A disputa de território entre Ceará e Piauí, que é centenária e abrange 13 municípios, pode levar a população cearense a perder o acesso a diversos equipamentos públicos – como escolas, postos de saúde e até locais de votação que pertencem ao Ceará, mas estão na área de litígio com o estado vizinho.
As informações são de mapeamento do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), consolidado em 2022 e divulgado nessa terça-feira (20), no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Fortaleza.
A lista com os tipos de “bens” concretos, ambientais e históricos cearenses foi apresentada junto à pesquisa socioeconômica para avaliação de serviços públicos e percepção dos moradores sobre o “sentimento de pertencimento”.
Juntos, as escolas, unidades de saúde, torres eólicas, Unidades de Conservação (UCs), assentamentos rurais e quilombolas, terras indígenas e sítios arqueológicos somam 383 bens pertencentes ao Ceará, mas localizados no trecho em disputa.
Entre eles, estão o Parque do Cânion Cearense do Rio Poti (entre Poranga e Crateús), a Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti (em Crateús, Poranga e Ipaporanga) e a APA Serra da Ibiapaba.
Além desses bens, constam na lista locais de votação, templos religiosos, estradas, infraestruturas viárias e elétricas, entre outros equipamentos.
Cleyber Nascimento, analista de políticas públicas do Ipece, explica que foi feito um mapeamento de todas as estruturas e infraestruturas construídas e mantidas pelo Ceará. "Em um próximo estudo que nós iremos elaborar é no âmbito do impacto econômico dessas estruturas", adiante.
Existe uma estimativa de que os 13 municípios cearenses na área de litígio representavam, em 2020, cerca de R$ 6,5 bilhões ou 4% do Produto Interno Bruto.
O principal receio da população, quando perguntada se preferia ser cearense ou piauiense, era da identidade cultural e de se perder os serviços públicos que, historicamente, é beneficiada com educação e saúde
Além disso, como observado pelo Grupo de Trabalho, a população busca atendimento nas unidades de saúde regionalizadas, como o Hospital Regional Norte, em Sobral.
Mas, em um cenário no qual o Piauí absorva os municípios atualmente pertencentes ao Ceará, o que aconteceria com os equipamentos públicos?
"Esse ponto ainda vai ser definido pelo Supremo Tribunal Federal, porque há uma série de infraestrutura construída e mantida há bastante tempo pelo Estado do Ceará. Caso o Piauí vença a ação judicial, o STF vai apontar como seria feita uma possível indenização para o Ceará e como ficaria a administração dos serviços públicos", responde Cleyber.
O analista também pondera que georreferenciar equipamentos públicos na região do litígio “contribui para que seja avaliada a jurisdição administrativa das localidades, assim como para que se identifique quem de fato presta os serviços públicos à população residente nessas áreas”.
Acesso aos serviços básicos
Em pesquisa elaborada a partir de entrevistas com moradores de 417 domicílios na área em disputa, foi constatado que a maioria utiliza as estruturas cearenses quando necessita de algum serviço público como saúde, educação ou segurança.
Em domicílios onde algum morador estuda em escola pública, 96,6% estão matriculados no Ceará. Dos entrevistados, 89% confirmam que são atendidos em unidades de saúde estaduais ou municipais cearenses.
Fornecimento de água e energia, bem como acesso a delegacias de polícia, também são garantidos por empresas e equipamentos vinculados ao Ceará.
População prefere ser do Ceará
A pesquisa sobre o sentimento de pertencimento dos cearenses em relação ao território, que integra, além do Ipece, a Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), a Universidade Estadual do Ceará (Uece) e secretarias e órgãos estaduais, destaca também que a maioria (87,5%) da população escolheria ficar no Ceará, caso precisasse optar.
Do total, 81,8% nasceram no estado cearense, e mais da metade vivem na região há mais de 30 anos. Além disso, mais de 90% dos entrevistados afirmaram que a propriedade onde moram é registrada no Ceará.
Entenda o litígio
A disputa entre os dois territórios é centenária, se estende desde registros cartográficos dos anos 1800; mas se firmou no âmbito judicial em 2011, quando o Piauí recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre o impasse.
A área em litígio é de aproximadamente 3 mil km², abrangendo parte dos municípios de Poranga, Croatá, Tianguá, Guaraciaba do Norte, Ipueiras, Carnaubal, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Ipaporanga, Crateús, Viçosa do Ceará e Granja.
Atualmente, de acordo com o procurador geral do Estado, Rafael Machado, “a ação está em fase de perícia pelo Exército Brasileiro, que vai se ater a documentos históricos e cartográficos”.