Os assobios de corujas rompem o silêncio noturno na mata da Serra das Almas, em Crateús, na divisa do Ceará com o Piauí. São timbres, intensidades e até onomatopeias características de cada espécie. Para conhecer essa diversidade, biólogos e outros ambientalistas realizam “corujadas”, em outras palavras, observação de corujas à noite.
A atividade pode causar certo estranhamento popular diante de crenças, como a associação do som da espécie conhecida como rasga-mortalha ao anúncio da morte. O mito, inclusive, ainda leva à matança dos animais em municípios diferentes do Estado.
O Diário do Nordeste acompanhou uma corujada durante a 4ª edição da Jornada Sustentável, realizada pelo Beach Park, em Crateús, entre quarta (6) e sexta-feira (8). A iniciativa é desenvolvida em parceria com a Associação Caatinga e Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis).
A rasga-mortalha, cientificamente nomeada de Tyto furcata, é uma das oito espécies de coruja presentes no Ceará, conforme o Inventário das Aves produzido pela Secretaria de Meio Ambiente e Mudança Climática (Sema), em 2021.
O “grito” similar a um tecido rasgando acima das moradias é tido como um agouro e isso motiva a matança dos animais em todo o Estado, como indicam especialistas da área, apesar de não haver dados específicos divulgados desse cenário.
Mas os sons, na verdade, são usados pelas corujas como forma de demarcar território ou conseguir parceiros para caçar presas, por exemplo, como explica o biólogo Fábio Nunens atuante na ONG Aquasis.
“Essa espécie é responsável por controlar roedores como nenhuma outra. O formato da cabeça é como uma parábola e a audição dela é especializada para escutar um roedor no chão no mínimo movimento”, acrescenta o especialista.
Um dos resultados disso é o aumento da população de ratos nas áreas urbanas devido à falta de predação pelas corujas.
É uma ave sensacional, amiga do ser humano, e de má sorte é só uma uma crendice que é papel da gente quebrar. Essas coisas vão passando de geração para geração e termina ninguém sabendo, mas não tem nenhum fundamento biológico.
O artigo 29 da Lei Nº 9.605, de 1998, estabelece que "matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente" leva a uma pena com detenção de seis meses a um ano, e multa.
Conheça as 8 espécies de corujas que vivem no Ceará:
- Tyto furcata: suindara ou rasga-mortalha
- Megascops choliba: corujinha-do-mato
- Pulsatrix perspicillata: murucututu
- Bubo virginianus: jacurutu
- Glaucidium brasilianum: caburé
- Athene cunicularia: coruja-buraqueira
- Aegolius harrisii: caburé-acanelado
- Asio clamator: coruja-orelhuda
Os observadores podem usar como material de apoio o “Guia de Aves da Reserva Natural Serra das Almas”, publicado pela Associação Caatinga, com mapeamento dos melhores lugares de visualização, fotos e informações sobre hábitos de grande parte das 230 espécies de aves que vivem no local.
Como funciona uma corujada
Os eventos de observações de corujas acontecem com a mediação de especialistas nas espécies e reúnem grupos de oito a 15 pessoas guiadas, praticamente, pela luz da Lua. O silêncio é imprescindível para não afastar os bichos.
São necessários equipamentos de proteção, como caneleiras, para evitar picadas de cobra. Além disso, são comuns os binóculos para conferir os animais em detalhes e câmeras para registros das espécies.
Os guias possuem um acervo do som feito por cada espécie de coruja e usam aparelhos para emitir os assobios. Em meio à vegetação fechada das matas, alguns animais começam a “responder” e se aproximam após o estímulo.
“Isso é interessante porque a gente se adapta a condição para procurar esse animais e, para quem gosta de ver passarinho, só vai conseguir aumentar o número de animais que encontra se diversificar as paisagens e horários”, detalha o biólogo Weber Girão.
Apesar disso, não há garantia de encontrar as corujas no percurso. Caso dê sorte de achar alguma das espécies, os bichos não fogem quando são iluminados por lanternas – alguns, inclusive, permanecem no mesmo lugar até que a fonte de luz seja apagada.
Uma comemoração silenciosa é compartilhada entre os biólogos que passam a fazer imagens do animal e continuam a reproduzir o som, quase como uma comunicação direta.
“Se você tem muitas corujas no local, que são topo da cadeia predatória da noite, é um indicador de que o ambiente está saudável. A passarinhada é um prazer mesmo, né? É uma consciência de que quanto mais corujas mais o ambiente é diverso”, destaca Weber.
Sobre a Serra das Almas
A Reserva Natural da Serra das Almas (RNSA) é uma unidade de conservação da modalidade Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). A imensidão de biodiversidade está dimensionada em 6.285 hectares – algo como 6 mil campos de futebol – entre os municípios de Crateús, no Ceará, e Buriti dos Montes, no Piauí.
Para ter uma noção da riqueza de animais e plantas que vivem na Serra das Almas, estão catalogados:
- 234 aves
- 33 anfíbios
- 45 mamíferos
- 625 plantas
- 45 répteis
A vida também aparece nas quatro nascentes existentes no espaço que permitem o escoamento evitado de 4,8 bilhões de litros de água por ano. Isso significa que a vegetação mantém essa quantidade de água no local. Tudo isso faz com que 1,6 milhão de toneladas de gás carbônico sejam estocadas.
Quem tem interesse em conhecer pessoalmente a Serra das Almas pode aproveitar as sete trilhas mantidas por lá. Um dos percursos, inclusive, é acessível para pessoas com deficiência, tendo 500 metros, com dimensões para deslocamento por cadeiras de rodas, muletas e andadores.
Existem também dormitórios, refeitório, banheiro, laboratório, loja física, auditório, torre de observação, viveiros de produção de mudas nativas e meliponário (produção de mel).
- Trilha do açude (500 metros): fácil
- Trilha do lajeiro (1,5 km): fácil
- Trilha dos macacos (1,2 km): moderada
- Trilha da gameleira (7,9 km): moderada
- Trilha das Arapucas (6,5 km): difícil
- Trilha da Encosta (8 km): difícil