A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (18), o texto-base do projeto de lei que regulamenta a prática do ensino domiciliar, o chamado homeschooling. Estão previstas ainda a análise dos destaques, assim como as sugestões de alteração da proposta para esta quinta-feira (19).
A ideia é amplamente criticada por entidades da área da educação. No País, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2018, é que o modelo não é inconstitucional, mas, não está previsto na legislação brasileira, logo, depende de uma lei específica para ser permitido.
Na prática, como a urgência foi aprovada na Câmara Federal, o texto pode ser votado em plenário sem obrigatoriamente passar pela análise de uma comissão especial.
No Congresso, há várias proposições sobre ensino domiciliar, com destaque para o Projeto de Lei 3179/2012. A proposição tem outros sete PL apensados, ou seja, reunidos a ele, como o PL 2401/2019, enviado pelo próprio Governo Federal.
A regulamentação da educação domiciliar é uma prioridade para o governo Bolsonaro, embora entidades como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) não a considerem "necessária, relevante e, muito menos, urgente”, como afirmado em nota, terça-feira (17).
No homeschooling, os pais ou tutores responsáveis assumem o papel de professores dos filhos no ambiente fora da escola.
O projeto de lei do Governo, se aprovado, irá alterar tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996).
Entidades da área da educação apontam, dentre outras críticas, que modelo domiciliar compromete a socialização de crianças e adolescentes, impede o contato com diferentes ideias e pensamentos, além de desconsiderar a relevância do papel dos professores, que têm formação pedagógica e técnico-científica.
Para a Undime, o homeschooling “nega a educação como ciência, nega a educação escolarizada, nega a transmissão formal do saber científico e cultural”. Além disso, diz a nota, “rejeita a importância dos profissionais da educação para o desenvolvimento dos estudantes”.
Como é hoje e como pode ficar?
Segundo a Constituição Federal, a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) é obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade. A lei determina que é preciso assegurar inclusive a oferta gratuita para todos os que não tiveram acesso na idade própria.
O Estatuto da Criança e do Adolescente reitera a educação como direito, com ênfase no acesso à escola pública e gratuita, próxima à residência do aluno. A lei também estabelece que os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular os filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Em 2018, o entendimento do STF reconheceu a constitucionalidade do homeschooling, mas isso não significa que a modalidade está respaldada. Na prática, o ensino domiciliar precisa ser regulamentado por uma norma específica para que os pais ou responsáveis tenham garantia de que podem adotar esse modelo de ensino.
No Brasil, o Código Penal também define como crime de abandono intelectual deixar, sem justa causa, crianças de 6 a 14 anos fora da escola. Isso pode levar a punição dos pais que não matriculam, nem cobram a presença dos filhos na escola. A penalidade é a detenção de 15 dias a 1 mês ou multa.
O que diz o projeto?
Na Câmara, tramitam alguns projetos sobre educação domiciliar. No caso do Projeto de Lei 2401/2019, enviado pelo próprio Governo, algumas proposições são as seguintes:
- A opção pela educação domiciliar será efetuada pelos pais ou pelos responsáveis legais do estudante, formalmente, por meio de plataforma virtual do Ministério da Educação;
- Na plataforma terá a documentação de identificação do estudante com: informação sobre filiação ou responsabilidade legal; comprovante de residência; termo de responsabilização pela opção de educação domiciliar; certidões criminais da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou Distrital; plano pedagógico individual, proposto pelos pais ou pelos responsáveis legais; e caderneta de vacinação atualizada.
- O período regular de cadastro será preferencialmente de dezembro a fevereiro;
- Após análise e aprovação do Ministério da Educação, o estudante terá uma matrícula que comprovará, para todos os efeitos, a opção pela educação domiciliar;
- O cadastro na plataforma virtual será renovado todo ano pelos pais ou pelos responsáveis legais, com a inclusão do plano pedagógico individual correspondente ao novo ano letivo;
- Para ter certificação da aprendizagem, o estudante matriculado em educação domiciliar será submetido a uma avaliação anual sob a gestão do Ministério da Educação;
No Brasil, atualmente, o Paraná, Santa Catarina e o Distrito Federal já têm leis que regulamentam a educação domiciliar. Nos três estados, o tema virou uma disputa judicial.
Quais as críticas?
A Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) estima que cerca de 15 mil famílias sejam adeptas desse modelo de ensino no Brasil. Mas, a aprovação do projeto de regulamentação do ensino domiciliar é amplamente criticada por entidades da área da educação, que agregam, dentre outros, gestores públicos, pesquisadores e a comunidade escolar.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação - organizações da sociedade civil ligada à educação - elencou, em nota pública, ao menos 10 pontos críticos à educação domiciliar.
O movimento Todos Pela Educação, em nota pública, classificou a medida como “equivocada e absolutamente fora do tempo” e manifestou ser contra qualquer incentivo à educação domiciliar.
A Undime também defende que o efeito da educação domiciliar nas crianças “será semelhante àqueles causados pelo distanciamento social durante a pandemia da Covid-19, e tão lamentados por toda a sociedade”.
Confira algumas críticas:
- Em algumas concepções, o homeschooling parte do pressuposto de que a educação escolar se limita ao ensino do conteúdo. Mas, a ideia ignora que a educação escolar é fundamental para a socialização, bem como a exposição ao diverso e ao contraditório como aspectos do desenvolvimento, sendo a escola o melhor ambiente para que isso aconteça.
- Diante de complexos dilemas da educação, sobretudo, com a pandemia de Covid, é problemático que o ensino domiciliar seja a prioridade do Governo Federal. Entidades apontam a necessidade de voltar o olhar para: o planejamento do acesso à tecnologia, retorno às aulas, a estrutura das escolas e às medidas de redução à evasão escolar.
- Entidades mencionam o risco de regulamentar o ensino domiciliar para um pequeno grupo e isso abrir espaço para comportamentos de risco na família, como abandono escolar, violência doméstica e exposição a situações de privação;
- Outro argumento contrário é que não há evidências científicas que indiquem que uma criança aprenderia mais no ensino domiciliar do que na escola.
- Entidades afirmam que diferentemente dos argumentos pró-ensino domiciliar, a legislação brasileira não presume interferência do Estado na educação das famílias. O que a legislação pretende, com o ensino obrigatório em instituição escolar pública ou particular, é que o aluno seja supervisionado e cuidado e, de modo algum, negligenciado pelos adultos;
- Além disso, algumas entidades alertam que as crianças com deficiência são o público mais afetado pela proposta, pois, a convivência em comunidade escolar de pessoas com e sem deficiência é o pilar para o desenvolvimento integral;
- Embora outros países admitam o homeschooling, gestores destacam que é preciso respeitar as diretrizes estruturantes da educação básica no Brasil e considerar as condições sociais e de capacidade do Estado brasileiro.