Do Açude Castanhão ao preço da água: o que mudou dois anos após inauguração da Transposição no Ceará

Para especialistas, a Transposição tem conseguido cumprir seu propósito maior, que é fortificar a segurança hídrica do Estado

Em junho de 2020 era inaugurado o Eixo Norte do Projeto de Integração da Transposição do Rio São Francisco (Pisf), responsável por levar água ao Castanhão, o maior e mais importante açude cearense, encarregado do abastecimento de mais de 4 milhões de pessoas. Pouco mais de dois anos depois, quais foram os avanços conquistados no Ceará pela maior obra hídrica do Brasil? Quais garantias ela trouxe e quais pontos ainda precisam avançar?

Para responder essas e outras questões, o Diário do Nordeste ouviu especialistas. O consenso entre eles é de que a Transposição tem conseguido cumprir seu propósito maior, que é fortificar a segurança hídrica do Estado. Apesar dos pontos positivos destacados, há "questões importantes a corrigir", conforme destaca o professor da UFC, Cleiton da Silva Silveira.

Dentre essas ressalvas apontadas pelo docente universitário, destaca-se o alto preço da água para o Estado. "O custo de manutenção da infraestrutura [do Pisf] pode aumentar o custo da água, embora isso represente segurança hídrica e até energética para o Ceará, visto que as térmicas são também usuárias de água no Estado".

O docente do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC também destaca o "surgimento de passagens molhadas" ao longo do percurso das águas como um ponto negativo da Transposição. "Em alguns casos, essas passagens podem danificar vias de transportes", pontua.  Apesar destas questões, Cleiton reconhece que os pontos positivos da Transposição sobrepõem os negativos.

"A água é necessária para atendimento das cidades, indústria, agricultura, pesca, dentre outras questões. A segurança produzida pela infraestrutura e a redução dos riscos de desabastecimento destes usos são aspectos que ao colocarmos frente aos aspectos negativos sobrepõem-se", avalia. 

O diretor de Operações da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Bruno Rebouças, concorda. Segundo ele, a Transposição do Velho Chico foi positiva e, nesses dois anos, "aumentou a segurança especialmente na parte que percorre desde o Cariri à Região Metropolitana".

A Bacia Metropolitana, que aglutina os açudes que abastecem a RMF, conquistou importante recarga hídrica neste ano. Esse volume, contudo, adveio exclusivamente das águas das chuvas.

"Essa quadra [chuvosa] foi importante, pois os açudes da Bacia não precisaram da água do Castanhão, logo, o mais importante açude teve suas águas preservadas", pontuou o titular da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) do Ceará.

O principal ponto positivo da Transposição é a segurança hídrica trazida por essa infraestrutura, especialmente em cenário de eventos extremos de seca, como o que foi vivenciado nos últimos anos. 
Cleiton da Silva Silveira
Professor da UFC

Conforme pondera Bruno Rebouças, o cenário que já é positivo pode ficar melhor diante da expectativa de o Estado receber água através do Ramal do Salgado - obra que ainda está em fase licitação para ser implantada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

Pode nos trazer mais segurança hídrica, uma vez que o Ramal fica mais próximo ao Castanhão e entregará água em um leito de rio que tem mais eficiência de transporte. 
Bruno Rebouças
Diretor de Operações da Cogerh

Transporte de água estratégico 

As chuvas no Ceará se concentram majoritariamente no primeiro semestre, em especial entre os meses de fevereiro a maio. Foi justamente este período o escolhido para que ocorresse a transposição das águas. A escolha é estratégica.

"O Estado tem optado em receber a vazão durante o primeiro semestre dado a eficiência da transferência, uma vez que o trecho de Rio de leito natural é um trecho bastante extenso onde as chuvas garantem uma maior eficiência na operação", justifica Rebouças.

Desta forma, transferir as águas no segundo semestre, quando não há chuva, teria maior quantidade de perda das águas por evaporação, deixando a operação inviável. 

No segundo semestre, completa o diretor da Cogerh, "estamos usando a água pela primeira vez justamente para poder aferir as perdas. Nesse momento o teste está sendo proporcionado, em acordo com o MDR, para justamente realizar uma avaliação de perdas na operação".

Ao final do estudo, acrescenta Bruno, o Estado irá juntamente com o MDR avaliar a pertinência de manter a operação no segundo semestre ou não.

A vazão que é liberada para o Estado do Ceará, assim como os demais Estados atendidos, é fruto de um Plano de Gestão Anual pautado no Plano de Operação Anual, que é enviado pelos Estados durante o segundo semestre para o operador nacional. 

Conforme Francisco Teixeira, a vazão, neste ano, não foi preponderante para o aumento da garantia hídrica deste ano no Ceará. Do total de 1,2 bilhão de metros cúbicos conquistados em 2012, pelo Castanhão, apenas cerca de 10% foi proveniente das águas da Transposição do Rio São Francisco.

Apesar dessa "independência" conquistada, Teixeira se mostra cauteloso ao falar sobre os próximos anos. Segundo ele, é preciso observar como serão as próximas quadras chuvosas para, então, avaliar o quão dependente o Castanhão está da Transposição.

Mais de 12 milhões de beneficiados 

O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (Pisf) tem por missão garantir a segurança hídrica em 390 municípios nordestinos, em população estimada de 12 milhões de pessoas - dentre as quais mais de um terço estão no Ceará. 

A obra foi iniciada em 2007 e teve diversas interrupções, acarretando na postergação do prazo de conclusão.

Antes da chegada ao Açude Castanhão, as águas passavam pelas cidades cearenses de Jati, Missão Velha, Icó, Aurora, Lavras da Mangabeira, Jaguaribe e Jaguaribara. Espera-se aumentar a oferta hídrica per capita em médio prazo para o consumo humano, atividades agrícolas e industriais.

O objetivo, segundo a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaína (Codevasf), é garantir maior igualdade de oportunidades de emprego e renda para a população residente por meio do fornecimento de água para o uso múltiplo, especialmente pelos rios intermitentes, com prioridade para as áreas de maior densidade demográfica.

Conforme a Codevasf, designada como operadora oficial do Projeto, ao mesmo tempo em que busca garantir o abastecimento por longo prazo de grandes centros urbanos da região, como Fortaleza, Juazeiro do Norte, Crato, Mossoró, Campina Grande, Caruaru, João Pessoa e de outras cidades de pequeno e médio portes do Semiárido, "o Projeto beneficia áreas do interior do Nordeste com potencial econômico, importantes no âmbito de uma política de desconcentração do desenvolvimento nacional".

A Transposição tem extensão de 477 km, entre os dois Eixos de transferência de água - Norte (que diz respeito ao Ceará) e Leste. O Projeto integrará a bacia do São Francisco com as bacias dos rios Jaguaribe, Piranhas Açu e Apodi "por meio da implantação de canais, drenagem, estações de bombeamento e adução".

Cidades da RMF que têm transporte público coletivo:
  • Aquiraz - 81.581 habitantes
  • Cascavel - 85.850 habitantes
  • Caucaia - 368.918 habitantes
  • Chorozinho -  20.286 habitantes
  • Eusébio - 55.035 habitantes
  • Fortaleza - 2.703.391 habitantes   
  • Horizonte - 69.688 habitantes   
  • Maracanaú - 230.986 habitantes   
Cidades da RMF que não têm transporte público coletivo:
  • Itaitinga - 38.661 habitantes  
  • Guaiúba -  26.508  habitantes
  • Maranguape - 131.677 habitantes
  • Pacajus - 74.145 habitantes
  • Pacatuba - 85.647 habitantes
  • Pindoretama - 20.964 habitantes
  • São Gonçalo do Amarante - 49.306  habitantes
  • Paraipaba - 33.232 habitantes
  • Paracuru - 35.526 habitantes
  • Trairi - 56.653  habitantes
  • *São Luís do Curu -  13.086  habitantes
    * Por ter menos de 20 mil habitantes, a cidade não é obrigada, por lei, a ofertar o transporte coletivo.