa local de desenvolvimento de vacina contra o zika virús que pode ser acompanhada pelo GT.
O grupo de trabalho é formado por 10 especialistas em arboviroses, que darão suporte acadêmico à equipe técnica da Anvisa. Os membros devem contribuir emitindo pareceres de suporte à análise da Agência e com orientações aos desenvolvedores.