Presidentes atuantes durante a ditadura militar ainda nomeiam ruas, escolas, museus e diversos outros prédios públicos de Fortaleza, mesmo após 38 anos da redemocratização no País. Depois do anúncio feito pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas, de que o Estado vai substituir o Mausoléu Castelo Branco por um espaço de memória em respeito aos abolicionistas cearenses, essas homenagens voltam ao debate de historiadores e moradores da cidade.
Além das mudanças no Mausoléu, devem ser criados “espaços de memória”, como são chamados os lugares onde foram cometidos graves violações dos direitos humanos, pelas secretarias da Cultura, dos Direitos Humanos, de Educação e Assembleia Legislativa do Ceará. Um protocolo de intenções foi assinado na quinta-feira (31). No entanto, ainda não foram detalhados os espaços de memória do Ceará.
Enquanto isso, nomes como Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e João Baptista Figueiredo estampam fardas de estudantes, batizam auditórios universitários, prédios e ruas da capital cearense. Dos cinco presidentes do período, apenas o General Ernesto Geisel não foi identificado nos pontos de Fortaleza. João Batista Figueiredo já nomeou rua no Planalto Ayrton Senna, mas houve alteração.
O Diário do Nordeste levantou uma série de locais de Fortaleza que levam nomes de militares nomeados presidente do Brasil durante a ditadura. Além de espaços encontrados pela reportagem, a equipe também usou informações do coletivo Aparecidos Políticos, que tem uma lista com nomes de vários lugares que ainda homenageiam essas personalidades. Mas, afinal, por que isso deve ser reavaliado agora?
Diálogo com a História do Ceará
"Não se trata de apagar ou reescrever a História, mas de demonstrar que a História é um elemento dinâmico e que dialoga com o presente. Ações e questões que eram teoricamente aceitáveis no passado hoje não podem mais ser ações toleradas em homenagens", responde o professor e mestre em Ensino de História, P.A. Damasceno, também colunista do Diário do Nordeste.
O historiador avalia que o enaltecimento de personagens contraditórios, ligados ao regime ditatorial e que promoveram violência em diversas escalas, não deve ser aceito.
Há muitas escolas e prédios que homenageiam, inclusive, personagem não tão conhecidos da ditadura, mas que foram fundamentais para os desvios dos direitos humanos e agressivos da função do Estado
Dedicar espaços a memórias duras que nos lembrem que esse período aconteceu e que esses personagens eram tidos como de poder, mas que hoje eventos históricos assim não podem ser tolerados. Temos de construir a memória a partir de todos os elementos.
No levantamento do coletivo Aparecidos Político, consultado pela reportagem do Diário do Nordeste, há vários outros locais de Fortaleza que homenageiam Humberto de Alencar Castelo Branco, militar nomeado presidente do Brasil. Por ser cearense, ele é o principal nome.
Humberto de Alencar Castelo Branco nasceu em Fortaleza, no 20 de setembro de 1897, e teve movimentada vida ligada ao serviço militar, como detalha o Centro de Referência de Acervos Presidenciais do Arquivo Nacional.
Castelo Branco se tornou presidente do Brasil em 15 de abril de 1964, sendo o primeiro chefe de estado do regime militar. O registro histórico do Governo Federal considera que nesse período houve a criação de aparatos legais para endurecer a ditadura militar.
Entre as ações, houve intervenção em sindicatos, extinção de entidades de representação estudantis, invasão de universidades, detenções e prisões indiscriminadas no período sob a gestão de Castelo Branco.
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Fórum de Justiça Castello Branco (Centro)
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Avenida Castelo Branco (Barra do Ceará)
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Conjunto Presidente Castelo Branco (Presidente Kennedy)
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Travessa Castelo Branco (Pici)
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Escola de Ensino Fundamental e Médio Castelo Branco (Montese)
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Colégio Estadual Humberto Castelo Branco (Montese)
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Auditório Castelo Branco (IFCE)
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Batalhão Castelo Branco - 23 BC (Benfica)
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Museu Castelo Branco - 23 BC (Benfica)
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Mausoléu Castelo Branco (Meireles)
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Edifício Castelo Branco (Aldeota)
COSTA E SILVA
Arthur da Costa e Silva nasceu no Rio Grande do Sul, em 3 de outubro de 1899, e participou da Revolução de 1930. Em 1932 aliou-se às forças que lutaram contra a revolução constitucionalista de São Paulo, como também aponta o Acervo Presidencial.
Costa e Silva foi um dos principais articuladores do golpe de 1964 e integrou o Comando Supremo da Revolução, além de atuar como Ministro da Guerra durante o governo Castelo Branco (1964-1966). No dia 15 de março de 1967 foi empossado na presidência, e em agosto de 1969 afastou-se do cargo em virtude de uma trombose cerebral.
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Avenida Presidente Costa e Silva (Mondubim)
MÉDICI
Emílio Garrastazu Médici nasceu no Rio Grande do Sul, em 4 dezembro de 1905, e a sua primeira movimentação política ocorreu em 1930, quando participou das tropas revolucionárias que depuseram o então presidente Washington Luís, conforme o portal Lideranças Políticas da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Médici ficou na presidência no período entre 1969 e 1974, quando entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 1, que se denominou "constituição da República Federativa do Brasil" e incorporou as medidas de exceção previstas no ato institucional nº 5 (AI-5), de acordo com o Arquivo Presidencial. O período foi marcado pelo recrudescimento da repressão política, da censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos presos políticos.
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Colégio Presidente Médici (Álvaro Weyne)
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Centro de Educação Infantil (Parreão)
Espaços com nomes alterados
Alguns espaços na cidade tiveram a nomenclatura alterada em movimento similar ao que acontece no Mausoléu. Na UFC, o Auditório da Reitoria, onde acontecem solenidades como Doutor Honoris Causa, era oficialmente chamado de Presidente Castelo Branco desde 1966.
A UFC informou à reportagem que o nome do referido equipamento mudou para "Auditório Antônio Martins Filho" em julho de 2018, conforme se observa na resolução Nº 46 do Conselho Universitário. “Antes mesmo dessa resolução, o espaço já era chamado de ‘Auditório da Reitoria’ nas comunicações internas”, completou a UFC.
Já no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) Campus Fortaleza, a alusão também feita a Castelo Branco no auditório permanece.
“Não há no momento - nem no âmbito da Reitoria e nem no campus Fortaleza - nenhuma discussão institucional a respeito de uma possível mudança de nome no auditório em questão”, informou por nota.
A antiga Praça 31 de Março, na Praia do Futuro, foi renomeada de Praça da Paz Dom Hélder Câmara após uma reforma no local, entregue em julho de 2015. No dia 31 de março de 1964, tropas militares saíram de Minas Gerais para prender o presidente João Goulart, no Rio de Janeiro. Alguns dias depois disso, Castelo Branco foi colocado como presidente.
Patrimônio de resistência
Sandoval Matoso, mestre em ensino de história, explica que a maioria dessas homenagens foram feitas durante o próprio período ditatorial e assinalam poder: “tudo isso é lugar de disputa e a memória é uma grande disputa”.
“Quando você batiza um teatro, uma praça está demarcando um espaço de poder e isso vai se perpetuar na rotina urbana. Tem muitas iniciativas de demarcar o espaço colocando esses nomes, mas os da resistência não têm”, pondera o professor.
Para o historiador, os espaços de resistência e de memória acabam perdendo visibilidade e, por isso, há um desconhecimento sobre cearenses torturados no período ditatorial. “Patrimônio público como espaço para educação e com o desenvolvimento da história temos uma linha mais crítica”, completa Sandoval.
A narrativa abolicionista, infelizmente, é uma narrativa branca, da 'benevolência de pessoas iluminadas' que compreenderam que a escravidão era algo ruim e resolveram abolir. Na verdade, é uma luta ancestral de pretos e pretas que, com coragem, permaneceram vivos e conquistaram esse espaço
Alguns espaços não tão conhecidos permitem uma reflexão, como a Escola Justiniano de Serpa, onde havia um movimento de resistência estudantil muito forte, como analisa Sindoval. Por lá, há relatos de jovens presas e levadas para a tortura. Pensando em locais que contam a história da ditadura em Fortaleza, ele definiu um percurso histórico:
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1 - Mausoléu Castelo Branco
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2 - Santuário Sagrado Coração de Jesus
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3 - Praça da Liberdade/Praça das Crianças
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4 - Praça dos Voluntários
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5 - Colégio Justiniano de Serpa
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6 - Memorial da Resistência
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7 - 10ª Região Militar
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8 - Cemitério São João Batista
“A proposta da rota da ditadura é mostrar que houve isso com a história local, quando dizemos para olhar para o nosso patrimônio está mais perto do que a gente imagina”, conclui.
P.A. Damasceno acrescenta que em alguns lugares da cidade, inclusive, a própria população ressignificou espaços utilizando nomes mais próximos do cotidiano, como acrescenta o historiador.
"A Avenida Castelo Branco praticamente nunca é chamada assim, ela é simplesmente a 'Leste-Oeste'. A Rodovia Artur Costa e Silva é a Perimetral. Então, a população conseguiu uma forma de burlar essas homenagens e manter os nomes mais significativos e próximo", contextualiza.