O Governo do Estado voltou atrás da decisão de desapropriar mais de 80 imóveis em torno do Farol do Mucuripe, no Cais do Porto, com a publicação do decreto Nº 35.971 no Diário Oficial do Estado (DOE), na última quinta-feira (25). A medida é uma demanda popular para a reforma da edificação histórica.
O documento anula a determinação publicada pelo decreto Nº 34.451, de 9 de dezembro de 2021, que previa a demolição das casas para permitir “maior visibilidade e acesso à faixa litorânea”, considerando o fator turístico. Contudo, os moradores foram contrários à proposta e pediram a revogação do documento.
O novo decreto publicado aponta a necessidade de reformulação do projeto relativo à reforma do Farol do Mucuripe. No momento, a Secretaria de Turismo do Estado (Setur) está em diálogo com a população sobre as demandas de intervenção pública para o início da obra de reforma do Farol do Mucuripe.
Não há uma data divulgada para o início das obras, mas o Diário do Nordeste adiantou a informação sobre a reforma do Farol do Mucuripe, em março deste ano. Conforme a Secult/CE, o recurso será de R$ 2,6 milhões e o início acontece no primeiro semestre deste ano.
Um estudo arqueológico já foi realizado e o escoramento da edificação começou na última semana. Os moradores acompanham de perto e registram todo o processo. No dia 23 de abril, as entendidades populares encaminharam uma lista com 5 exigências para a reforma:
- Todas as etapas do projeto, assim como suas possíveis modificações, serem apresentadas e debatidas os ajustes necessários com os Conselhos Gestores das Zeis Cais do Porto e Zeis Serviluz, Associação do Titanzinho e Comissão Titan;
- A reforma do Farol do Mucuripe só pode começar com a Revogação imediata do Decreto 34.451 de 09 de dezembro de 2021 que remove mais de 80 famílias do entorno do Farol;
- Realizar acordo com a empresa responsável pela execução do projeto que 80% das vagas dos trabalhadores da reforma do Farol do Mucuripe sejam da comunidade, e formalizar com a empresa responsável uma reunião com o Conselho da Zeis para firmar o acordo através de documento;
- Que a gestão do Farol do Mucuripe seja de forma compartilhada com a comunidade representada nos conselhos das Zeis, Associação de Moradores do Titanzinho, Comissão Titan e Acervo Mucuripe, assim como todos os projetos sejam construídos com essas entidades acima citadas;
- Que os projetos possam ser pautados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma coleção de 17 metas globais, estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
A Secretaria do Turismo respondeu às demandas dos moradores confirmando que deve debater as mudanças na área com a população e a revogação do decreto, num documento ao qual a reportagem teve acesso.
Ainda há uma negociação sobre o percentual de trabalhadores da obra, já que a licitação foi feita sem considerar esse pedido. A Setur também se comprometeu a envolver a comunidade para fortalecer o sentimento de pertencimento nas políticas públicas e a seguir, sempre que possível, os ODS (que trata da sustentabilidade e impacto social).
“Foi uma vitória muito grande pra gente. Na época, fizemos um questionário em cada uma das casas e os moradores falaram que não queriam sair porque nasceram aqui e tem uma questão da história”, comemora Antônio José, conhecido como Dudé, presidente da Comissão Titan e parte da Associação dos Moradores.
Diego di Paula, idealizador da Acervo Mucuripe, contextualiza que a notícia surpreendeu os moradores engajados com a questão. “A gente imaginou que demoraria bastante e é uma vitória imensa para quem faz parte dessas entidades”, detalha. O representante conta que a ideia antes era demolir as casas para construção de um estacionamento.
Dudé e Diego comentam que as organizações comunitárias buscam a reforma do Farol do Mucuripe de forma a beneficiar, principalmente, quem vive no lugar.
Os moradores se reúnem para articular as demandas da comunidade por meio de entidades como Comissão Titan, Associação dos Moradores do Titanzinho, Acervo Mucuripe, Conselho Gestor da Zeis Cais do Porto e Conselho Gestor da Zeis Serviluz.
Além disso, outras organizações fortalecem o movimento: Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab/UFC), Laboratório de Micropolíticas Urbanas (Lamur/UFC), Taramela Assessoria Técnica, Coletivo Quintau, Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (vinculado à Alece) e Instituto Tresmares.
Articulação para reforma
Uma das principais demandas de quem vive no entorno do Farol do Mucuripe é a reforma do próprio “símbolo”, não só da comunidade, como do Ceará.
O Farol do Mucuripe é protegido pelo tombo estadual por meio do decreto n° 16.237, de novembro de 1983. Apesar disso, a estrutura está interditada pela Defesa Civil de Fortaleza há 5 anos por causa do mau estado de conservação.
Por causa do abandono, a comunidade passou a cobrar uma revitalização da estrutura – que chegou a perder a cúpula, começou a enferrujar, quebrar e acumular sujeira. Além disso, os moradores também pedem uma qualificação do entorno para ser usado como lazer.
O Ministério Público do Ceará também passou a tratar sobre a reforma da estrutura em audiências com a Setur, Secult, Secretaria de Segurança Pública (SSPDS) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Entre as demandas debatidas estão os seguintes tópicos:
- Vigilância
- Situação estrutural
- Estudo arqueológico
- Restauração do local
Como resultado do diálogo, a Secretaria da Segurança instalou câmeras para monitoramento 24h e o Comando-Geral da Polícia Militar do Ceará determinou a realização de rondas policiais e a instalação de pontos base, em 2022.
Sobre a estrutura, o Governo do Estado emitiu um parecer técnico, em setembro de 2022, afirmando que não havia risco de desabamento parcial ou global da edificação. Em janeiro deste ano, porém, um laudo da Superintendência de Obras Públicas (SOP) indicou que o Farol do Mucuripe está em estado crítico. A torre superior e a escada de acesso à cobertura estavam em situação ainda pior e, por isso, foi recomendada a intervenção imediata.
Em relação à reforma, em agosto de 2023, a Setur encaminhou um edital para a licitação do restauro do equipamento. No próximo dia 15 de maio será realizada audiência para discutir a situação do Farol do Mucuripe com a empresa que venceu a licitação e as secretarias governamentais envolvidas.
História do Farol do Mucuripe
O Farol do Mucuripe foi construído na década de 1840 por pessoas escravizadas para ser referência às embarcações que aportavam na cidade. Uma reforma foi feita em 1872, mas o farol foi desativado em 1957 por se tornar obsoleto.
A partir daquele momento, a capital cearense passou a usar um segundo farol, que funcionou até 2017. Por isso, o Farol do Mucuripe também é conhecido como Farol Velho.
Num processo de abandono, poucas intervenções foram feitas. Houve uma recuperação em 1981, com projeto da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria de Cultura e Desporto do Estado. O Farol do Mucuripe, inclusive, é uma das construções mais antigas da cidade ao lado do Forte de Fortaleza.