Passados quase 2 anos do uso obrigatório da máscara no Ceará, o momento, esperado por muitos e ainda temido por outros, chegou. O Governo do Estado desobrigou em locais fechados, a partir de sexta-feira (15), o uso do equipamento de proteção individual adotado na pandemia como barreira coletiva contra o vírus.
A decisão, nesse momento, gera divergência entre pesquisadores. Agora, o que é preciso fazer e o que deve ser mantido após mais essa etapa de flexibilização?
No atual estágio da pandemia, conforme dados do Governo do Estado, a taxa de positividade é de 3,75% no Estado. Ou seja, a cada 100 testes, 3 pessoas estão infectadas.
Na semana de maior confirmação de casos na terceira onda, entre os dias 23 e 29 de janeiro, a positividade no Ceará foi de 53,7%.
Mas, em paralelo, apesar do menor nível de positividade, o Estado ainda não atingiu 60% de aplicação da dose de reforço. Dados do vacinômetro da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) indicam que 59,11% das pessoas acima de 18 anos tomaram o reforço. São 4 milhões de habitantes, dos 6,8 milhões aptos a tomarem. É preciso avançar nesse aspecto.
No Brasil, todos os estados já flexibilizaram o uso da máscara, sendo que ao menos 16, incluindo o Distrito Federal, (Ceará, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia, Alagoas, Maranhão, São Paulo, Amazonas, Sergipe, Paraná, Roraima, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Paraíba) desobrigam o uso em locais fechados.
As regras variam em cada território, e em alguns casos, os próprios municípios, com base nas orientações estaduais, têm definido o que deve ser adotado.
É hora de tirar a máscara?
No processo de flexibilização da utilização das máscaras, um ponto é consenso: não há um parâmetro científico universal que determine precisamente o momento correto de desobrigar o uso. Logo, um conjunto de dimensões são consideradas em cada realidade para a tomada dessa decisão.
Isso inclui dentre outros critérios:
- Quantidade de casos e de óbitos
- Taxa de positividade dos casos
- Proporção de vacinados com a dose de reforço
- Demanda por internações
O epidemiologista e docente da Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luciano Pamplona, reforça que a decisão sobre a hora de tirar a máscara deve considerar cada contexto.
Ele destaca que no atual cenário epidemiológico de Fortaleza, por exemplo, a taxa de transmissão está muito baixa, por isso, avalia, "é possível flexibilizar”.
Luciano destaca que esse é um critério que mede a transmissão e circulação do vírus, e enfatiza que o Ceará tem se destacado nesse monitoramento com a testagem.
“Nesse momento de baixíssima transmissão, obrigar as pessoas a usarem a máscara em todos os lugares, perde um pouco o sentido. Reforço que é um equipamento de proteção individual e no auge da pandemia, todo mundo usando, ela funcionou como uma barreira coletiva. Não há dúvidas que a máscara protege. Mas, baseado no cenário de transmissão que a gente tem, é possível que se desobrigue o uso”.
Já para a médica Lígia Kerr, epidemiologista e também professora da UFC, a liberação do uso de máscaras em ambientes fechados “é precipitada e vem num mau momento”, já que vários países do mundo veem a pandemia se agravar novamente.
“Os maiores riscos são os ambientes fechados com ar-condicionado. Não há boa ventilação, o vírus fica lá. Não acho que vamos passar ilesos disso (da liberação). É possível que, em breve, a gente precise reverter”, lamenta, acrescentando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) também argumenta contra flexibilizações.
"O vírus está circulando, a Fiocruz já detecta aumento de casos. Nos EUA, não se sabe mais nem quantos casos tem. Como o Ceará vai tirar a máscara num tempo desse, com carnaval por vir em várias cidades?"
A epidemiologista destaca a circulação de subvariantes da BA.2, “que têm deixado um rastro de hospitalizações” no mundo; e alerta para a falsa ideia de “alívio” que se tem sobre transformar a Covid em doença endêmica.
“As pessoas estão pensando que é uma coisa boa, mas o HIV, por exemplo, tem 1,5 milhões de casos e 680 mil mortes por ano, mesmo depois de endêmica. Quantas mortes vamos querer? Quantas avós, mães e irmãos vamos perder? Estamos caminhando pra decisões erradas”, analisa.
Sem máscaras, o que é preciso manter?
A médica infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sylvia Lemos, reforça que vários locais já flexibilizaram e isso “depende muito do nível de imunização, principalmente da dose de reforço”.
De acordo com ela, ainda não é possível avaliar os impactos da desobrigação da máscara, mas é preciso monitorar as tendências e os números. “Eu, como infectologista, tenho recomendado aos pacientes e família que pessoas com comorbidade que não fizeram ainda a terceira ou a quarta dose, de acordo com os calendários, mantenham o uso da máscara, principalmente em locais fechados”.
No decreto do Governo do Ceará, o uso das máscaras fica recomendado para:
- Idosos
- Pessoas com comorbidades
- Pessoas com sintomas gripais
Ela reforça que, com a desobrigação, é preciso retomar a atenção aos cuidados de higienização, como a limpeza das mãos, pois, afirma “vem sendo esquecida”.
Sobre a proteção vacinal, a médica Lígia Kerr pontua que “a vacina protege contra casos graves e óbitos, porque foi projetada com urgência para salvar vidas, mas protege muito mal contra a infecção em si”. Apesar disso, a médica frisa a importância de aumentar a cobertura do Ceará na dose de reforço.
“Ainda não temos condições de dizer o que vai acontecer a partir de agora, mas estamos com muita gente sem a dose de reforço. Sem ela, a variante BA.2 vai passar e pegar essas pessoas”, alerta.
Possibilidade de nova obrigatoriedade
Outra possibilidade que não pode ser ignorada, explica Luciano Pamplona, é que, em algum momento, pode ser necessário retomar o uso da máscara. Isso já ocorreu em algumas cidades no mundo que haviam desobrigado a utilização.
“As pessoas comentam que tal país liberou e depois voltou a usar. Ele (país) não aumentou porque liberou a máscara, aumentou porque voltou a sazonalidade da doença e ela vai aumentar e nesse momento vai voltar a usar máscara de novo. Isso não é um retrocesso”.
O epidemiologista destaca que as pessoas precisam entender que no atual momento é possível andar sem máscara, mas em outros períodos pode ser que precise voltar a usar, como em outras doenças. Isso não se aplica só a Covid.
Ele diz ainda que há uma corrente de pesquisadores que acreditam que a doença vai se tornar endêmica. “Só não sabemos em qual grau vai se tornar endêmica”, completa. A classificação de endemia, explica, significa que “são doenças que não vão deixar de existir, mas algumas delas circulam muito pouco”.