“Monitorar” e “tema transversal” são palavras que norteiam o trabalho de Zelma Madeira à frente da Secretaria da Igualdade Racial (Seir) do Ceará. Repetidos com ênfase pela gestora durante entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, os termos apresentam as credenciais da atuação da Pasta, em meio ao crescimento dos casos de racismo no estado, conforme dados do Anuário da Segurança Pública.
Desde fevereiro de 2023, a Seir deixou de ser uma Secretaria Executiva e passou a ter estrutura burocrática e recursos próprios. Assim, Zelma se tornou a primeira a comandar a Pasta, que tem a missão de promover ações afirmativas e combater as desigualdades sociais e raciais no Ceará.
Embora celebre os avanços, exemplificados pela criação da Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrim) em 2023, o compromisso estadual com um orçamento sensível a gênero e raça e uma agenda que perpassa todas as áreas do Executivo, a secretária está ciente do longo caminho que tem pela frente.
Entre as áreas sensíveis, a Segurança Pública está no radar da Pasta. Os projetos incluem a formação antirracista para agentes e a futura implementação do Projeto Nacional de Câmeras Corporais por meio do ‘Plano Juventude Negra Viva’, iniciativa federal a qual o Ceará foi o primeiro estado do Brasil a aderir formalmente.
Nesse âmbito, a ideia é implantar também um painel de dados em parceria com a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), ainda no segundo semestre de 2024. Os dois órgãos devem monitorar as informações e, a partir disso, traçar estratégias na promoção do combate ao racismo.
Ao longo da conversa, a secretária também falou sobre o legado que pretende deixar na Seir, manifestando a preocupação em torno da consolidação de políticas públicas que ultrapassem as barreiras da sua gestão. Isso envolve a estruturação de projetos que sejam de Estado, não apenas de um governo.
Confira a entrevista completa:
MARCOS MOREIRA: Conforme dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2024, os casos de racismo mais que dobraram em 2023, enquanto os registros de injúria racial caíram pela metade. Como a Seir avalia esse cenário?
Zelma Madeira - Acredito que tem alguns elementos que motivam esse aumento. A gente poderia começar primeiro com a legislação, que acontece no início do ano de 23, e que o crime de injúria vai se equiparar ao racismo. Então, penso que isso numa sociedade como a nossa, que não guarda ainda unanimidade que é racista e as pessoas ficam assim: 'Ah, mas isso aí não vai dar em nada. Ah, mas eu não vou não". Não está motivada a fazer uma denúncia, porque acha que é coisa menor. Quando temos injúria racial: 'Ah, isso aí não é crime não'. Então, a mudança na legislação para fazer equiparar, trouxe um pouco para a consciência das pessoas, que agora poderia até valer a pena fazer as denúncias, haja vista que é racismo como crime.
Então, penso que é que na sociedade se naturalize é muito ruim de que racismo é algo que não vai dar em nada, que a denúncia não faz sentido, porque é mais "mimimi", retira o componente de crime mesmo, de uma questão grande a ser tratada. Acho que esse é um dos motivos ou fatores que nós precisamos considerar.
Segundo, que na realidade cearense, nós também vamos ganhar em 2023 a Delegacia Especializada, a Decrim. Então, de uma forma ou de outra, nós agora vamos ter um equipamento em que ele tem uma característica comum de receber os crimes de intolerância religiosa, da prática do racismo, LGBTfobia. Então, eu vou ter um lugar mais certo para bater à porta. Então, não vai mais estar em qualquer delegacia, eu vou ter uma delegacia especializada. Então eu acho que isso é um segundo fator que a gente pode apontar.
Nenhum fato ele ocorre sem múltiplas dimensões, são vários fatores que usam somando com outro vai dar. Eu aposto que em primeiro foi a alteração da legislação, segundo foi a criação de um equipamento, de uma delegacia especializada onde nós vamos poder recorrer de uma forma direta, a gente sabe onde bater a porta, e o terceiro foi a criação da nossa Secretaria em uma realidade cearense. Infelizmente ainda muito centrada na capital, porque a gente não tem Decrim no Interior, mas nós temos o braço da Secretaria, de que é nosso interesse fazer interiorização da política. Então, todas as nossas ações têm um caráter educativo. E nesse educativo, que é andando pelos interiores, dizendo nós precisamos interiorizar a política de equidade racial aí vem sempre os casos de denúncia.
Então, o estímulo que a gente faz, quer pelo material que a gente publica, o material da gente de divulgar, como também algumas pessoas elas nos ligam, porque diz assim: 'Secretária aconteceu isso comigo, como é que eu procedo?'. Aí a gente orienta, orienta para Decrim ou orienta para o Centro de Referência [de Direitos Humanos], porque o racismo é algo tão profundo, que impacta tantas pessoas, que as pessoas ficam mesmo quebradas, as pessoas ficam muito impactadas com o crime do racismo e às vezes elas acham até distante fazer a denúncia. Elas estão tão vulneráveis, que aí precisa de um apoio que é jurídico ou social, psíquico e aí a gente faz uma parceria também com o Centro de Referência de Direitos Humanos, porque nós não temos uma diretamente de igualdade racial, mas lá aparece como uma das áreas a ser tratada.
Então eu penso que é o conjunto de tudo isso. Isso eu estou trazendo mais para um caráter mais bairrista ou local, mas a gente sabe que há um aumento da presença de uma maior conscientização negra, seja pelos movimentos sociais negros ou pela mídia, a mídia alternativa negra. Então, veja que a gente tem mais como falar do que é o racismo, de desnaturalizar o racismo. Você vê uma prática de uma mulher num evento de samba imitando macaco, mas lá tinha pessoas de uma mídia preocupada com as questões da discriminação, de um preconceito que se opera em forma de discriminação e o racismo é uma delas.
Então, não dá mais para passar e aí a coisa não vem só de falar: 'isso é racismo', mas acompanhado de um 'Onde é que você vai denunciar?'. E aí eu penso que é um conjunto de tudo isso que fez com que esses índices crescessem.
MARCOS MOREIRA: Secretária, além dessa discussão maior, o que Seir identifica como maiores obstáculos para enfrentar esse cenário?
Zelma - Na sociedade brasileira, de uma forma maior, nós temos um grande racismo, um racismo como um elemento que vem estruturando as relações sociais, políticas, econômicas e culturais muito grande. Só que o racismo vai ganhando contornos específicos em cada realidade. No Ceará, ele vai se deparar com a realidade de que no Ceará não tem negro e nem tem negra, que é um discurso ideológico porque esconde relações de poder. Então, é dizer deste lugar que não tem negros e não tem negras, então é por isso que lá atrás, ainda como coordenadoria, nós fizemos em 2020, a campanha 'Ceará sem racismo: respeite minha história, respeite minha diversidade', porque a gente precisa desconstruir.
Olha só o trabalho que a gente tem. E eu não estou dizendo que é só o Ceará, estou dizendo que na característica específica do Ceará é se deparar com discurso de que aqui não tem disso, que aqui não tem negra, porque quando a gente fala de racismo é racismo contra os povos originários, que são os indígenas, e contra a população negra, que é a maioria desse estado, mas aqui nós temos uma forma de não nos deparar diretamente com essa dimensão pluriétnica desse maioria negra, que é quando eu junto pretos e pardos.
Com certeza, nós temos uma mestiçagem muito grande no Ceará, porque mais de 66% da população é parda, e o que é o pardo senão a mistura dessa mestiçagem representada. Então, um dos grandes obstáculos que dificulta o enfrentamento ao racismo na realidade cearense, é mesmo desse racismo e da característica que ganha esse racismo que aparece um pouco como velado, um racismo que não é para ser falado.
Então, quando eu não falo sobre determinada questão, ele não vira problema, se ele não vira problema não tem porque pensar política de igualdade racial. Então, penso que essa é uma das dificuldades e é por isso que a gente aposta muito em ações educativas, valorativas, de ter material, da Seir andar não ter a preocupação só com a capital. Mas tem uma preocupação com os 184 municípios, fazendo com que eles tenham e consigam implementar uma política, porque também é uma característica, por ser muito nova, se você for ver uma das políticas mais novas é a política de igualdade racial.
Então, quando a gente fala de combate ao racismo as pessoas ainda pensam que se refere só ao campo subjetivo, não estou dizendo que não é. Mas acontece que quando eu falo de desigualdades raciais, eu falo de riqueza, de distribuição de riqueza, de pagamento de impostos, de questão econômica. Então é isso que a gente precisa, mudar a mentalidade para se conceber a igualdade racial como um tema transversal para pensar modelo de desenvolvimento, não é só a questão da subjetividade, que é importante, a subjetividade, a identidade reconhecimento étnico é importante, mas a só é importante se estiver linkado a forma como nós estamos organizados para trabalhar, para ganhar dinheiro, para ter salário, para sobreviver. Então, é essa importância que a igualdade racial precisa ter.
É nesse sentido que até o governo federal, aí eu digo MIR, ele apresenta como o 18º ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU] a promoção da igualdade racial. Para dizer: 'Olha, isso é sério'. Quando a gente fala de igualdade racial não é só para o campo das relações interpessoais, é também para o campo coletivo, é para o campo das relações sociais, é para pensar o modelo de como nós estamos organizados a produção, como é que nós vamos também partilhar, compartilhar dividir, coletivizar as riquezas.
Então, a gente precisa trabalhar tanto os grupos que estão vulnerabilizados, mas saber: 'Tá, eu tenho grupos vulnerabilizados e eu tenho um grupo que não acessa o direito, eu tenho um grupo que eles são penalizados numa dimensão da pobreza. E quem é que não é? É quem tá ficando com a riqueza. Então a gente tem que mexer para o lado de lá. Para alguns só quem vai trabalhar a igualdade racial são os próprios negros, são os indígenas, são os que estão sentindo a dor. Então, é só para eles é uma questão mais particularista.
"Mas a professora é uma mulher negra, que tá preocupada com os negros". Não, nós precisamos chamar todo mundo para pensar saídas de promoção da igualdade racial. Afinal, nós estamos querendo o destino do país, de uma sociedade que seja democrática e enquanto eu não tiver o combate às desigualdades sociais e raciais, eu não vou ter modelo de desenvolvimento.
Então, é essa concepção que a gente quer dar na nossa secretaria, de que a gente vai trabalhar com as populações que têm vulnerabilidade e chamar para a responsabilidade os setores importantes na vida do Estado. A gente precisa de uma sociedade sem racismo, mas a gente precisa mais do que tudo numa sociedade antirracista, que aí eu não vou trabalhar só com a população negra, povos originários, povos de comunidades tradicionais.
Esses são os grupos que estão vulnerabilizados, mas nós temos grupos que têm instituições que têm aí a produção de riquezas, e aí a gente precisa mexer lá também. Alguns chamam 'mexer com a branquitude', a gente precisa trabalhar com todos os grupos étnicos que são vulnerabilizados, porque nós temos um entendimento de que a sociedade é racializada. Então, temos grupos que estão em desvantagens, mas eu tenho um grupo que tem vantagem. E esse de vantagem, como é que eu me comprometo? Eu acho que é também a mudança de perspectiva, de paradigma de fazer leitura de política de igualdade racial.
MARCOS MOREIRA: Com a Seir, o Ceará é um dos pioneiros em ter uma pasta como essa, criada em fevereiro de 2023, e a Pasta está completando um ano e meio de existência. Qual é o balanço do trabalho da Secretaria?
Zelma - Primeiro a gente entender quando é que as políticas os órgãos de igualdade racial eles começam a nascer no Brasil é lá no governo do Lula 1, em 2003, é que a gente vai ter a SEPPIR [Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial], ali teve uma influência danada e os municípios e os estados começaram a criar.
Trabalhando na realidade no Nordeste, nós temos uma secretaria que já tem 17 anos, que é a SEPROMI [Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos povos e comunidades tradicionais] da Bahia, que é a nossa grande referência. E aí nós temos no Maranhão uma executiva, e agora o Ceará.
Então, para nós que fazemos a Seir, isso nos particulariza e isso diz muito do compromisso do governador Elmano de Freitas, quando ele me chama e me diz: 'Zelma, eu vou criar uma Secretaria de Igualdade Racial, porque onde eu colocar o tema de combate ao racismo, às desigualdades e aposta nas resistências negras e dos povos que sofrem o racismo, vai ser diluído. O objetivo do governador é ter um órgão que se responsabilize pela igualdade racial, que se responsabilize de fazer a leitura e proponha como tema transversal.
Aqui a nossa experiência que vai se acumulando é tanto uma decisão política do gestor maior de criar a secretaria, uma outra decisão política que o governador faz é de assumir um orçamento sensível a gênero e raça. Então, nós vamos ter duas grandes diferenças nesse último PPA [Plano Plurianual]. Primeiro, é um PPA que tem que ser sensível à raça e gênero, então isso vai fazer com que haja um trabalho maior nosso de secretaria que tem para construir junto às secretarias setoriais e dizer: 'Tá Saúde, você vai fazer o quê? Vai fazer o quê no campo da igualdade racial, vai gastar quanto?' Então, a gente tem que ter a meta e o orçamento comprovados. Então, a secretaria de saúde, por exemplo, entra e diz assim: 'Nós vamos fazer a vacinação quilombola, nós vamos fazer campanha'. Então tá, então bora aqui, aí a gente bate e depois fica no monitoramento e avaliação.
A igualdade racial aparece nesse governo, isso é o que a gente já computa como algo diferenciado, como tema transversal, assim como também gênero, as mulheres, mas a igualdade racial é um tema transversal, então atravessa todas as pastas e mais o orçamento sensível. Eu que já venho daquela outra estrutura, que era de Coordenadoria que não era uma secretaria, que primeiro ficou ligada ao gabinete do governador e depois vinculada a uma secretaria, hoje o nosso status eles nos dá mais ativos, de como a gente dialogar com as demais secretarias, em pé de igualdade como secretaria, guardando todas as proporções de uma secretaria que nasce ainda pequena.
Mas de como é que a gente vai ser a aposta do governador e dizer: 'Olha, todos os secretários, vocês percebam que é igualdade racial aparece como tema transversal. Então, de trazer também pessoas que pertencem a esses grupos racializados para estar aqui como como colaborador. Então, aqui é o que é que nós temos, mulheres, mulheres negras, homens trans, negros, mas também brancos. Só que a prioridade aqui e a maioria são negros, mas também povos de terreiro, mas também quilombolas, estão todos aqui.
Então, é trazer essa experiência dessas pessoas, desses grupos para poder enxergar melhor a burocracia estatal, de como é que a gente vai fazer. Então, a gente fica muito contente que a gente tá começando o ano e aí o governador chama e vai sentar por exemplo com movimento quilombola.
Então, chega o quilombola e aquelas ações que ficavam em outras secretarias hoje vem para nós. Então, qual é a necessidade de vocês quilombolas? Claro que eles querem projetos produtivos, projeto produtivo é SDA [Secretaria do Desenvolvimento Agrário], aí tá lá na SDA no orçamento sensível, tem que abocanhar e chega um projeto, por exemplo, recurso do 'Sertão Vivo'. Então, quantos vão para para agricultores negros, quantos vão para quilombolas. Então, a gente está ali todo tempo acompanhando.
E aí dizer: 'Olha, mas essas outras pautas de formação, de encontros quilombolas, juventude quilombola, vai ficar todo o orçamento lá para a Zelma, a Zelma dialoga com os movimentos pela Seir. E aí ela dialoga com os movimentos, sabe como é que são os movimentos, a gente tem essa perspectiva também de dialogar com os nossos, com esse povo que sabe, toda a vida desde quando chegou aqui o navio negreiro que eles sabes o que querem, agora precisa de oportunidade de ser ouvido, ser escutado, e a gente poder fazer. Então, é essa a diferença que a gente já está notando nesse pequeno tempo.
MARCOS MOREIRA: Um dos projetos da Pasta é o selo 'Ceará Sem Racismo'. A senhora já manifestou esse desejo de que ele se espalhe nos 184 municípios. Qual é o atual panorama desse projeto e quais são os desafios de regionalizar isso em todas as cidades?
Zelma - Um dos projetos da pasta é o selo 'Ceará Sem Racismo', e a senhora já manifestou esse desejo de que ele se espalhe nos 184 municípios. Qual é o atual panorama desse projeto e quais são os desafios de regionalizar isso em todas as cidades? Na verdade, a gente conseguiu já dar assim na entrada desse quase um ano e meio, nós já conseguimos dar os cinco selos, porque já eram municípios em que a gente conseguiu preencher todos os critérios e agora a gente está numa relação de 10.
Mas a nossa meta é de que a gente saia, já que estamos chegando numa realidade que não tem nada, da gente conseguir fazer até 2025 uns 40 ou 45 municípios para a gente começar a rodar. Então, agora vai ter que dar uma parada por conta do 'defeso eleitoral', a gente não quer e nem os municípios querem receber, porque estão todos preocupados nos processos eleitorais, mas tem aí já em andamento uns 10 já sendo avaliados, porque você sabe que não é só isso.
A gente precisa que eles manifestem para nós o desejo de querer aderir, sai no diário oficial, aí nós vamos fazer visita institucional para saber o que que eles têm, em um caráter não punitivo e nem repressivo, mas num caráter educativo, você tem isso, se você não tiver a gente vai dar o tempo para você fazer, faça isso. O que é isso? É o famoso 'CPF da política': você tem conselho?, você tem órgão? E o órgão ele está oficialmente no Diário Oficial do Município? E o cargo passou pela Câmara dos Vereadores?
A gente quer que grude, ao sair daqui a gente quer deixar uma política de Estado. Então, precisa que esses municípios façam a adesão, eles consigam alimentar aquele selo, não só para receber, mas monitorar para ver como é que está a andança. Então, a gente tá fazendo tudo o que é para descer pros interiores, a gente articula com os selos, que são práticas antirracistas que a gente está atrás, gente quer saber de uma prática antirracista. Então, nós estamos animados, é uma coisa que tende a crescer e a gente divulgar. Só que agora eu acho que a gente está dando um momento e aí a gente reacende quando terminar as eleições e aí já tem município para receber o selo.
A gente tá caminhando muito junto com o governo federal, porque do jeito que nós temos selo de município sem racismo, o governo federal tem o SINAPIR, que é o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Então, lá eles têm estimulado e a gente faz sempre em coletivo. Por exemplo, vamos nos reunir com os municípios, aí vai o governo estadual e o governo federal para estimular, a gente estimula o selo, quando você consegue o selo, você consegue o SINAPIR. Então, aí teve uma política de edital agora e no dia 3 de Junho eles vieram entregar o edital, que eles chamam de edital de equipagem, ainda no governo anterior Federal. E aí eles não te entregam foram 14 veículos, então isso anima.
Porque o município ele pergunta: 'e o que é que eu vou ganhar? Eu vou ter um selo, mas eu vou ganhar o quê?' Então, a gente precisa também colocar no circuito as vantagens que o município vai ter ao consolidar uma política de igualdade racial. Então, a nossa vontade é que com os anos a gente consiga também fazer política de edital para o selo município sem racismo, mas assim, eles gostam muito porque a gente articula, a gente faz sempre buscando articular.
Por exemplo, nós temos o selo 'infância sem racismo' da Unicef. Então a gente casa muito, articula muito, vai com a Secreta de proteção social que está fazendo política de assistência social, aí a gente vai na assistência social com os povos comunidades tradicionais, um bora aqui trabalhar junto.
Então, a gente tenta fazer o máximo de articulação para dizer que o município não vai inventar a roda, mas que ele vai dar o caráter de tema transversal à saúde, à educação, à assistência social e a gente está lá para monitorar e acompanhar.
MARCOS MOREIRA: A criação da Seir quase coincide com a criação do Ministério da Igualdade Racial – instituído em janeiro de 2023. Como funciona esse diálogo com a Pasta Federal?
Zelma - Coincide tanto que toda a nossa parte de estruturação de secretaria como nova, eu fiquei muito de olho na estruturação, nas divisões que ia ter o ministério, que a gente já tinha uma vontade de ser. Então, é uma uma célula que cuida do combate ao racismo, uma célula que cuida das ações afirmativas, uma célula que cuida dos povos de comunidades tradicionais de uma maneira geral.
Então, a gente precisa combater o racismo, a gente precisa ter as ações afirmativas para acompanhar, embora seja pouco no Brasil, a gente só tem duas e o povo faz essa confusão toda de política de cotas, mas é muito mais para entrar na universidade e para entrar em concurso público.
Nós também no nível do Estado nós temos, então nós estamos para monitorar. E aí eu eu caminhei junto no organograma, por onde elas vão, que é para poder estabelecer o melhor diálogo. Elas não são novas, porque já tinham uma estrutura, mas elas passaram o ano passado se estruturando. Então, a gente está sempre junto e tudo mais, mas ainda precisa vir mais recursos também, ser descentralizado para os Estados, mas nós estamos na mira e a gente se comunica bem.
Por exemplo, nós ajudamos a construir no Estado do Ceará o 'Plano Juventude Negra Viva'. E aí o Ceará foi o primeiro Estado, então a gente chega lá, bora fazer oficina, bora! E aí a gente se articula pra poder fazer e sair. Então, a gente tanto construiu pela via da oficina, como a gente já assinou o Juventude Negra Viva.
E a gente também dialoga não só com o MIR, claro que o MIR é o mais direto, mas a gente dialoga também ali com o Ministério dos Direitos Humanos, com o Silvio Almeida. Então, lá a gente conseguiu um recurso federal para a gente fazer o SANKOFA, que é o letramento racial no socioeducativo, tanto para os meninos quanto para os agentes professores. Então, veja que a gente está correndo também atrás do Governo Federal para a gente se alinhar nas perspectivas de trabalho.
MARCOS MOREIRA: Entre as ações do plano Juventude Negra Viva é a instituição do Projeto Nacional de Câmeras Corporais no âmbito da segurança pública. Como é que funcionará essa iniciativa no estado? Já há algum planejamento nesse sentido?
Zelma - Para essa dimensão do Juventude Negra Viva, a gente já assinou e agora é o momento que é a Casa Civil que vai responder, mas nós estamos sentando com todas as secretarias e vendo dentro do plano o que tem de desafio ali de metas para cada secretaria e aí a gente tem essa preocupação com as câmeras corporais, porque já é uma demanda também do movimento negro. Desde o tempo de estruturação do plano de governo.
Então, vamos agora, internamente no governo estadual, a reunião com os secretários e aí a gente separou no plano: olha, as suas ações são essas, em que pé está? E aí a gente também dá prioridade a essa demanda que já vinha do movimento negro e como para nós também é importante.
E dentro da Secretaria da Segurança Pública, nós já firmamos um pacto de cooperação, um acordo de cooperação técnica, e tendo o acordo de cooperação técnica, nós também temos muita preocupação do combate ao racismo e de que a gente enfrente essas abordagens violentas, abordagens de cunho racista e de seletividade racial.
MARCOS MOREIRA: Dentro desse aspecto, a questão do racismo e da igualdade racial esbarra na Segurança Pública. Como é que vocês avaliam o diálogo com a SSPDS? Há uma abertura da pasta nesse sentido também de uma formação antirracista para policiais?
Zelma - As nossas frentes com a Segurança Pública é tanto na dimensão repressiva, entendendo que o racismo não é brincadeira pesada, mas é um crime e aí a gente dialoga com a Decrim. E aí a gente já tem agendada a nossa conversa para fazer a formação com a Decrim, que queria também com outras delegacias, porque tem pessoas que fazem o boletim de ocorrência, principalmente no interior de estado, que não tem Decrim, mas que a gente pudesse fazer uma formação também com delegados de outras que não são especializadas. Então, isso está no nosso pacto.
Outra coisa super interessante, é que agora a Aesp [Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará], que também é uma vinculada que a gente também está incluído dentro do nosso pacto, que é a academia. Na semana passada, teve um curso de de segurança pública e polícia antirracista. E aí a gente considerou muito importante a iniciativa, que é rara e que aí começa a despontar esse interesse da gente estar presente.
Embora a gente tenha o Copac [Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades], a gente participar ali com algumas formações, mas eu achei interessante foi essa curso direto, onde a gente encontrou delegados, encontrou pessoas brancas e negras, números menor de negros, mas muita gente branca que também é importante porque a gente vai bater na branquitude e no antirracismo. Então, a gente considera isso muito legal.
E aí estabelecer também o diálogo com a Supesp [Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública] e aí a gente vai estar na consolidação de um painel de dados, que é uma forma da gente interage muito a Seir e os dados também de desigualdade, de violência contra os grupos que a gente trabalha, e aí a gente também já vai instalar esse painel.
Outra coisa, a perícia forense teve um concurso público, eles entraram e aí a gente já vai também estar agendando uma formação com os peritos. Que aí é para ver tanta a dimensão lá no IML dos mortos quanto dos vivos, porque a gente sabe de uma sociedade racializada como a nossa que violência se concentra muito nessas pessoas.
A gente precisa atuar nos três campos, tanto a repressiva que racismo é crime, como valorativa de como educar, como ações afirmativas, então a gente tá sempre nesse diálogo, claro que a gente precisa de mais afinamento, a gente precisa de mais alinhamento. E aí é há uma preocupação grande do governo com a garantia da segurança. E aí a gente está dialogando também com o PReVio [Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência], que é um programa que tem ajudado a gente a pensar dados e construir observatórios.
MARCOS MOREIRA: Secretária, a senhora até já citou esse assunto, que é uma preocupação de que as ações e os projetos sejam de Estado, não de governo. Como é que a senhora trabalha também no sentido de que isso fique até mesmo quando não estiver à frente da Pasta?
Zelma - Penso nisso. É por isso que, por exemplo, tudo que eu vou fazer com as outras secretarias eu faço um acordo de cooperação e esse acordo de cooperação sai no Diário Oficial, ele vai ser atualizado. Então, nunca fazer de uma forma aleatória, sem estar grudado na estrutura. Então, a nossa preocupação é muito também de ter órgão de controle da política, que é nosso Conselho, que ele aconteça, a gente tá esperando só sair no Diário Oficial para dar posse ao Conselho, como um órgão porque é um dos elementos.
Uma outra forma de grudar na estrutura do Estado é que nós estamos agora, e queremos concluir em 2024, o primeiro Plano Estadual de Igualdade Racial, então nós estamos fazendo o término dele, ele vai para o governador, o governador vai enviar para a assembleia e ele vai virar lei. Então, a gente pensa esse ser um dos grandes instrumentos para grudar essa política, para pensar de uma forma responsável, tem diagnóstico. mas tem proposta. tem metas, os compromissos, quem é que vai executar. Então, eu penso que é uma forma muito interessante.
Primeiro elemento estrutural é a igualdade racial ser um tema transversal de toda a máquina. Segundo, orçamento sensível à gênero. Vamos, cada Pasta ver e bater qual é o compromisso que você tem e a gente vai fazer o monitoramento. O plano é o terceiro elemento. Então, tudo que a gente pensa em fazer, a gente pensa sempre em deixar a estrutura como legislação.
Por exemplo, se você ver o município sem racismo, ele tem uma lei. Então não é só na minha gestão, quando eu sair ela vai continuar e a gente estrutura bem direitinho, como é a lei e como é que faz toda a metodologia de acompanhamento, de como é que eu faço para validar. Então é criar como uma política.
Outra coisa, nós não tínhamos até então um programa específico nosso no PPA, a gente estava no dos outros. Mas agora, nós temos um programa específico, o 'Ceará pela Equidade Racial', então todo o aporte de recurso vai lá para o nosso para o nosso programa.
Outra coisa é a gente fazer propostas para atender o nosso público. Por exemplo, nós temos uma estratégia dentro desse programa do 'Ceará pela Equidade' que é o ‘Quilombo Vivo’, que é todo um apoio jurídico social para as comunidades quilombolas. Para isso, a gente vai acompanhar desde nossa vinculação também com o termo de cooperação técnica com o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. A gente sabe que para os quilombolas o que é fundamental é a regularização fundiária das terras. Então, nós estamos lá juntamente com o Idace [Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará].
Uma outra perspectiva deste governo que é diferencial foi a alteração pela via de um decreto da Lei Wilson Brandão, de que o estado pode fazer a aquisição de terras, porque só ficava a cargo do governo federal no Incra. Então, as terras quilombolas é um passo muito lento da titularização, hoje temos a alteração da lei. Então, nós fizemos uma parceria entre Seir, IDAS e Incra, nós estamos lá com GT [Grupo de Trabalho] funcionando, o grupo de trabalho participando da mesa, que a mesa estava há anos que não existia mais e voltou.
Então são coisas estruturais, que a gente vai vendo legislações e alterações. Principalmente, eu me preocupo muito de ter a legislação e de ter recurso. A política se faz pela via desses marcos legais, todos orientadores, e essa parte também de orçamento.
Então, a gente tem que ter condições políticas, que é do governador, com o governador eu acho muito bom, porque ele sabe, quando ele cria ele sabe o interesse. Então, a gente tem um diálogo muito bom no sentido de que ele entende o que é o racismo e o que impacta e um favorecimento que ele busca para garantir a titularização das terras quilombolas, principalmente. Então eu penso que isso também é um grande ativo que é essa condição política, mas também condição técnica, a gente precisa de pessoas que entendem.
Aqui tem muita gente, os que estão aqui, ou porque vem dos movimentos sociais, quilombolas ou de povos de terreiro ou da juventude negra ou que vem de mim, que sou professora da universidade, que vem com uma aluna minha. Então, são pessoas que também tem para poder garantir as condições técnicas e de gestão. Então, essa é minha preocupação da gente poder fazer planejamento, as coisas com planejamento, articulado com outras secretarias, dar conta de uma agenda transversal, mas também de ter uma agenda própria.
MARCOS MOREIRA: Como gestora, qual é o principal legado que a senhora quer deixar na Pasta?
Zelma - Meu principal legado é de que o Ceará conta com uma grande população negra e que essa população negra tem muita vulnerabilidade, mas ela tem muito potencial. Eu quero que eu seja vista como uma gestora que avistou dentro dessa contradição, que é própria do nosso sistema os problemas, mas sempre que esses grupos apresentaram saídas. Então, é o diálogo com os movimentos sociais, é o diálogo com o nosso povo que sempre diz o que quer.
E aí eu quero que fique como marca o Festival Afrocearensidades. Vai ser um orgulho sair e dizer que o Novembro Negro se torna uma política pela via de um festival, pela via de que todos os 184 municípios, do dia primeiro ao dia 30. Mas não só, que fosse o ano todinho, ali fosse uma culminância, porque aí vai ver que tem negros nesse estado e que eles trabalham.
Nós temos trabalhado muito aqui nesse estado, contribuído, porque às vezes pensam que nós só queremos gastos, nós temos investido, é só o retorno com a oportunidade para um povo que luta e que quer e que fez e que faz esse Ceará.
Então, se eu saio no sentido de dizer: 'A Zelma Madeira sempre avistou que tinha problemas, mas ela avistou e a forma como ela fez a política de igualdade racial no Ceará foi sempre fazendo leitura de contexto de vulnerabilidade e de resistência, de criatividade do seu povo. É assim que eu quero ser vista.