Hackeamos seu celular, vamos divulgar todas as fotos. Gostamos de segunda-feira porque é dia de folga. Fala da tatuagem de dragão que a senhora tem nas costas. Pode não parecer, mas essas frases ocupam as redes sociais de freiras cearenses. Com muito bom humor e espontaneidade, as irmãs Filhas da Misericórdia fazem sucesso na internet.
São quase 160 mil seguidores no instagram até o fechamento deste texto. O público é fiel: cada postagem tem milhares de curtidas e centenas de comentários, todos aplaudindo a iniciativa das irmãs de se aproximarem do universo jovem e, assim, não apenas divertir, mas inspirar pessoas a seguir um caminho de alegria e devoção.
Tudo começou há cinco anos, quando lançaram um perfil nas redes. “O intuito era divulgar a vida religiosa do nosso Instituto”, explica madre Elizabete, 26, responsável pela ala feminina da instituição. “Só que, ao longo do tempo, quando assumi o instagram, a dificuldade de planejar artes mais complexas para publicação me fez decidir filmar o cotidiano”.
Não deu outra: aumento exponencial de pessoas acompanhando um dia a dia movimentado. Entre orações, missas e estudos, as irmãs abrem caixinhas de perguntas nos stories, gravam reels e fazem lives. O sorriso é expediente certo. Em uma postagem, elas respondem se freiras usam maquiagem e brinco, que nem nas novelas; em outra, se podem ir à praia.
Há cenas ainda mais hilárias, beneficiadas por efeitos e canções do momento. As religiosas aparecem falando trava-línguas, encenando como se preparam para momentos de oração, comentando opiniões absurdas sobre o ofício – “um dia perguntaram se a gente pode mascar chiclete” – e respondendo se pessoas interessadas podem ingressar no convento tendo namorado.
“Nada é planejado. É improviso mesmo, é o real. Aparece muito a gente trabalhando, fazendo algum apostolado ou nas nossas orações. Foi uma grande surpresa pra nós perceber o quanto as pessoas têm necessidade de saber esse real – uma vez que aparece muito em novelas, e várias vezes escapa um pouco da realidade. Uma surpresa que nos deixa muito felizes”.
A fala é de irmã Maria Tereza, integrante do Instituto Filhos da Misericórdia desde quando ele foi criado, em julho de 2007. Segundo ela, sim, freiras podem ir à praia – embora de forma não-convencional, com traje adequado; podem ir ao cinema, tomar açaí; precisam usar o hábito sempre; e, em períodos de férias, conseguem visitar os familiares.
“O Nosso Senhor me chamou três vezes; em duas eu resisti. Mas, com 27 anos, resolvi abraçar a vocação. Faz 15 anos que estou nesse caminho, e quero que fique por toda a eternidade. A gente se casa com Jesus aqui, então o compromisso é pra sempre”, complementa a religiosa, 43 anos, satisfeita pela escolha.
Cativar e transformar
Em resumo, o foco das freiras é seguir o carisma do Instituto Filhos da Misericórdia de Jesus Salvador, do qual participam: divulgar a misericórdia divina e promover o crescimento da instituição, expandindo novas vocações. Rosinha e Francisca, ambas com 31 anos, são exemplo disso. Elas foram tocadas a experimentar essa jornada por meio das redes sociais.
“Rolou a identificação com o carisma, e vim conhecer. Está sendo muito bom esse processo, é um aprendizado. Por mais que tenha muito mistério em torno da vida religiosa, é uma vida simples porque é a vida de Jesus. É um chamado para uma existência mais perfeita”, diz Rosinha, natural de Aracaju (SE).
Sentada ao lado da amiga, Francisca, de Pernambuco, complementa: “Também está sendo ótimo para mim, uma vivência realmente da presença de Deus. Mesmo que antes eu tivesse uma experiência de fé e igreja, não tem comparação com estar aqui. É algo que realmente necessita da vocação, então me identifico muito com o Instituto”.
Refletindo sobre os desafios de vivenciar a própria juventude em meio à juventude convencional, as freiras destacam as renúncias que muitos jovens da idade delas não experimentam ou não se permitem experimentar. Na visão de cada uma, essa fuga da sociedade contemporânea de todo e qualquer sofrimento pode ser perigosa.
“Entrei com 17 anos aqui, mas aos 19 eu já sabia que nenhum amigo meu lá fora estava vivendo o que eu estava vivendo, com a mesma profundidade. É diferente mesmo. Esse é um período de muito autoconhecimento, renúncia, alguns sofrimentos, mas também de muitas alegrias. Tem felicidades que a gente vive aqui dentro que eu tenho certeza que, quem não possui a mesma vida comunitária, não experimenta”, partilha madre Elizabete.
Uma das mais engraçadas e espontâneas do quinteto, irmã Francisca, 40, diz que, para ela, entre os maiores entraves em estar nessa condição, está o de atingir a excelência das virtudes.
“Essa excelência conduz o ser humano à maturidade. E também inspira nas pessoas como é bom ser cristã de verdade. Não que eu seja santa, não sou; mas falo no sentido de que isso nos leva à graça de um equilíbrio, de uma flexibilidade”.
Sonho de milhões
A conversa termina falando sobre sonhos na casa em que as cinco convivem – elas dormem e fazem todas as atividades no local. Em comum a todas, o desejo de conseguir a salvação, trazendo mais pessoas para o amor e a misericórdia. “Alcançar o céu, fazer a vontade de Deus até o fim da vida. Porque, quanto mais a gente O conhece, mais busca o essencial”.
E algo mais: quem sabe se, com o alcance da página na internet, mais gente possa auxiliar no crescimento do Instituto por meio de doações e entrega gratuita ao serviço?
Não é exagero dizer que as Filhas da Misericórdia são pescadoras de almas. Na rua C, número 366, Parque Dois Irmãos, Conjunto Jardim Primavera, o recanto delas pulsa graça, ânimo e desejo de vida, com um bônus: devido à internet, já são quase celebridades, embaixadoras da fé. “O que importa pra Deus é dar o nosso coração”.