“Um terço da sua vida você passa dormindo.” De slogan de colchões a textos motivacionais, a frase se tornou comum – mas está, dia a dia, mais ultrapassada. Médicos e pesquisadores já concluem: estamos dormindo cada vez menos.
Neste Dia Mundial do Sono, 17 de março, o Diário do Nordeste conversa com um médico especialista em Medicina do Sono para entender: o que tem tirado o nosso sono, quais os prejuízos de dormir mal e o que fazer para descansar de forma adequada?
Confira a entrevista completa com Manoel Alves Sobreira Neto, professor de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do serviço de Medicina do Sono do Complexo Hospitalar da UFC.
DN - Como o sono, insuficiente ou em excesso, afeta a saúde física? Existem doenças causadas pelo “mau sono” frequente?
Dr. Manoel - Sono é uma função biológica essencial e necessária ao organismo. Todo ser humano precisa dormir para ter saúde de qualidade.Infelizmente, estamos vivendo uma era em que as pessoas dormem cada vez menos, por vários motivos.
A ausência de sono ou quantidade de sono reduzida, insuficiente, acarreta uma série de problemas no dia seguinte.
O indivíduo fica sonolento, irritado, desatento, com alterações cognitivas, dificuldade de memória. Eventualmente, pode haver alterações a longo prazo, como aumento da incidência de doenças cardiovasculares.
Estudos já mostram que indivíduos que dormem menos vivem menos.
DN - E quais os efeitos do sono à saúde mental?
Dr. Manoel - A relação entre sono e saúde mental é bidirecional: um influencia o outro de maneira negativa ou positiva. Indivíduos que dormem mal acabam tendo mais irritabilidade, piora de sintomas de ansiedade, dificuldade de manutenção da atenção.
Da mesma forma que quem tem problemas psiquiátricos não adequadamente tratados acaba tendo queixas de insônia – às vezes, o indivíduo não dorme porque está ansioso com várias questões da vida, isso leva à dificuldade para dormir.
DN - O que mais tem afetado e prejudicado o sono das pessoas?
Dr. Manoel - Para ter um sono de qualidade, precisamos de duas questões: quantidade suficiente e qualidade adequada. Temos os dois problemas acontecendo.
As pessoas estão dormindo menos do que deveriam dormir, por questões sociais. Com o uso dos smartphones, redes sociais e streamings, a pessoa se ocupa muito no período noturno, utiliza inadequadamente a tela até muito tarde da noite.
No dia seguinte, tem que levantar para trabalhar, estudar, e isso leva a uma privação do sono. É um problema mundial.
Outra questão é que as pessoas, além de dormirem pouco, dormem mal. As doenças que provocam alteração na qualidade do sono são muito comuns, e às vezes não são adequadamente identificadas e tratadas.
Uma doença frequente é a apneia obstrutiva do sono, que leva a uma fragmentação do sono noturno, fazendo com que o indivíduo, mesmo dormindo tempo suficiente, se sinta cansado, fadigado, porque não conseguiu aprofundar o sono.
doenças, em média, são classificadas como “doenças do sono”.
DN - Relatos de cansaço persistente, mesmo após dormir, são comuns. A que isso pode estar relacionado?
Dr. Manoel - Às vezes o indivíduo dorme em tempo suficiente, mas mesmo assim acorda cansado. E isso é um sinal de que possivelmente a qualidade do sono não está adequada. É fundamental que procurem ajuda médica para que seja identificada a causa.
Na apneia obstrutiva, por exemplo, o sono é fragmentado por episódios de parada da respiração. A pessoa está começando a dormir, para de respirar, precisa rapidamente acordar para retomar o fôlego, e volta a dormir.
Isso acontece inúmeras vezes durante a noite, e às vezes nem se percebe.
Em outros casos, não necessariamente são fatores relacionados a doenças, mas externos: às vezes a pessoa dorme com o cachorro, e o animal fragmenta o sono; a mãe que dorme com a criança, que se movimenta mais, pode ter o sono fragmentado.
DN - Quais as principais causas de insônia? Como a questão emocional afeta isso?
Dr. Manoel - A insônia se caracteriza pela dificuldade de iniciar o sono, quando o indivíduo demora mais de 30 minutos para isso. Há a insônia de manutenção, quando a pessoa dorme, acorda e tem dificuldade para retornar dormir; e a terminal, quando se acorda antes do horário habitual e não consegue mais dormir.
Existem inúmeras causas, porque a insônia é um sintoma:
- Transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade;
- Causas ambientais, relacionadas à temperatura, luminosidade e barulho;
- Hábitos inadequados, como ingestão de bebidas cafeinadas à noite;
- Condições médicas, como dores intensas;
- Quadro de refluxo, que causa tosses constantes;
- E a própria ansiedade pelo fato de não dormir, que passa a ser a própria doença, a insônia crônica.
DN - O uso de medicamentos para dormir se popularizou a ponto de ser tratado como algo “engraçado” (há memes sobre os efeitos do zolpidem, por exemplo). Quais as possíveis consequências disso?
Dr. Manoel - O uso de medicações nunca deve ser feito por conta própria. As hipnóticas, como o zolpidem, têm potenciais efeitos adversos significativos. Mas o uso tem crescido assustadoramente.
As pessoas estão tratando a insônia como quem trata uma febre, sem buscar a causa. Aí é onde está o problema.
Em algumas situações, a melhor alternativa nem é a medicamentosa, mas pode ser, por exemplo, a terapia cognitivo-comportamental para insônia.
O uso indiscriminado de medicações hipnóticas é preocupante, porque pode não só não resolver o quadro como criar um segundo problema, que é a dependência das drogas “z”.
DN - Com rotinas cada vez mais estressantes e apressadas como cuidar do sono? Quais as estratégias para ter um sono de qualidade?
Dr. Manoel - Isso é um problema da sociedade atual: as pessoas muito comprometidas com questões sociais, de trabalho e família acabam retirando o tempo de sono para realização de atividades sociais. Mas é importante que tenham como prioridade e valorizem o tempo de sono.
Sempre recomendamos algumas dicas de higiene do sono:
- Manter uma rotina regular de horários para deitar e levantar;
- Manter um ambiente adequado, quarto escuro, silencioso e com temperatura agradável;
- Evitar uso de medicações para dormir sem orientação médica nem avaliação adequada;
- Evitar alimentos mais pesados próximo ao horário de dormir;
- Fazer atividade física, preferencialmente no período diurno ou final de tarde;
- Evitar bebidas com cafeína pelo menos 6 horas antes do sono;
- Evitar tabagismo e bebida alcoólica próximo ao horário de dormir.
Pouco se falou, ao longo dos anos, sobre medidas de saúde do sono. Passamos em média um terço da nossa vida dormindo, é fundamental que a gente cuide desse bom pedaço da nossa vida dando importância e valorizando um sono de quantidade e qualidade suficientes.
DN - Onde buscar ajuda em caso de problemas no sono?
Dr. Manoel - As pessoas que têm problemas de sono devem procurar médicos especialistas em Medicina do Sono. Para saberem se ele tem a certificação adequada, podem entrar no site do Conselho Federal de Medicina, colocar o CRM ou nome do médico e verificar as especializações que ele tem.
No site da Associação Brasileira de Sono também há a lista de médicos que têm certificação em Medicina do Sono.
Na rede pública, existem hospitais com ambulatórios. O Hospital Universitário Walter Cantídio, em Fortaleza, tem um ambulatório que atende uma média de 20 a 30 pessoas às quartas-feiras pela manhã.
A porta de entrada é o posto de saúde. Obviamente, sabemos que a demanda é muito superior à oferta, e isso gera uma dificuldade enorme.