Novas epidemias no Ceará podem ser causadas por caça e desmatamentos, diz pesquisa

Degradação ambiental e falta de infraestrutura básica em grandes cidades abrem possibilidade de epidemias de doenças

Nos animais silvestres do Ceará, existem microorganismos com potencial de causar epidemias ou pandemias caso saltem, principalmente, por duas janelas: caça e desmatamento. A análise faz parte de uma pesquisa nacional, com participação de cientista cearense, que também aponta a necessidade de monitoramento das zoonoses.

O estudo faz parte do Projeto Redes DTN do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNPq), da Fiocruz do Rio de Janeiro. A Universidade Estadual do Ceará (Uece), ao lado de outras instituições de ensino, integrou o grupo.

A prática de caça de animais silvestres, que acontece de forma generalizada no Ceará, torna o contato mais próximo do ser humano com vírus, bactérias e outros patógenos perigosos à saúde. Em relação aos demais estados, o risco é baixo, mas exige cuidado.

Os pesquisadores avaliaram os estados brasileiros e verificaram que 7 locais possuem alto risco de surtos de doenças infecciosas: Maranhão, Amapá, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia e Mato Grosso. No Ceará, o risco é considerado baixo.

"O risco é baixo, porque o fator de comparação é o resto do País que inclui, por exemplo, a Amazônia. Não quer dizer que o risco não existe, então as políticas públicas precisam ser no sentido de controle do desmatamento", contextualiza o integrante da pesquisa e professor na Uece, Hugo Fernandes.

"A caça é a principal via, porque no momento do abate, do preparo, do armazenamento, da comercialização e, a depender do caso, no consumo, há várias vias de contágio", explica Hugo Fernandes.

Além disso, o desmatamento de áreas com maior biodiversidade, por exemplo, também abre margem para isso acontecer. "Se aumenta o contato, uma hora vai acontecer uma mutação para infectar seres humanos, aumentando a possibilidade disso acontecer".

Um exemplo prático disso são os casos de hanseníase associados à caça do tatu no Ceará e outras doenças que ainda carecem de mais estudos. "Precisamos de pesquisas que, de fato, consigam monitorar os patógenos de vida silvestre", completa.

Essa investigação aconteceu a partir de um banco de dados, com informações de 2001 a 2019, sobre 8 zoonoses que afetam os estados brasileiros.

Zoonoses avaliadas:

  • Doença de chagas
  • Febre amarela
  • Leishmaniose cutânea e visceral
  • Leptospirose
  • Malária
  • Raiva
  • Esquistossomose

Foram considerados fatores como a perda da cobertura de vegetação natural e diversidade de mamíferos e indicadores sociais.

Os cientistas também avaliaram a vegetação dentro dos municípios e o grau de isolamento das cidades, que reflete o acesso a outras cidades para cuidados especializados de saúde.

“Em conjunto, eles são responsáveis por 80% do padrão que a gente vê de casos de zoonoses no País inteiro considerando 8 doenças que nós incluímos neste estudo”, explica Gisele Winck, pesquisadora da Fiocruz.

Caça no Ceará

A vigilância sanitária pode ser um caminho para evitar o consumo de animais silvestres, como propõe o professor Hugo Fernandes. Barrar esse tipo de alimentação desordenada evita o contágio por patógenos.

"Garantindo segurança alimentar às populações tradicionais, porque o problema é quando isso chega nos centros urbanos grandes quantidades de carne de caça com várias vias de contágio", pondera.

A gente precisa falar em desmatamento zero no Ceará e controle do desmatamento legal. Precisamos de vigilância sanitária mais ampla e levar à sério o consumo de animais silvestres dentro do Estado
Hugo Fernandes
Pesquisador

A Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema) informou que ações de combate à caça ilegal acontecem por meio do Batalhão de Polícia do Meio Ambiente (BPMA). Além disso, a Sema exerce atividades de reflorestamento e criação de unidades de conservação.

“A Sema executa programas e projetos que articulam ações para elevar a quantidade e a qualidade das áreas protegidas no Estado. Uma das principais estratégias é expandir as áreas protegidas ampliando e qualificando espaços naturais dos municípios e de particulares”, completou por nota.

Vulnerabilidade nos centros urbanos

Os pesquisadores também avaliaram a estrutura das cidades, como fatores socioeconômicos, exposição à esgoto e lixo doméstico, vegetação e até a disponibilidade da população ao serviço de saúde.

Essas vulnerabilidades, associadas à caça e ao desmatamento, abrem brechas perigosas para o surto de doenças. “Dependendo de como a gente responde isso, há esse potencial de criar pandemia também, como a gente está vendo hoje”, frisa Gisele.

O cenário envolve diversos aspectos e a pesquisadora contextualiza as crises simultâneas que vivemos, da saúde e economia até aos cortes na educação.

Essas crises tendem a amplificar ainda mais esse problema. Quando você tem uma crise econômica, as pessoas não conseguem mais comprar proteína no mercado, vão buscar no ambiente natural
Gisele Winck
Pesquisadora

Gisele destaca a relevância da troca de informações entre saúde, educação e meio ambiente, por exemplo, além da disponibilização mais precisa de dados para que os cientistas possam realizar análises mais aprofundadas.

“Não é possível desassociar a saúde humana da saúde ambiental. Então, a gente precisa integrar nossas políticas públicas”, conclui.