O Ceará tem uma angustiante fila de espera para procedimentos oncológicos com a necessidade de 10.671 vagas para tratamento. Essa é a realidade de pacientes aguardando por consultas iniciais, radioterapia, quimioterapia e cirurgias neste ano, como consta num levantamento oficial assinado no dia 31 de março.
As informações foram obtidas pelo Diário do Nordeste no Levantamento dos dados sobre a Assistência de Alta Complexidade em Oncologia do Ceará, feito pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) e Comissão Intergestores Bipartite (CIB/CE).
A situação é mais grave para aqueles com recomendação de cirurgia, porque essa espera alcança 6.182 pessoas. Na sequência, os pacientes com necessidade de quimioterapia ou terapia hormonal somam 3.598 na fila.
Pelo menos 860 pessoas não tiveram acesso nem mesmo à consulta inicial, quando os exames são analisados, e 31 pacientes aguardam por radioterapia. O cenário muda constantemente e deve ter sofrido alterações desde o fechamento dos dados.
Mas esse retrato foi elaborado para solicitar a habilitação dos hospitais regionais para a realização desse tipo de tratamento. Também foi solicitado aporte de R$ 95,2 milhões no pedido feito ao Ministério da Saúde (MS) pela Sesa e CIB/CE.
A ideia é reestruturar a rede estadual, com unidades distribuídas em Fortaleza, Sobral e Barbalha, para atender a demanda, como explica Sayonara Cidade, vice-presidente da CIB/CE e presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems).
Procurada pela reportagem, a Sesa informou que vem desenvolvendo, em parceria com o Ministério da Saúde, estratégias para aprimorar a assistência oncológica de alta complexidade em âmbito estadual. "Após a realização de estudos técnicos, o Governo Federal, responsável pelo custeio, deverá ampliar o repasse de recursos ao Estado para dar celeridade ao andamento da fila por um primeiro atendimento, hoje composta por 825 pessoas", atualizou.
Unidades com fila de espera
- Hospital Geral de Fortaleza (HGF)
- Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS)
- Hospital Cura Dar´s – São Camilo
- Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza
- Hospital Universitário Walter Cantídio (HU)
- Centro Regional Integrado de Oncologia (CRIO)
- Hospital Fernandes Távora
- Instituto do Câncer do Ceará (ICC)
- Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Sobral
- Hospital Maternidade São Vicente de Paulo
“Nós fizemos uma apresentação para o Ministério da Saúde exatamente para poder habilitar os serviços e ampliar o acesso das pessoas aqui no Ceará”, detalha. Sayonara indica um otimismo para a aprovação do pedido do aporte ainda neste semestre e da habilitação até outubro.
A reportagem buscou o MS para ter um detalhamento sobre o pedido estadual no que diz respeito ao aumento do financiamento da rede oncológica, mas não obteve resposta até a publicação deste material.
Porém, o que explica essa quantidade de pessoas em busca de tratamento contra o câncer? Especialistas apontam que esse é um problema antigo e complexo de resolver, mas houve uma intensificação nos últimos anos.
Para Sayonara, o aumento está ligado à maior capacidade de diagnóstico com uma rede de 23 Policlínicas, além dos Centro de Especialidades Odontológicas (Ceos). São, pelo menos, 4 linhas de cuidado: mastologia, urologia, gastrologia e nefrologia.
“Nós temos os mesmos serviços habilitados há alguns anos e a proposta do Estado é habilitar os hospitais regionais em alta complexidade para oncologia, neuro, ortopedia e oncologia”, detalha a presidente do Cosems.
Além disso, a concentração dos recursos financeiros e de profissionais para a crise da saúde causada pela pandemia da Covid-19 prejudicou os pacientes com outras doenças, como os diversos tipos de câncer. Confira um trecho do documento elaborado:
Tendo em vista os dados coletados,verifica-se a existência de uma fila de espera longa devido a grande demanda de pacientes, onde torna os serviços insuficientes causando assim um déficit financeiro, sobretudo levando em consideração o cenário da Pandemia de COVID-19 que comprometeu de forma significativa a execução de ações e serviços
Custos do tratamento
Por ano, no mínimo, são realizados 600 procedimentos de radioterapia por equipamento de megavoltagem – o Estado possui 19 dispositivos na rede –, 5.300 sessões de quimioterapia e 650 cirurgias oncológicas.
Os gastos com radioterapia, em quatro unidades da rede estadual, cresceram 10% entre 2021 e 2022 – foram 7.117 procedimentos em um ano e 7.640 no seguinte. Os valores passaram de R$ 29,7 milhões para R$ 32,7 milhões no período.
Mais procedimentos de quimioterapia também foram necessários no Ceará: 152.170, em 2021, e 161.209, no último ano. Nesse contexto, os gastos aumentaram de R$ 85,6 milhões para R$ 95 milhões -- também em torno de 10% a mais.
Os procedimentos cirúrgicos com relação ao tratamento contra câncer passaram de 10.637 para 12.031, entre 2021 e 2022. Foi nesse período que os gastos foram elevados de R$ 51,3 milhões para R$ 57,7 milhões.
O levantamento também detalha o excedente financeiro dos procedimentos. O total gasto além do previsto com radioterapia, quimioterapia e cirurgia oncológica foi de R$ 79,9 milhões, em 2021, e R$ 95,2 milhões, em 2022.
O excedente em relação às consultas e exames das unidades exclusivas de oncologia foram de R$ 10,3 milhões, em 2021, e R$ 11 milhões no ano seguinte.
O esforço para conseguir atender a demanda de pacientes com câncer perpassa os demais estados, como reforça Sayonara. Por isso, as entidades buscam mais recursos para fechar essa equação.
“No Brasil como um todo a oncologia está estrangulada, tem uns estudos que apresentam o aumento de câncer em algumas áreas, mas o que acontece é o diagnóstico precoce. As pessoas estão tendo acesso aos serviços e o SUS tem diagnosticado muito”, completa.
O levantamento foi feito recente para que a gente apresentasse a fila real, a partir desse recorte, do que a gente tem necessidade. Claro que todo dia aumenta essa fila, mas a partir do momento do que precisa, vamos ter um plus para atender
Custos do tempo
Markus Gifoni, professor de oncologia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que a espera por atendimento oncológico pode custar a cura do paciente ou a conquista de um quadro confortável.
“Às vezes a gente tem um paciente com dor, mas sem a biópsia não dá para começar o tratamento de quimioterapia ou radioterapia e pode ficar muito tempo esperando. Isso acaba consumindo uma chance maior de conseguir um sucesso”, destaca.
Isso é muito cruel principalmente com a população mais carente, que também é carente de informação e educação. Às vezes tem uma percepção difícil de ir atrás do direito que nem sabe que tem
Poucas semanas podem ser suficientes para alterar o quadro do paciente e mudar as necessidades de intervenção.
“Um paciente na fila de cirurgia, às vezes, para fazer uma tomografia junta o dinheiro da família toda e passa três meses para ser chamado. Quando vai para a cirurgia, o tumor está maior e não dá mais para operar”, detalha.
Situação antiga
Markus descreve as longas filas para atendimentos oncológicos como um problema antigo e complexo. Além da rede própria, o Estado conta com prestadores de serviço como o ICC, Crio e Santa Casa.
Porém, o serviço está centralizado em Fortaleza e isso cria uma dificuldade em relação aos recursos e os deslocamentos dos pacientes.
“Nós temos um cenário de acesso difícil, as prefeituras pactuam a divisão de recursos, mas muitas vezes a dimensão fica um pouco fora da realidade, tanto da população – como Fortaleza que acabando atendendo muita gente do interior”, analisa o especialista.
Com a limitação dos recursos, quando a rede alcança determinado número de pacientes novos é necessário limitar a agenda e abrir novos prontuários apenas para o mês seguinte. “Vários pacientes, de Fortaleza ou do interior, acabam ficando com o atendimento postergado o que, na oncologia, é muito grave”, frisa Markus.
Isso acontece também pela mudança na forma de atender os pacientes. Há cerca de 3 anos, a população poderia abrir um prontuário no sistema onde seria atendida pela suspeita de câncer.
Mas essa logística mudou com o requisito de um atendimento primário e uma solicitação para o sistema de regulação. Isso significa que a rede determina a data do atendimento conforme a disponibilidade de vagas.
“O paciente já vai para o hospital com hora marcada e isso seria muito bom se funcionasse com todos, mas com a limitação de recursos, muitos não conseguem”, exemplifica sobre o caso de quem não consegue se deslocar.
“É importante que haja uma regulação, mas isso chegou num momento difícil da pandemia, com muitos casos avançados. Quando a porta do sistema deveria ser bem ampla para receber todos que precisavam, ela se tornou mais filtrada e houve esse impacto”, conclui.