Eles são locais conhecidos e até populares em Fortaleza. Muitos, nomeados há décadas e têm um aspecto em comum: os nomes fazem referência aos bairros em que estariam localizados. Na realidade, são lugares e equipamentos cuja denominação popular indica uma referência, mas a divisão estabelecida pelo poder público na Capital, os situa oficialmente em outro território. Esse aspecto curioso faz com que, por exemplo, o famoso Farol do Mucuripe, não esteja, de fato, no Mucuripe.
Esse desencontro entre a referência do nome e a localização exata desses pontos ocorre, sobretudo, pela forma de expansão da cidade; na qual bairros vão sendo "redesenhados"; e pela atualização do estabelecimento oficial dos limites territoriais.
A discrepância na referência pode ser recente, mas em alguns casos, como o do Farol do Mucuripe, é antiga.
Ela também indica como as identidades desses locais contam a história da cidade e exemplificam as mudanças - expansão, redução, junção - que cada território passa.
Em Fortaleza, o decreto 14.498/2019 publicado pela Prefeitura em setembro de 2019 atualizou os limites territoriais da cidade e os tornou mais precisos. Desde então, a Capital passou a ter 121 bairros, com reconhecimento oficial do Aracapé e do Novo Mondubim.
Antes, a última lei mais ampla sobre os limites dos bairros de Fortaleza era de 1960 e o reconhecimento das criações de novos bairros se dava por decretos legislativos isolados.
Confira pontos que levam nome de um bairro e ficam em outro:
Farol do Mucuripe é no Cais do Porto
O antigo Farol do Mucuripe, que é um patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), embora tenha no nome a referência ao bairro ou à enseada do Mucuripe, está localizado oficialmente no bairro vizinho: o Cais do Porto. O equipamento fica no encontro da Avenida Vicente de Castro com a Rua Amâncio Filomeno.
O antigo farol foi construído entre os anos de 1840 a 1846 e por muito tempo foi referência para embarcações que aportavam em Fortaleza. O farol foi desativado em 1958, quando teve início o funcionamento de um “segundo” farol. Esse equipamento funcionou até 2017, quando Fortaleza ganhou a mais recente estrutura do tipo.
Tanto ele (farol mais recente) quanto o anterior também não estão localizados no Mucuripe. Ambos foram construídos em outro bairro vizinho ao Mucuripe, o Vicente Pinzon.
Terminal do Antônio Bezerra fica no Padre Andrade
Já o terminal do Antônio Bezerra, criado há mais de 30 anos, no bairro de mesmo nome, com as mudanças realizadas pela Prefeitura, em 2019, passou oficialmente a fazer parte do bairro vizinho: o Padre Andrade. Apesar de ocupar esse novo território, no dia a dia, é difícil que a população identifique que o equipamento não faz parte do Antônio Bezerra.
O terminal foi criado em 1992 e desde então serve como uma das grandes estruturas de embarque e desembarque de passageiros dos ônibus urbanos O equipamento foi construído em um dos bairros antigos de Fortaleza cuja ocupação data de 1800.
Com a mudança na demarcação feita oficialmente pela Prefeitura em 2019, no trecho no qual o equipamento está situado, a Rua Demétrio Menezes divide os dois bairros. Com a alteração, o terminal ficou registrado do lado do Padre Andrade.
Rampa do Jangurussu é no Passaré
O maior lixão inativo de Fortaleza, que é também a “rampa” mais simbólica e, em paralelo, a mais problemática da cidade, quando criada em 1978 ficava no bairro Jangurussu. Quando foi desativado em 1998 a localização ainda era essa.
Após 24 anos de encerramento, hoje, pela divisão oficial dos bairros de Fortaleza, o que resta lugar (montanha de quase 40 metros de altura, coberta por vegetação seca) fica no Passaré, bairro localizado vizinho ao Jangurussu.
O local que por décadas foi o destino final dos resíduos gerados na Capital, ainda guarda a decomposição desses materiais, espera uma requalificação. Pela localização, a rampa fica na Avenida Parque do Cocó, que pelo traçado no mapa oficial, pertence ao bairro Passaré.
Gonzaguinha da Barra fica no Vila Velha
O Gonzaguinha da Barra, assim como parte dos equipamentos públicos que há décadas atrás pertenciam à Barra do Ceará, conforme o Vila Velha foi crescendo acabou sendo incorporado por esse território. Essa é uma dinâmica conhecida na área, e moradores que há alguns anos pertenciam à “grande Barra do Ceará”, com as mudanças, passaram a fazer parte do grande território que é o Vila Velha.
Situado no lado Oeste da cidade, o Vila Velha é um dos grandes bairros em extensão e se divide em 4 etapas. O Hospital Distrital Gonzaga Mota da Barra do Ceará, o chamado Gonzaguinha da Barra, fica na Avenida Dom Aloísio Lorscheider, via que em toda a sua extensão pertence ao bairro vizinho à Barra do Ceará.
Na unidade de saúde são realizados pronto-atendimento obstétrico, clínico e pediátrico.
Praça do Carlito Pamplona é no Álvaro Weyne
No Carlito Pamplona, a Praça Antônio Alves Linhares, conhecida como “Praça do Carlito”, é a principal do bairro. Inaugurado em 6 de dezembro de 1985, o logradouro é cortado pela Avenida Francisco Sá. Na praça está a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Com a atualização feita na divisão dos bairros em 2019, a Avenida Pasteur passou a definir o limite entre o Carlito Pamplona e o Álvaro Weyne, e pela demarcação, a praça acabou ficando oficialmente do lado do Álvaro Weyne.
Caixas d’água do Benfica são no Centro
Duas caixas d’água icónicas em Fortaleza, localizadas ao lado da Faculdade de Direito da UFC, embora o nome indique o Benfica como referência - “Caixas d’água do Benfica” - estão oficialmente no Centro. Elas estão situadas na Rua Antônio Pompeu.
As caixas d'água começaram a ser construídas em 1911 na então Praça Visconde de Pelotas - atual Praça Clóvis Beviláqua (Praça da Bandeira), mas foi interrompida em 1912, sendo inaugurada só em 1926. A ideia era que as caixas d'água ajudassem na rede de abastecimento de água do Benfica por conta do declive natural da região.
O sistema das caixas d’água do Benfica nunca foi operado pela Cagece. Em 2010, os equipamentos foram protegidos por tombamento municipal. Atualmente, há uma previsão de restauro dos equipamentos cujo início é previsto para o primeiro semestre de 2023.
Mudanças em Fortaleza
O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Observatório das Metrópoles, Alexandre Pereira, explica que o tempo entre as mudanças administrativas e a assimilação dessas alterações pela população têm tempos “bastante distintos”.
Além disso, destaca que “nas cidades é preciso sempre enxergar o lugar e o tempo. O marco espacial, o evento que ele representa, as pessoas, a situação social e a época que ele é denominado. Os lugares na cidade, geralmente, são denominados por suas funções”.
O Farol do Mucuripe, diz ele, é um exemplo desses processos, pois termo mucuripe, diz “é antigo e vem de macuripe. Depois foi transformado a pronúncia, e se tornou mucuripe nessa perspectiva do espaço litorâneo associado aos pescadores, depois vieram as canções, a poesia, o imaginário social e a função urbana em si. Tem essas duas velocidades, uma a de denominação de lugares e outra velocidade com que a própria cidade muda”.
Outro ponto, destaca ele, é que Fortaleza até os anos 1950 se transformou em um ritmo lento. Dos anos 1960 até os dias atuais, reforça: “tudo mudou muito rápido, ganhou outra esfera. Então, uma área enorme que era considerada um bairro, rapidamente foi ocupada e foi se fragmentando. E a denominação do passado, serve como referência, mas pelo adensamento social, vai criando fragmentos do tecido urbano e outras denominações”.
Ele menciona a Parquelândia como exemplo. “As pessoas falam em Parquelândia, mas quando você vai ver a divisão tem uma série de outros bairros, como o Parque Araxá. Mas no imaginário as pessoas remetem aos nomes mais conhecidos, e é até uma forma de melhor identificação, há uma eficiência maior na indicação de localização”.