O uso de um drone com uma câmera termal acoplada para mapear o fogo que tomou conta do Parque do Cocó na última quarta-feira (17) chamou atenção nas redes sociais e até virou notícia. Mas o equipamento foi adquirido pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) para outro fim: a busca por animais que estão “sumidos do mapa” e a conservação da fauna. É com ele, por exemplo, que biólogos da instituição vão tentar encontrar um esquilo que vive na Serra da Aratanha, localizada na região norte do Ceará, sobre o qual não se tem notícia desde 2005.
“De fato, a ideia original passa longe de incêndio. Na verdade, o incêndio foi um infeliz acontecimento, mas que mostrou o poder de ação do equipamento”, afirma o biólogo Hugo Fernandes. Professor da Uece, ele é responsável pelo projeto Planos de Ação Estadual para a Conservação de Espécies Ameaçadas do Ceará, para o qual o drone foi adquirido em setembro de 2023, com financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
O projeto é um dos eixos do Inovafauna, iniciativa desenvolvida pelo Programa Cientista-Chefe Meio Ambiente da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema). Por meio de um termo de cooperação técnica entre a Uece e a empresa Seteg Soluções Geológicas e Ambientais que o estudante de graduação em Ciências Biológicas da Uece Igor Freitas Gutierrez foi enviado para uma capacitação para o uso do equipamento em Minas Gerais.
OTIMIZAR O TRABALHO DE CONSERVAÇÃO
O primeiro teste feito pela equipe da Uece com o drone termal ocorreu em Mulungu, na Serra de Baturité, para localizar o “quandu de Baturité” (Coendou baturitensis), um porco-espinho descoberto no Estado em 2013. Se pelos métodos “tradicionais” os pesquisadores levariam cerca de 5 horas para encontrá-lo, com o drone ele foi localizado em menos de um minuto. “É realmente uma tecnologia que avança em muito a facilidade, a velocidade com a qual fazemos pesquisas em conservação de fauna”, afirma Fernandes.
A próxima experiência com o drone termal já tem data marcada. “O processo de procura desses animais criticamente ameaçados de extinção ou elusivos já começou. Então, agora vamos testar a capacidade do drone de identificar animais no mar”, conta Fernandes. No dia 1º de fevereiro, a equipe vai para Icapuí, a cidade mais oriental do Ceará, para tentar localizar peixe-boi.
Não sei se vai dar certo, porque não sei se eles vão emitir calor suficiente para serem descobertos pelo drone. Mas vamos ter essa resposta muito rápido porque em Icapuí a (ONG) Aquasis tem um semi-cativeiro no mar, onde tem peixes-bois que serão reintroduzidos na natureza. Depois disso, então, começamos as expedições atrás do esquilo da Aratanha e de outros animais que porventura entrem no nosso rastreamento.
Igor Gutierrez complementa que, caso seja possível identificar os peixes-bois com o equipamento, há o potencial de otimizar o trabalho da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis) no monitoramento dos animais depois de soltos.
“Quando eles soltam o bicho, eles têm que ficar procurando com a antenazinha de rádio para saber se o GPS apita ou não, para saber se estão perto do bicho ou não. Com o drone, conseguiríamos mapear, varrer toda aquela área específica do mar, para ver se encontramos o bicho ou não”, comenta.
O futuro biólogo destaca que a utilização do drone é uma técnica não invasiva. “Ou seja, pode ser utilizada sem interferir no comportamento do animal”, aponta Igor. Além disso, ele defende o uso dessa tecnologia para otimizar o trabalho na conservação de faunas e gerar resultados melhores, mais rapidamente e com melhor qualidade.
“Muitos biólogos têm um pouco de receio dessa tecnologia porque acham ela veio para substituir o trabalho do biólogo em si. Na verdade, nosso intuito não é esse. É fazer com que a tecnologia, junto aos outros métodos tradicionais, possa contribuir para nossas pesquisas de conservação”, afirma.
Hugo Fernandes também aponta que a ciência e a tecnologia precisam estar a serviço do meio ambiente. No caso do drone termal, ele exemplifica as possibilidades de uso do equipamento para monitorar a qualidade de solo e da água. “As universidades precisam se arvorar disso também e fornecer aos alunos uma formação que atenda essas novas necessidades, esse futuro que, na verdade, já chegou.”
USO NO COMBATE AO INCÊNDIO DO COCÓ
O drone com câmera termal foi utilizado para mapear a área de fogo durante o incêndio que atingiu o Parque do Cocó na última semana. Com isso, foi possível auxiliar os agentes do Corpo de Bombeiros na tomada de decisões.
Hugo Fernandes explica que, em relação à fauna, a principal preocupação era a criação de “ilhas” de mata cercada por fogo, deixando os animais isolados. Foi com as imagens captadas pelo drone que se identificou essa possibilidade antes que ela ocorresse. “Isso foi identificado e debelado pelos bombeiros, e essa ilha não se formou”, lembra o pesquisador.
Igor relata que, apesar da tristeza pela situação em si, ficou feliz de poder contribuir para o combate ao incêndio. Para Igor, a experiência foi “enriquecedora” e mostra o quanto essa tecnologia pode ajudar para a conservação do meio ambiente.