Considerado um patrimônio histórico e cultural de Fortaleza, o Farol do Mucuripe atualmente é palco de discussões entre o poder público e moradores da região porque o Governo do Estado planeja uma série de desapropriações no entorno do equipamento para modernizá-lo com finalidade turística.
O plano foi publicado em dezembro de 2021, quando o decreto nº 34.451 declarou “de utilidade pública” uma área de quase 14 mil metros quadrados ao redor do Farol. Uma das justificativas aponta a necessidade de “preservar o seu acesso e a sua visibilidade mediante a urbanização de seu entorno”.
Pedro Fernandes, membro do grupo Comissão Titan, explica que as famílias foram surpreendidas na segunda quinzena de janeiro com a visita de engenheiros para realizar medições e laudos dos imóveis, sem, no entanto, receberem explicações sobre a obra e as consequências para os habitantes.
Um morador do bairro (identidade preservada) explica que está há mais de 30 anos numa das residências que pode ser atingida pelas desapropriações. No entanto, confirma que nenhum representante oficial percorreu a área para detalhar como se dará o processo. O homem também alega que a comunidade não concorda com a remoção.
De acordo com o plano de restauro para a área, obtido pelo Diário do Nordeste, há previsão de instalação de calçadões, estacionamentos e pequenas áreas verdes no entorno do Farol.
O decreto estabelece que o processo cabe à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), por meio da Comissão Central de Desapropriações e Perícias da Procuradoria do Patrimônio e do Meio Ambiente (Propama).
Questionado pela reportagem, o órgão informou que está fazendo metragens no terreno e que ainda não há um número de imóveis impactados. Também não há data para início das desapropriações, "visto que estamos ainda analisando as soluções para conversar com a população".
Impasses no projeto
O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), órgão da Assembleia Legislativa do Ceará, acompanha situações de remoções no Serviluz desde 2018, e mais uma vez participa do debate sobre a situação.
Segundo a advogada Cecília Paiva, o novo projeto vai contra o Plano Diretor de Fortaleza (Lei Complementar nº 062, de 2009), que definiu a área dentro da Zona Especial de Interesse Social (Zeis) do Cais do Porto, cujo principal fim seria abrigar moradias populares.
Contudo, ela explica que a falta de implementação prática da Zeis, ainda sem conselho gestor e sem plano de regularização fundiária, pode prejudicar o andamento das negociações.
“A Prefeitura, em determinado momento, quis dizer que o Titanzinho era área de risco e que as pessoas deveriam sair de lá, apesar de morarem há muitas décadas e terem até alguma tradicionalidade. Agora, é um contrassenso o Estado querer implantar um projeto turístico em área de risco”, percebe.
Ou seja, são intervenções visando ao público externo, não à comunidade, como analisa a advogada. Pedro Fernandes, da comissão Titan, complementa que não houve consulta a nenhuma entidade do local para a elaboração da proposta.
“Já ocupamos o Farol e seu entorno com várias atividades, só que depois da pandemia precisamos parar. A comunidade tem uma proposta para o local e quer apresentar para o Governo. Não aceitamos projetos de gabinetes”, ressalta.
Negociações em curso
Enquanto aguarda mais informações, a comunidade do Titanzinho tem promovido conversas entre moradores e parceiros na causa. Conforme Cecília Paiva, o momento atual é de ouvir as demandas dos habitantes e entender quem quer permanecer e quem prefere ser indenizado.
O Titanzinho é uma comunidade histórica, e a atividade de renda de muitas famílias está bem atrelada ao local: são pescadores, pequenos comerciantes. Já houve diversas tentativas de remoção porque, na nossa análise, a praia é um local para onde o olho do mercado está muito direcionado. Se pessoas pobres estão morando nela, é um subaproveitamento”
Essa também é a leitura de Pedro Fernandes, que vive no bairro desde criança e conhece outros habitantes vivendo há mais de 50 anos na área. Para ele, morar perto do mar traz felicidade, mas “algumas pessoas querem transformar o local para poucos privilegiados que possuem capital aproveitarem”.
“Pedimos respeito pela nossa alegria”, arremata.
A PGE-CE declarou, por meio de nota, que a negociação será iniciada após a avaliação da área, "para que possa ser montada a melhor estratégia, de forma a beneficiar a todos". Além disso, garantiu que a revitalização do Farol deve criar "um espaço para usufruto da população, gerar possibilidade de novos empregos e renda aos moradores da área".
O que é e para que serve uma Zeis?
A área afetada pelo projeto faz parte da Zeis Cais do Porto, classificada no tipo 1 (Zeis de Ocupação) de acordo com o Plano Diretor Participativo de 2009.
Conforme a legislação municipal, tais regiões são compostas por “assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental”.
Em Fortaleza, a regulamentação das Zeis é uma pauta histórica de movimentos sociais ligados à moradia. No ano passado, 56 entidades e organizações assinaram carta à Prefeitura de Fortaleza cobrando a regularização das zonas e a criação de seus planos de regularização fundiária.
O documento também cobra a inserção da Zeis Cais do Porto no grupo das áreas prioritárias, ou seja, para receber maior atenção e ter sua implementação total adiantada.
Atualmente, fazem parte da lista: Bom Jardim, Mucuripe, Lagamar, Moura Brasil, Pici, Pirambu, Poço da Draga, Praia do Futuro, Serviluz e Dionísio Torres (Vila Vicentina).
Em dezembro de 2021, o Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor) iniciou tratativas com os novos membros do Fórum Permanente das Zeis Fortaleza para articular, discutir e viabilizar ações que priorizem as demandas dessas regiões.