De máscaras a vacinas: após 1 ano da reabertura no Ceará, o que aprendemos e o que esperar agora

Infectologista analisa medidas para conter a transmissão em um dos momentos mais dramáticos da pandemia e perspectivas para o retorno à vida sem restrições

Como estava sua rotina há exatamente um ano? Ao sair de casa, os cearenses eram acompanhados pela tensão depois de um dos momentos mais dramáticos na 2ª onda da pandemia. Mas, naquele momento, a campanha de imunização começou a avançar e os registros da Covid-19 a cairem. No dia 10 de abril de 2021,foi anunciada a reabertura econômica.

Isso depois do isolamento mais rígido, conhecido como lockdown, quando apenas serviços considerados essenciais poderiam funcionar e a população enfrentava as restrições de encontros sociais. Hoje, com mais de 80% da população vacinável com as duas doses contra a Covid, o cenário em nada lembra aquele momento.

Keny Colares, médico infectologista e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), analisa a relevância do lockdown para evitar mais mortes pela doença, a perspectiva do cenário local com o aumento de casos no exterior e medidas de flexibilização da pandemia.

Esforço para salvar vidas

Há 1 ano começou a flexibilização do lockdown na 2ª onda da pandemia. Hoje, como o senhor avalia a efetividade da medida de restrição?

"Há um ano a gente estava enfrentando a maior onda de todas, de casos e de óbitos, quando a gente perdeu mais vidas, na virada de 2020 para 2021.

Obviamente, todo esforço que pode ser feito para reduzir o número de casos, reduz o número de óbitos e poupa vidas. Acredito que não exista nada mais valioso do que isso. Então, acho que foi uma medida adequada.

A gente não conseguiu fazer no Brasil lockdown rigoroso, do jeito que é para ser feito, pelas limitações, a compreensão da sociedade e a falta de apoio do Governo Federal, que estava contra todas essas medidas".

"O nosso lockdown nunca foi completo, ou seja, talvez pudesse ter sido melhor feito se houvesse melhores condições. Mas com certeza a gente deve ter poupado muitas vidas.

Eu não teria dúvidas em dizer que é uma ferramenta que funciona, o mundo todo respeita. É claro que o lockdown tem seus efeitos colaterais e deve ser utilizado no momento correto e de uma forma correta

Como a gente não conseguiu implementar isso com o rigor que seria necessário, a gente acabou tendo lockdowns parciais, que duraram muito mais tempo do que um lockdown rigoroso".

"Quando não tem o lockdown, não tem o efeito completo e às vezes tem de passar 4 semanas, 6 semanas, 2 meses de lockdown parcial. O que acaba, no final das contas, não tendo a mesma eficácia.

Mas foi o possível de ser feito, naquele momento, pelas autoridades de saúde por falta de organização e de apoio. O País precisaria estar muito organizado e muito unido e o comando deveria partir do Ministério da Saúde, que estava na contramão das medidas.

Tanto é que a gente teve de organizar o Consórcio Nordeste para tentar se defender e se organizar regionalmente". 

Agora, estamos num contexto de alta cobertura vacinal e flexibilização das medidas. Ainda assim, vemos países europeus e asiáticos retomando restrições. Quais são as perspectivas para o nosso cenário?

"A maioria dos dados atuais do Ceará são muito bons, a gente tem uma estabilidade que se aproxima de novembro de 2021, que foi um dos melhores momentos de toda a pandemia em termos de números de casos e de mortes.

Nós estamos muito perto de chegar nessa situação de estabilidade, o que é muito bom, mas a dúvida é quanto tempo isso vai se manter. Essas ondas e variantes têm acontecido com intervalos, geralmente, de 4 meses entre uma e outra.

Eu não sei se até o final do semestre vai aparecer alguma outra coisa ou não. Pode ser que não apareça. Nesse sentido, o panorama é favorável, mas o futuro próximo é uma interrogação.

Como existem alguns lugares no mundo em que os casos estão aumentando e o Ceará é uma rota turística nacional e internacional, a gente tem que olhar para a nossa realidade, mas ficar olhando para fora. Rapidamente os viajantes trazem vírus novos se a gente não tiver muito cuidado.

Aprendizado

Antes de o coronavírus chegar ao Brasil, falávamos sobre “etiquetas sociais” a adotar. Hoje, essas práticas – como não sair de casa gripado, por exemplo – deveriam estar incorporadas. O senhor acha que a sociedade de fato aprendeu?

"Toda situação dolorosa que a gente passa deixa algum aprendizado, que a gente pode aproveitar ou não. A gente tem que fazer uma campanha de estimular as pessoas a não voltar à estaca zero.

Existe uma certa tendência a simplificar o máximo a vida e para adquirir novos hábitos às vezes precisa de propaganda, esclarecimentos, conversas. É natural que algumas pessoas tenham adesão maior às medidas e outras mais resistentes.

Mas eu imagino que nós temos o potencial de adquirir alguns hábitos importantes, como melhorar o isolamento de pessoas com sintomas respiratórios

Outros países, principalmente os asiáticos, já tinham a máscara como ferramenta, não obrigatória o tempo todo, mas que já faz parte da vida das pessoas quando elas detectam uma situação de maior risco.

Talvez a gente adquira a ideia de usar a máscara em situações especiais, ou seja, continuar vendo as pessoas de máscara como algo natural.

Antigamente se uma pessoa ficava gripada não se preocupava em fazer teste para saber qual o vírus. Nem tinha teste para fazer. Então, eu acredito que essa parte do diagnóstico precisa melhorar e que se desenvolva no futuro. Que os serviços tenham testes para serem feitos".

Como avalia a adaptação do comércio e dos serviços essenciais, como as escolas, quanto às medidas de prevenção à Covid?

"É possível que tenha de ser mudado nossas estruturas, a ventilação, a abertura dos ambientes, porque a gente não tinha previsão de lidar com uma situação como essa. Isso influencia a forma como os ambientes vão ser configurados partindo do pressuposto que eles podem ser bem preparados para épocas como essa.

Existem especialistas e literatura sugerindo que coisas como esta, seja por esse vírus ou por outros, tendem a se tornar mais comuns à medida que a população do mundo cresce de forma importante, a aglomeração de pessoas nas grandes cidades, com as pessoas viajando mais e cada vez mais rápido.

É natural que a gente, aos poucos, comece a ter ambientes preparados para redução de risco".

Quando o uso de máscaras deixará de ser obrigatório?

Muito se questiona sobre a desobrigação do uso de máscaras. Em que momento isso será seguro?

"As máscaras e as vacinas foram os instrumentos mais importantes de combate à pandemia e é uma dúvida muito grande, naturalmente, na tomada de decisão de quando flexibilizar as máscaras, especialmente, em ambientes fechados que o risco de transmissão aumenta muito nesses ambientes e se tiver mais pessoas.

É uma grande interrogação sobre quando será o melhor momento para fazer isso. Eu acho que as autoridades sanitárias locais de Fortaleza e do Ceará costumam ser bem cuidadosas.

A cada aumento de casos vai significar alguma morte e cada morte é uma perda, então têm sido feitos esses passos lentamente e observando os indicadores.

Alguns estados e cidades lideraram essas mortes mais cedo e a gente fica observando se houve algum tipo de piora. Por enquanto, parece que está indo tudo bem. Então, acredito que nas próximas semanas vai chegar o momento em que o Governo vai avaliar esse cenário e optar por dar mais um passo e flexibilizar as máscaras em ambientes fechados.

Algumas pessoas vão querer continuar usando e devem continuar usando, especialmente, pessoas com sintomas respiratórios, idosos e pessoas com doenças crônicas. Pode ser interessante para elas continuar usando, mas não obrigatório para todo mundo.

Talvez no final desse mês ou no começo do próximo vai ser dado um novo passo, sempre dentro daquela perspectiva de que se houver alguma piora os passos vão ter de ser dados para trás. Se começar a aumentar o número de casos, são dados passos em termos de enrijecimento das normas".

Na sua visão, este é o último ano de pandemia? O que a Covid vai representar pro nosso dia a dia, nos próximos anos?

"É bem difícil a gente prever isso com precisão. A gente já viu e decretou o fim da pandemia algumas vezes e, de repente, vem uma outra onda e nos surpreende. Como acabamos de ter uma onda em janeiro - e essas ondas têm mantido uma distância de 3 ou 4 meses - acredito que só o passar dos meses vai dar um pouco mais de certeza.

Então, nesse momento em que nós estamos há 3 meses da última onda, talvez dentro de 1 ou 2 meses estejamos enfrentando uma nova onda ou talvez não. Isso é uma determinante da natureza que a gente não controla: a emergência de uma nova variante.

A única coisa que a gente pode fazer para tentar impedir as variantes é reduzir a transmissão do vírus. A cada mês que se passar e a gente não tiver uma nova onda pandêmica, como a gente teve agora em dezembro e janeiro, mais a gente vai ficando tranquilo.

Se até o final do ano a gente não tiver tido mais ondas, a gente pode dizer que realmente parece que a fase pandêmica passou por mais que a doença possa ficar circulando em menor proporção com menos intensidade e número de casos. Só o tempo vai dizer e é difícil a gente ter uma previsão precisa".

Qual a perspectiva quanto às novas doses da vacina contra a Covid para a população em geral?

"Isso depende um pouco dos indicadores. Existe um consenso que a 3ª dose foi muito importante, mas já não existe um consenso que a 4ª dose seja tão importante assim e por isso o Brasil optou por fazer a 4ª dose para indivíduos de alto risco.

A quantidade de vacinas que a gente precisa depende da ameaça que a gente enfrenta. Se houver redução do número de casos, é possível que a gente espace esses reforços e que eles sejam feitos a cada 6 meses ou a cada ano.

Ou a gente pode chegar a conclusão de que eles não são mais necessários, tudo depende da ocorrência nos próximos meses. 

Por enquanto, a 3ª dose é e foi muito importante para evitar mortes durante essa onda. Já nos estudos feitos com a 4ª dose, a diferença entre quem recebeu 3 e 4 não é muito grande - pelo menos o que os primeiros estudos começam a colocar.

Então, talvez seja melhor garantir a 3ª dose para mais gente do que pensar a 4ª dose para quem já tem 3. À medida que o carro vai andando, a gente vai aprendendo e fazendo os ajustes".