Chegou ao litoral cearense, quase de modo imperceptível, uma espécie invasora e venenosa como ameaça ao ambiente marinho, pesca e turismo: o peixe-leão. A presença do animal foi confirmada em Camocim, Acaraú, na Praia do Preá e em Jericoacoara desde a última semana. Pesquisadores começam análises para entender o comportamento do bicho.
Os primeiros registros foram feitos por pescadores e informados a pesquisadores cearenses na última sexta-feira (11). Luís Correia e Cajueiro da Praia, no Piauí, também apresentam a espécie invasora. Essa é a primeira vez que o bicho é encontrado no Nordeste.
Com isso, os cientistas temem a facilidade com que o peixe-leão se propaga, a ameaça aos peixes e camarões nativos e o risco dos espinhos venenosos para a população. Em contato com seres humanos, pode causar dor, inflamação, edemas, calor e palidez, por exemplo.
Até o momento, os animais invasores foram encontrados em lugares rasos, entre um e nove metros de profundidade - diferente do que costuma acontecer em outros lugares e isso causa maior risco de contato. Também foram identificados em ambientes artificiais.
Desde essa confirmação, uma força-tarefa busca entender onde o peixe-leão está instalado. Por isso estão mobilizados pesquisadores das Universidades Federais do Ceará (UFC), de Alagoas (Ufal) e do Rio de Janeiro (UFF).
Também estão mobilizados cientistas do Recife, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Os estudiosos contam com o apoio de pescadores para conseguir realizar o trabalho.
“Vamos precisar fazer uma rede com pescadores, mergulhadores, com Ibama e com ICMBio, porque temos de fazer uma ação para identificar qual o dano, que ainda não é claro. Acho que é muito mais do que a gente pensa”, sinaliza o pesquisador Marcelo Soares.
Amostras dos peixes recolhidas em Camocim já são recebidas no Instituto de Ciências do Mar (Labomar) onde Marcelo atua. Durante a ida ao campo, os cientistas conseguiram encontrar oito peixes em um curto trecho de Jericoacoara, por exemplo.
Isso expõe a vulnerabilidade que o animal invasor representa, porque chega em áreas que devem ser conservadas pela riqueza natural, como é o caso do Parque Nacional de Jericoacoara e a Área de Proteção Ambiental (APA) do Delta do Parnaíba, no Piauí.
“O impacto na pesca é grande, porque o bicho se move e come peixes nativos e camarão. Além disso, não tem predador e uma fêmea reproduz a cada quatro dias pondo 2 milhões de ovos por ano”, detalha o pesquisador sobre as características do peixe-leão.
Espécies de peixe são ameaçadas no Brasil, conforme levantamento sobre o potencial risco da espécie invasora no País
Assim, peixes vermelhos, como é o caso do pargo, e as garoupas estão entre as espécies nativas afetadas. Isso pode ter repercussão na pesca também por fatores
Como o peixe-leão chegou ao Ceará?
Marcelo de Oliveira contextualiza que o primeiro registro do peixe-leão no Brasil foi feito no Rio de Janeiro, com apenas um indivíduo da espécie, em 2014. Dois anos depois, outro animal também foi encontrado naquele estado.
Mas só no final do último ano os pesquisadores foram surpreendidos com a quantidade do animal em um trechos de recifes amazônicos e em Fernando de Noronha. Os peixes são encontrados em profundidades de até 100 metros nesses locais.
O aparecimento dos animais em outros lugares do País pode ser associado à soltura de peixes de aquários, mas essa não é a suspeita para o Nordeste.
O mais provável é que seja uma população da Amazônia e de Fernando de Noronha, porque esse bicho nada contra a corrente, que no Ceará flui para oeste. A hipótese é que ele tenha vindo da Amazônia e chegou aqui
A certeza sobre a origem e outras características do animal encontrado no Ceará será detalhada em estudo feito no Labomar. “A gente deve saber isso em mais ou menos dois meses, já preparamos uma equipe que vai fazer a genética deles para saber de onde veio”, explica.
Originalmente, o peixe-leão vive no Oceano Indopacífico, mas há cerca de 30 anos causa prejuízos ambientais e turísticos no Caribe e Golfo do México. Uma das teorias aponta que a espécie era mantida em um aquário de resort, mas que escapou durante um furacão.
Desafio para controle do animal
Em outros países, o animal é, literalmente, caçado por mergulhadores e ainda é utilizado como iguaria em festivais de culinária. Isso acontece em um ambiente de águas cristalinas, onde a identificação é facilitada. No Brasil, a situação é diferente.
“Nossa água é turva, em geral as pessoas mergulham de fevereiro a maio, não tem como caçar no segundo semestre, porque não dá para ver e corre o risco da pessoa se machucar”, explica Marcelo.
Atrelado a isso, não há um predador contra o peixe-leal e isso faz com que o animal se multiplique sem impedimentos e afete a população de espécies nativas. “É um efeito cascata: ele começa a comer os bichos e toda a cadeia alimentar abaixo dele muda”, alerta.
As pesquisas iniciadas também devem identificar quais bichos nativos, especificamente, o peixe-leão prejudica no Ceará. “Vamos receber as amostras no Labomar e, nas próximas semanas, vamos abrir a barriga deles e ver o que estão comendo, mas a tendência é que impacte peixes e camarões”, reforça.