Pelo menos 10 cidades da Grande Fortaleza desobedecem lei e não dispõem de ciclovias; veja mapa

Há 4 anos entrou em vigor lei que Institui o Programa Bicicleta Brasil a ser implementado em todas as cidades com mais de 20 mil habitantes

Das 18 cidades que integram a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), 17 têm mais de 20 mil habitantes, ou seja, deveriam, por lei, dispor de áreas para ciclistas. Contudo, apenas sete contam com ciclovias ou ciclofaixas. O levantamento foi realizado pelo Diário do Nordeste com base no contato direto com as prefeituras.

Em 2018, entrou em vigor a lei de nº 13.724/18 que Institui o Programa Bicicleta Brasil (PBB), a ser implementado em todas as cidades com mais de 20 mil habitantes. O objetivo era “incentivar o uso da bicicleta visando à melhoria das condições de mobilidade urbana”. Quatro anos mais tarde, pouco se avançou na RMF.

Conforme apurou a reportagem, das 10 que não contam com áreas exclusivas para este modal, três (Aquiraz, Eusébio e Trairi) mencionam a existência de projetos para implantar ciclovias em um futuro próximo - embora não tenha sido destacado prazos. Das 17 cidades, seis não responderam aos questionamentos. 

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A professora do curso de arquitetura e urbanismo da Unifor, Camila Bandeira, considera que não contar com este tipo de equipamento além de ser ilegal, traz prejuízos ao próprio município, ainda que ele tenha número reduzido de habitantes.

"Cidades pequenas precisam, sim, de ciclovias e ciclofaixas. Essa estrutura é um reforço para a segurança e uma política de incentivo ao modo cicloviário", destaca a especialista. Ausência de segurança foi justamente o que causou o acidente do eletricista Marcos Leandro, em 2020, na cidade de Eusébio.

"Tinha o costume de ir ao trabalho de bicicleta. Como moro relativamente perto, algumas vezes escolhia a bike. Até que no começo de 2020 um carro cruzou a rua e bateu na minha traseira. Por sorte o veículo não estava rápido", relembra. 

Leandro sofreu escoriações leves no braço esquerdo e ombro. Este foi o primeiro acidente sofrido por ele, mas o suficiente para fazê-lo repensar o uso da bicicleta. "Não sofri nada de grave, mas poderia ter acontecido o pior. Claro que a gente fica com medo, se sente pouco seguro. Se tivesse um ciclovia, seria mais adequado", avalia.

O texto da Lei aprovado não descreve sanção para a cidade que não implantar a ciclovia.  

Ampla extensão

A capital cearense é a cidade com maior malha cicloviária do Estado. São quase 410 km de ciclofaixas, ciclovias, ciclorrotas ou passeios compartilhados distribuídos por todas as regionais de Fortaleza. "Até o fim de 2024, a cidade terá uma malha total de 500 km para garantir um ir e vir mais seguro aos ciclistas".

Segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), Fortaleza é a Capital brasileira onde as pessoas vivem mais próximas à infraestrutura cicloviária, com mais de 50% dos habitantes morando a menos de 300 metros de alguma ciclovia, ciclofaixa, ciclorrota ou passeio compartilhado.

Avanço social

Nas cidades onde há locais apropriados para ciclistas trafegarem, avanços sociais e benefícios da mobilidade urbana são destacados como conquistas. “As ciclofaixas, além de humanizar, democratizam o espaço público, ajudam na promoção da saúde, melhoram a qualidade de vida e auxiliam na preservação do meio ambiente, já que ajudam a reduzir a emissão de CO2", destacou Jesus Andrade, presidente da Autarquia Municipal de Trânsito de Caucaia.

O Município conta com cerca de 20 km de ciclofaixa. Além das estruturas já existentes, a Autarquia Municipal de Trânsito (AMT), diz ter desenvolvido projeto para a implantação de pelo menos mais 9 km de novas ciclofaixas, que deve contemplar a Avenida Ulisses Guimarães, um dos principais acessos ao município para quem vem de Fortaleza.

Nosso objetivo para os próximos anos é ampliar estes espaços para que os ciclistas e pedestres possam trafegar com segurança.
Jesus Andrade
Presidente da Autarquia Municipal de Trânsito de Caucaia

Conforme a assessoria de comunicação do Município, "a gestão investe na Mobilidade Urbana como ferramenta de transformação social e econômica. Prova disso é o Bora de Graça, maior programa de mobilidade urbana do Brasil, com transporte público 100% gratuito". 

A cidade de Horizonte também conta uma ciclofaixa, localizada na Avenida Francisco Eudes Ximenes, no Centro. O equipamento foi implantado em abril deste ano, com objetivo de integrar o tráfego entre ciclistas e pedestres "visando dar mais conforto e segurança para todas as pessoas que utilizam a avenida", destacou a assessoria do Município.  

O município conta ainda outras duas ciclovias, uma na Avenida Presidente Castelo Branco e outra na Rua Manoel Conrado. "Embora já sejam utilizadas pelos ciclistas, as ciclovias ainda precisam ser sinalizadas", ponderou a gestão. Juntos, os equipamentos somam quase 2 km de extensão.

Referência e incentivo

Maranguape é outra cidade da RMF que dispõe de ciclovia. Na avaliação da gestão, a cidade é, atualmente, "um dos destinos mais buscados pelos amantes do ciclismo". A ampliação do serviço, conforme a assessoria do Município, está presente na reformulação do Plano Diretor.

"Dentro do Plano, há um capítulo especial para a inclusão de ciclofaixas ligando o centro da sede do município aos bairros e também em distritos mais populosos. O Plano já deve começar a ser implementado em 2023 com o reordenamento do Centro, que incluirá a inclusão de ciclofaixas".  

Segundo o secretário de Meio Ambiente e Urbanismo, Marcus Silva, a sustentabilidade e o incentivo a meios de transportes alternativos e não poluentes serão diretrizes do Plano Diretor.

“Somos um município com tradição na questão da bicicleta como meio de transporte e como esporte. Em 2023, devemos dar um salto ainda maior com a implantação do plano diretor e com a execução de políticas públicas voltadas para modificação do setor urbano da cidade. E a bicicleta, com a implementação de ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas, além de bicicletários é uma de nossas prioridades nesta nova fase”, acrescentou Silva. 

Incentivar o ciclismo não apenas como esporte, mas também como meio de transporte é uma das pautas de Pacatuba. Conforme a assessoria do Município, "a gestão reconhece a importância deste modal, tanto que incentiva o ciclismo turístico. Recebemos muitos grupos semanalmente. Pedestres também têm segurança para caminhar ou correr neste local exclusivo. 

A assessoria não informou a extensão da ciclovia que foi construída com recursos estaduais por estar em uma rodovia. Em São Gonçalo do Amarante, são aproximadamente 9km de ciclofaixas. A implantação do equipamento trouxe, segundo a assessoria do Município, "aumento no número de ciclistas, entre pessoas que buscam lazer e saúde em um só lugar". 

Queda no índice de acidentes

Em Pacajus, após a implantação dos 10km de faixas exclusivas para as bicicletas o índice de acidentes declinou, conforme informou a Autarquia de Trânsito do Município. "Com a implantação das ciclovias houve uma redução 90% no número de acidentes", pontuou.

A pasta, no entanto, não especificou a quantidade de acidentes registrados, nem sob qual período diz respeito a redução. 

O equipamento foi implantado em 2020, nas ruas Guarany e Tabelião José Gama Filho.

As vias operam em sentidos contrários, com ciclo faixas unidirecionais e determinação máxima de 40km/h.  Além disso, no Distrito de Itaipaba (Zona Rural) foi realizada a intervenção de ciclo faixas, juntamente com a pavimentação e sinalização das vias. 

"A cidade visa até 2024 garantir a ampliação de ciclo faixas para mais vias pavimentadas, bem como, fortalecer a política de acessibilidade e segurança para os ciclistas e pedestres de Pacajus", concluiu a assessoria do Município.

Projeção 

Aquiraz, Eusébio e Trairi não contam com ciclovias ou ciclofaixas, no entanto, em contato com a reportagem do Diário do Nordeste, externaram a intenção de, em breve, implantar áreas exclusivas para ciclistas. Apesar da projeção, as gestões não informaram qualquer prazo para implantação. 

"Desde que a gestão municipal tomou conhecimento da Lei, são realizados estudos do tráfego das ruas e avenidas do município para que possa ser implantada as ciclovias/ciclofaixa sem prejudicar o trânsito local de automóveis e pedestres", destacou o prefeito de Pindoretama, Dedé Soldado, ao reconhecer a importância dos meios de locomoção alternativo.

"A implantação das ciclofaixas/ciclovias irá contribuir para que os ciclistas possam trafegar com segurança, além de dar visibilidade aos condutores de automóveis e pedestres da faixa exclusiva para ciclistas", completou a assessoria. 

Já a Autarquia Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (AMMA) de Eusébio pontuou que "foi autorizada pelo prefeito a iniciar os estudos para a implantação de Ciclovias e Ciclofaixas no município. O projeto deve indicar as vias mais propicias para implantação dos sistemas, estacionamentos para bikes e implantação do sistema de bikes compartilhadas".

Ainda conforme a Autarquia, o "projeto deve ficar pronto somente no próximo ano, mas não há um prazo ainda". Trairi também não detalhou previsão. 

Grande desafio

Para as cidades da RMF que não ofertam ciclovias e/ou ciclofaixas, a docente da Unifor, Camila Bandeira, considera que o grande desafio existente é o financiamento para a implantação destes espaços. O texto aprovado pelo então presidente Michel Temer vetou a destinação ao Programa Bicicleta Brasil de 15% dos recursos arrecadados com multas de trânsito.

O valor total arrecadado com as multas gira em torno de R$ 9 bilhões por ano – portanto, seria R$ 1,3 bilhão por ano destinado ao programa.

Na explicação para o veto, o governo argumentou que a destinação poderia “acarretar o enfraquecimento dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), pois compromete os valores destinados a cobrir os custos e despesas com rotinas e procedimentos relativos à autuação das infrações, podendo acarretar insuficiência de fiscalização e consequente sensação de impunidade”.

Para Camila Bandeira, embora os desafios existam, é preciso que a gestão costure meios legais de implantar os equipamentos que, segundo ela, são essenciais.

"A gente sabe que essas cidades têm restrição com relação a arrecadação dos impostos municipais e, claro, tem diversas prioridades. Isso acaba deixando a implantação cicloviária em segundo plano. Mas, a gente sabe que existem acidentes [devido a ausência de ciclovias] e é preciso buscar alternativas" para sua implantação.