Diário de bordo em vídeo: cearenses cruzam Oceano Atlântico para pesquisar avanço da poluição no mar

Amostras de água e de sedimentos foram coletadas durante 26 dias para entender a dispersão do poluente; UFC é única instituição brasileira na iniciativa

Na imensidão do Oceano Atlântico, duas pesquisadoras cearenses buscam dados sobre um poluente de tamanho tão pequeno a ponto de não ser visto a olho nu: os microplásticos. A bordo do Navio Hespérides durante 26 dias, foram coletadas amostras de águas e de sedimentos para estudos de relevância voltadas à preservação marinha e da saúde humana.

A equipe faz parte do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), que é a única representante brasileira na pesquisa com participação de estudiosos de Portugal, Espanha e Itália. 

O grupo integra o Projeto Internacional I-plastics - consórcio com pesquisadores de cinco instituições de ensino. O embarque aconteceu em Salvador, na Bahia, no dia 26 de abril. Já o desembarque foi em Cartagena, na Espanha, no último sábado (21).

"Temos a possibilidade de ter um trabalho mais completo, já que não vão ser só dados localizados, mas costeiros, de mar e de oceano aberto. O diferencial está em termos uma correlação de dados, que se complementam", resume a mestranda Yasmin Barros.

Essa análise acontece para investigar como acontece a dispersão do microplástico no Oceano Atlântico e a interferência das correntes marítimas e do vento nesse processo.

O que são os microplásticos?

São partículas do material menores do que 5 mm e que podem interagir com o ambiente marinho, poluindo esses espaços e sendo ingeridos por animais. Entenda melhor com a pesquisadora:

Entre os desafios para a compreensão do impacto do poluente na natureza está o conhecimento sobre a fonte de origem. Com a análise da dinâmica das correntes é possível ter uma dimensão da localidade, mas sem tanta precisão.

“As dificuldades que a gente tem de entender, com relação ao macro e ao microplástico nos oceanos, é a origem. Por exemplo, a gente pode ter encontrado microplásticos no meio do oceano, mas quem foi que jogou?”, frisa Yasmin.

Ravena Santiago, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Marinhas Tropicais do Labomar, acrescenta que foram obtidos dados dos parâmetros físico-químicos da água.

"A expedição teve o propósito de analisar uma série de indicadores ambientais durante um trajeto vertical subindo o Oceano Atlântico para entender como esses fatores são influenciados pelas diferentes massas de água e zonas latitudinais", frisa.

Com isso também serão produzidas informações para detalhar a situação em pontos específicos do Oceano.

"Esse trabalho é de grande relevância, porque no final será possível ter um trajeto quase contínuo dos microplásticos encontrados no Oceano Atlântico e verificar qual região há uma maior abundância", conclui.

Rotina de coleta

A dupla cearense coletou material ao longo da expedição para análise da presença de microplásticos com auxílio de redes para filtragem.

"Enquanto o navio estava se deslocando, a gente captava essa água, que passava por uma peneira. Entre 4h e 7h a gente limpava esse equipamento e colocava todo o material reservado em um recipiente com álcool para conservar por mais tempo", explica Yasmin.

Depois do embarque, uma falha técnica acabou por interferir negativamente na logística para a coleta de plâncton. "Nós encontramos algumas dificuldades com relação ao equipamento e ficamos impossibilitadas de coletar sedimentos", contextualiza.

As condições para a coleta foram outro desafio para as pesquisadoras cearenses. Ravena destaca que para realizar um estudo tão abrangente e duradouro há a exigência de aparato técnico e científico.

“Muitas partes tinham mais de 5 mil metros de profundidade, coletar água e sedimento assim não é fácil e alguns imprevistos atrasaram as coletas”, pontua. O material coletado terá uma importância significativa para um entendimento maior, por exemplo, do impacto no clima.

"As amostras de água foram filtradas para análise de carbonato de cálcio e cocolitoforídeos, que são organismos unicelulares parte dos fitoplânctons”, detalha Ravena. Esse é um tipo de organismo que funciona como base da cadeia alimentar em ambientes aquáticos.

“A floração deles pode ter o potencial de afetar o sistema climático global, além disso pode levar ao aumento ou redução da quantidade de carbono na atmosfera", acrescenta.

Os efeitos reais no clima são difíceis de mensurar uma vez que é necessário uma análise de uma série de fatores, esse trabalho vai ser de grande importância para verificar as condições do ciclo biogeoquímico no oceano
Ravena Santiago
Mestranda em Ciências Marinhas

Experiência para o futuro

Ao chegar na Espanha, será feita análise da contagem e da composição, além de um apurado sobre como acontece a dispersão dos microplásticos no Oceano Atlântico.

"A próxima etapa dos estudos é levarmos as amostras para análise nos laboratórios. No caso, tudo indica que essas amostras coletadas vão ficar aqui em Barcelona, no Instituto de Ciências e Tecnologia Ambiental, aqui da Universidade", detalha Yasmin.

Participar deste grupo internacional não só tem relevância para o estudo global, como para a trajetória da dupla na Ciência. As duas, inclusive, desenvolvem pesquisas sobre microplásticos no Ceará.

"Na minha formação profissional, principalmente eu como oceanógrafa, ter uma experiência científica embarcada é muito importante, principalmente, quando se está ligado a outras universidades”, frisa.

Temos a oportunidade de compartilhar o conhecimento, de quebrar barreiras da ciência. Pra mim, essa experiência me permitiu tocar na certeza que a Ciência está unida, somos pesquisadores e pesquisadores com objetivo em comum: zelarmos pelo meio ambiente
Yasmin Barros
Mestranda em Ciências Marinhas Tropicais

O cansaço não se impõe à sensação de descobrir pelos processos científicos e de dar um retorno para a sociedade, como define Ravena. "Eu agora trago muito conhecimento para melhoria e continuidade da pesquisa sobre microplásticos no litoral de Fortaleza".