Edifício São Pedro: donos de imóvel pedem na Justiça indenização com mesmo valor pago por demolição

Principal impasse entre proprietários e a União se deve ao pagamento de um tipo de ‘aluguel’ ao longo de várias décadas

A situação do terreno do histórico Edifício São Pedro, primeiro prédio da orla de Fortaleza demolido completamente em maio deste ano, parece longe de estar definida. O imóvel é alvo de ações administrativas e judiciais para definir seu uso; numa delas, a família herdeira do proprietário original solicitou uma indenização do mesmo valor que precisa pagar à Prefeitura de Fortaleza pela demolição. 

Para entender o impasse, é preciso retomar alguns pontos. Primeiro, a edificação veio abaixo depois que a Prefeitura constatou, em janeiro, riscos iminentes de queda. Para evitar isso, enviou os custos do processo de demolição, orçado em R$1,79 milhão, aos atuais administradores do Condomínio do Edifício São Pedro.  

Em seguida, a Secretaria de Patrimônio da União no Ceará (SPU-CE) entrou na história lembrando que o terreno está em uma área de marinha e pertence à União. Segundo a entidade, dos 141 Registros Imobiliários Patrimoniais (RIPs), apenas 28 estavam adimplentes com as taxas de aforamento (espécie de “aluguel” pago permanentemente à União pelo uso do terreno).  

Em mais um capítulo, no mês de junho, o terreno foi cedido oficial e gratuitamente pela SPU-CE à Universidade Federal do Ceará (UFC), que demonstrou interesse em incluir o local nos planos do novo Campus Iracema.

O problema é que os proprietários herdeiros do falecido Pedro Philomeno Ferreira Gomes, dono original do Edifício, avaliam a conduta da SPU como inapropriada e apontam que o Edifício tanto foi “investimento privado construído em área de marinha” como “serviu de marco para o desenvolvimento turístico da cidade”.

Por isso, eles entraram com uma ação na Justiça Federal contra a União, solicitando a reintegração de posse do imóvel e uma indenização de R$1,79 milhão - mesmo valor que devem pagar à Prefeitura pela demolição do prédio.

Pelo acordo com o ente municipal, o síndico do Condomínio, Pedro Philomeno Ferreira Gomes Neto, assumiu 12 parcelas iguais e mensais de R$149.291,63; ele também precisou dar como garantia dos termos um imóvel localizado em Guaramiranga.

Em paralelo, no mês de agosto, a SPU-CE declarou caducos (extintos) diversos aforamentos, “tendo em vista a inadimplência de três foros consecutivos ou quatro intercalados”. Por isso, concedeu prazo de 90 dias - que se esgotam em novembro -, para a apresentação de reclamação ou solicitação de Revigoração de Aforamento (um tipo de reativação).

A discussão deve ganhar novos contornos no próximo dia 14 de outubro, quando está marcada uma audiência entre as partes junto à 3ª Vara Federal.

O que alegam os proprietários?

Nos autos da ação judicial, à qual o Diário do Nordeste teve acesso, a família alega que mantém o aforamento obtido por Philomeno desde 1944. O local tem 141 RIPs, mas os representantes afirmam que só existem cerca de 10 donos, entre pessoas físicas e jurídicas. Apenas a empresa Philomeno Imóveis e Participações S.A deteria cerca de 53% do total. 

Porém, na imprensa, a SPU divulgou que haveria somente 28 RIPs regularizados, sendo os demais devedores. “Como é que pode caducar uma coisa que não foi cobrada, que não foi para a dívida ativa da União?”, questiona Carlos Alexandre Gentil Philomeno Gomes, um dos proprietários do São Pedro, em conversa com a reportagem.

“Nós somos talvez um dos únicos terrenos de marinha na cidade de Fortaleza e no Estado do Ceará totalmente legalizados. Gestões anteriores há vinte anos atrás não cobraram, não protestaram, não botaram na dívida ativa uma pequena taxa. Querem cobrar isso agora com que direito?”, defende.

Portanto, existe a reclamação de que a cessão do terreno à UFC nunca foi comunicada aos atuais proprietários. Para eles, o fato implica no “despojamento da sua posse justa, ininterrupta e pacífica adquirida há 78 anos através do contrato de constituição do aforamento celebrado com a União Federal”, além da “perda de todos os investimentos feitos no passado e no presente”.

“A SPU, como se noticia na imprensa, resolveu conceder à Universidade Federal do Ceará a posse de um bem que juridicamente não lhe pertence”, diz outro trecho da petição. 

Assim, os herdeiros moveram um interdito proibitório, tipo de ação judicial preventiva que visa a proteger a posse de um bem quando há a ameaça da propriedade. Por fim, pediram à causa o valor de R$1.791.499,47 para o “ressarcimento dos prejuízos” adquiridos com a demolição.

O que diz a União?

Como a SPU-CE é um órgão administrativo e não possui personalidade jurídica própria, os mesmos pedidos foram remanejados à Advocacia Geral da União (AGU). 

Na resposta apresentada em julho, o órgão argumentou que, das 141 RIPs do Edifício, 94 permaneceram como espólio do Pedro Philomeno Ferreira Gomes, o que significa que os adquirentes/sucessores dessas unidades “jamais buscaram regularizar suas unidades em seus nomes, fato que ocasionou relevante prejuízo aos cofres públicos”. 

Reforça que, do total, apenas 28 registros estão com os aforamentos em dia e são consideradas “posses justas”, que devem ser ressarcidas quando da implantação da UFC no local. Assim, acredita que os donos dos outros 113 RIPs inadimplentes buscam agora “se beneficiar em função da expectativa de recebimento de indenização”.

A AGU também deixa clara a responsabilidade dos proprietários na manutenção e conservação do imóvel, dada a deterioração do prédio até a data da demolição.

“Se estes titulares não conseguiram competir no livre mercado e supostamente por isso negligenciaram os cuidados sobre o imóvel, a União Federal não tem absolutamente nada a ver com essa questão”, afirma.

Sobre a falta de comunicado sobre a intenção de cessão do terreno à UFC, a AGU lembra que, como a relação entre a União Federal e os inadimplentes foi extinta pela falta de pagamento dos foros, “não há nenhuma obrigação legal da União Federal em notificar o ex-foreiro sobre as destinações futuras previstas para este imóvel”.

O órgão ainda reiterou que “o aforamento de imóveis da União não permanece válido de forma perpétua caso o foreiro não cumpra suas obrigações contratuais (neste caso, o pagamento dos foros anuais) assumidas no momento da formalização do contrato”, alegando que os titulares inadimplentes “foram exaustivamente notificados para honrar o pagamento de seus débitos no decorrer das últimas décadas”.

Por fim, a manifestação oficial considera que um eventual pedido de Revigoração de Aforamento, cujo prazo se esgota no mês de novembro, “carece de condições legais de ser deferido” diante dos argumentos expostos.