'Não posso me acovardar, tenho que me manter forte', diz policial agredida em curso tático

Pelo menos 10 mulheres teriam sido agredidas durante o curso no Ceará. Secretaria da Segurança Pública afirma que as denúncias passam por investigação preliminar

A policial civil maranhense que denunciou agressão e humilhações sofridas durante curso de formação tática da Polícia Militar oferecido pela Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará afirmou que não pode "se acovardar" e precisa manter-se "forte". A declaração foi veiculada pelo Fantástico neste domingo (25). 

"Eu participo de grupos de empoderamento da mulher, então para mim seria até vergonhoso se eu deixasse passar isso", disse a vítima, que abandonou o curso de um mês de duração no 8º dia. Ela registrou boletim de ocorrência e fez exame de corpo de delito.

O curso é promovido pela Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS) para treinamento de mulheres militares de Pernambuco, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Norte e Piauí. Com aulas ministradas por PMs do Tocantins, a proposta do curso inclui provas de resistência e controle emocional.

Humilhações e agressões

O policial Rafael Ferreira Martins foi o instrutor que agrediu a aluna e pelo menos outras 9 mulheres, segundo a denúncia. De acordo com a vítima, o motivo da agressão foi o suposto sumiço de um pedaço de pizza.

"Os instrutores foram comer a pizza e eles dividiram algumas alunas para fazer a limpeza e, de repente eu ouço aquele barulho, ele falando: 'roubaram minha pizza, roubaram minha pizza, cadê minha pizza?'. Foi tudo muito rápido, ele começou a atingir as meninas com paulada. Umas 10 mulheres foram agredidas", lembra.

Alan Fernandes, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, afirmou ao Fantástico que existem limites para "esse tipo de pressão psicológica e física". "Tomar algum tipo de punição nas nádegas de forma alguma faz parte do protocolo policial, do treinamento policial. Reforça uma ideia de exercício de poder desse homem em relação a essas mulheres", avaliou. 

A aluna que denunciou as agressões é investigadora da polícia civil do Maranhão e tem 53 anos. Segundo a policial, a idade dela foi utilizada pelo instrutor para humilhá-la. "Ele falava: 'essa velha que vem do Maranhão, essa velha', e ainda queria que eu dissesse 'sim, senhor'", conta.

Advogado de defesa alega queda

Sargento da Polícia Militar do Ceará e casada com o instrutor Martins, Laurice Maia foi monitora do curso. De acordo com a policial, ela teria presenciado as agressões. "Eu sempre olhava para ela, como se tivesse pedindo explicação. Quando eu fui falar com ela, vi que ela estava de acordo com aquilo tudo", disse.

O instrutor foi afastado após a denúncia. Daniel Maia, advogado do cabo Martins e da sargento Maia, afirmou que o caso é "fruto de uma mentira deslavada". De acordo com ele, a vítima caiu em cima de cocos. "Portanto os hematomas foram causados por esse instrumento que, na verdade, era um coco, nada mais do que isso", afirmou. 

A policial maranhense reafirmou que foi agredida com madeira, e o exame de corpo de delito não menciona nenhuma queda. O documento afirma que os hematomas foram causados por um instrumento de ação contundente.

Outra aluna do curso que deu entrevista ao Fantástico prestou apoio à policial que denunciou agressão e disse que algumas mulheres eram perseguidas pelos instrutores.

A SSPDS afirmou, em nota, que as denúncias apresentadas passam por investigação preliminar para adoção de medidas na esfera criminal e que os detalhes da investigação não podem ser revelados.