Cartas psicografadas representam comunicações do mundo espiritual com o mundo físico, de acordo com a doutrina espírita. Elas são comumente aplicadas no consolo de amigos e familiares de pessoas falecidas, mas também para o aprendizado de lições retiradas de experiências de vida.
Contudo, em alguns casos, as cartas também podem ser utilizadas como prova documental de algum crime. Nesta semana, a vidente Chaline Grazik diz ter psicografado uma carta de Eliza Samudio apontando o paradeiro do corpo da modelo, assassinada há 12 anos.
Nas décadas de 1970 e 1980, o médium Chico Xavier também ajudou a inocentar acusados de assassinatos a partir de mensagens psicografadas das vítimas. Elas foram consideradas depoimentos póstumos pela Justiça e chegaram a ter repercussão internacional.
Além disso, uma advogada utilizou, em julgamento, uma carta psicografada de um jovem morto no incêndio da Boate Kiss para defender um músico acusado de acender o artefato pirotécnico dentro da boate, o que mais tarde causou o incêndio. Na suposta mensagem, o rapaz isentou os responsáveis pela tragédia, afirmando que eles "também têm famílias".
Já no Ceará, uma mensagem psicografada ajudou a identificar, em 2014, o corpo de um homem que permaneceu dois anos desaparecido para a família. Foi uma carta do avô à mãe do homem que descreveu o paradeiro dos restos mortais.
Para entender o trabalho psicográfico, o Diário do Nordeste conversou com Carlos Airton da Silva, trabalhador do Centro Espírita Casa de Miramez, em Fortaleza. O local possui um trabalho voltado exclusivamente para a psicografia terapêutica.
Quais são os princípios que norteiam a psicografia? Existe uma cartilha?
A psicografia é um tipo de mediunidade, uma capacidade de intercâmbio entre os dois planos da vida. Uma pessoa que tem uma sensibilidade maior se conecta com o que nós chamamos de mundo espiritual ou dimensão astral. O Allan Kardec, quando codificou a doutrina espírita na segunda metade do século 19, identificou a psicografia como uma das mediunidades.
Os espíritos seguem o tempo cronológico? Eles guardam as lembranças?
Nós agora estamos no corpo físico, mas temos uma duplicata nossa chamada “perispírito”, ou corpo astral, espiritual. Quando o nosso corpo físico morrer, for enterrado ou cremado, essa nossa outra contraparte vai continuar existindo e vamos passar a habitar outra dimensão.
Algumas pessoas desencarnam e não conseguem uma libertação com esse plano espiritual, como por exemplo, aconteceu muito na época da Covid. Nós recebemos lá na Casa comunicações de pessoas que ainda estavam encarnadas, naquele estado de coma, e lamentavam não ter tido a chance de se despedir da família achando que iam desencarnar.
Então, quando existe essa não tranquilidade, essa incompletude na partida dessa vida, muitas vezes essa alma atormentada vem pedir ajuda. Outras vezes, vem trazer uma consolação.
Eles se manifestam quando são chamados ou quando lhes preferir?
Se você evocar um espírito, ele pode vir desde que ele queira e esteja em condição de vir. Ele vem quando a sua presença, a sua participação, vai ter um fim construtivo, benéfico, para ele e para quem quer se comunicar. Outras vezes, se recusa a vir e manda mensagens dizendo que deixem ele em paz.
Já peguei uma psicografia muito curiosa de uma família que ficou atormentando uma pessoa que morreu perguntando onde foi que ela escondeu determinada joia. Ela se via profundamente irritada e dizia que não podia.
Na nossa Casa, também temos a psicografia terapêutica. Um espírito vem se comunicar através de cartas, mas quem vai escrever, quem vai vir, não sabemos. É a equipe espiritual que dirige o nosso trabalho.
Ali, surgem mensagens de agradecimento, de revolta, descrevendo como foi a morte, e até motivacionais, para que as pessoas aprendam um determinado comportamento.
Os espíritos podem ser interrogados? Num caso de assassinato como o da Eliza Samudio, bastaria evocá-los e fazer as perguntas?
É importante notar quando o espírito traz uma referência a algo muito particular, algo muito pessoal que o médium não sabe. Precisa haver uma aferição da autenticidade daquela conexão, porque até ali o médium está apenas recebendo aquilo.
São detalhes que vêm soltos dentro do texto que vão atestar a autenticidade da carta ou não. O caso da Eliza é algo que a gente pode, de momento, dizer: “isso é autêntico ou não é?” Como o corpo nunca foi encontrado, é interessante procurar. Não tem como dizer de fato se ela mentiu ou falou a verdade, a não ser mandando mergulhar lá no rio pra saber se o corpo, ou os ossos, ainda estão por lá.
Geralmente, os espíritos sérios, quando estão bem, não procuram esse tipo de publicidade. Quando há um caso dessa natureza, a gente já fica com preocupação porque, na psicografia, existem médiuns que trabalham na malandragem, eles adulteram as coisas. Mas existem muitos médiuns sérios no Brasil. Tem muita gente boa recebendo, continuando o serviço do Chico Xavier.
Na psicografia, o quanto da mensagem final é do espírito e o quanto é do médium? Há uma interferência?
Carlos explica que há três tipos de interação.
- Mecânica: o comunicante assume o braço do médium e escreve com a sua própria caligrafia. “É a mais rara e mais autêntica”, explica, porque você pode inclusive fazer um levantamento grafotécnico com um perito. Era o caso do médium mineiro Chico Xavier.
- Semi-mecânica: há uma interferência do médium na escrita. É ele quem vai decidindo o que vai ser descrito, por vezes com a sua própria caligrafia, e pode adequar a comunicação à sua linguagem. “Não é adulteração, é o seu toque pessoal”, difere Carlos.
- Inspirada: é o tipo mais usado, segundo ele. Durante a comunicação “telepática”, o médium entra numa conexão direta, recebendo as ideias, e vai contando a história.
Pode-se receber dinheiro ou projeção por esse trabalho?
Todo trabalho mediúnico sério é gratuito. Todo, sem exceção. Os bons espíritos, que são aqueles que estão do outro lado assessorando aquela comunicação, os tutores e guardiões daquele médium, não permitem de forma alguma que ele receba dinheiro. Eles reclamam mesmo, dão bronca, e se o médium insiste, eles se afastam.
Outras crenças alegam que o trabalho mediúnico é charlatanismo e mexe diretamente com a memória dos que partiram. Como é conviver com essas críticas?
Hoje, a gente ignora porque não deixa de ser, de certa forma, uma questão de ignorância pessoal. A gente lamenta. Nós temos já a certeza de que essa vida continua. Não nos deixamos levar porque não nos importamos com vaidade. Procuramos fazer o nosso trabalho junto àqueles que acreditam.
Tem algum caso que o marcou?
Na nossa Casa, temos um trabalho de magnetismo humano, onde tratamos o corpo espiritual de pessoas que estão com doenças emocionais, com um sucesso muito bom.
Houve uma situação onde um trabalhador nosso, do Conjunto Ceará, falou de uma amiga da filha dele que perdeu um filho de dois anos. Foi uma criança com muitos problemas de saúde, e como foi o primeiro filho dela, ela se dedicou integralmente a ele.
Só que após dois anos, a criança faleceu. Essa mulher mergulhou numa depressão profunda, chegou a pensar até em suicídio. Ela foi levada para a nossa Casa.
Apesar de a gente não trabalhar com a evocação, eu levei o nome do filho dela e o dela para a médium e pedi, se houvesse a condição, de um consolo para aquela mãe. Podia não vir a criança, mas um parente que tivesse uma mensagem que ajudasse.
A criança veio e escreveu uma carta lindíssima pra ela. Os médiuns não sabiam dos detalhes. Nessa carta, ele agradecia tudo que ela tinha feito e pediu que ela não chorasse mais, porque ela ainda tinha um coração muito cheio de amor e existiam muitas crianças sem mãe.
O fato é que a vida dessa mulher mudou completamente porque ela aceitou a partida do filho. As cartas têm uma força muito grande.