Crise no IJF: especialistas avaliam se aumento de R$ 85,7 milhões no orçamento para 2025 será suficiente

Lei Orçamentária Anual do ano que vem prevê incremento na verba destinada ao hospital, o maior desde a pandemia

Maior hospital público de urgência e emergência de Fortaleza, o Instituto José Frota (IJF) agonizou, nos últimos meses, diante da falta de insumos, medicamentos e até de profissionais. Para solucionar o cenário, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 prevê um aumento de mais de R$ 85,7 milhões no orçamento do hospital em relação a 2024.

No próximo ano, então, deve ser destinado às despesas da unidade de saúde um montante de R$ 729,5 milhões, 13% acima dos R$ 643,8 milhões previstos na LOA de 2024. O aumento é o maior desde 2021, quando a pandemia de Covid e a inauguração do IJF 2 exigiram incremento dos recursos.

Apesar disso, as novas cifras para 2025 não devem ser suficientes. É o que avalia Cláudio Nascimento, membro do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMSF), órgão que tem fiscalizado a situação do hospital.

“A diretoria do IJF informou, neste ano, que o hospital precisaria de mais R$ 8 milhões por mês para custeio (não incluindo pagamento de pessoal). Isso dá R$ 96 milhões anuais. Se o aumento é de quase R$ 86 milhões, a conta não fecha”, aponta.

Cláudio destaca ainda que a direção do IJF, em diálogo com o CMSF, considerou que “o orçamento é insuficiente para a demanda”, e que a origem da crise no hospital “é centralmente financeira”. “No início do ano, fizeram um diagnóstico situacional e levantaram que havia uma dívida do IJF equivalente a mais de R$ 40 milhões”, declara o conselheiro.

Ainda em relação ao aumento previsto pela LOA 2025, Cláudio questiona “por que o valor é tão diferente do que vinha sendo colocado como orçamento e houve somente agora um incremento dessa magnitude”, já que as necessidades do hospital “eram conhecidas há muito tempo”.

O incremento é “visto com bons olhos” pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), como descreve a promotora de Justiça Karine Leopércio, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde). O órgão acumula denúncias sobre o IJF há pelo menos dois anos.

“Desde 2022 temos um procedimento na promotoria pra acompanhar o estoque de medicamentos e insumos no IJF, porque recebemos denúncias de que ficava deficitário. Nos últimos tempos, essa questão se agravou bastante, e o IJF apresentava pra gente um déficit mensal de R$ 9 milhões, além de déficit de anos anteriores”, retrata a promotora.

Karine afirma que a gestão do hospital reconheceu, em reuniões com o MPCE, que a ampliação de serviços e equipes trazida pelo IJF 2 não foi acompanhada pelo orçamento, resultando em acúmulo de déficit e culminando na atual crise.

R$ 124,7 milhões
foi o incremento no orçamento do IJF de 2020, ano de inauguração do IJF 2, para 2021. Mas o valor não se manteve, caindo R$ 34,3 milhões em 2022.

Só mais dinheiro resolve?

Além de aumentar o aporte de recursos para o hospital, Cláudio Nascimento, do conselho de saúde, frisa que é urgente fazer a recomposição do quadro de funcionários. “Chamar os trabalhadores que não foram convocados no último concurso e, se não forem suficientes, realizar um novo”, sugere.

O conselheiro acrescenta que é preciso “ampliar o sistema tripartite”, ou seja, que a Prefeitura de Fortaleza busque “que o financiamento do hospital se dê com mais abrangência, com a divisão de responsabilidade entre Estado e União, porque há um peso grande no orçamento do município”.

Para Álvaro Madeira Neto, médico sanitarista e gestor em saúde, o incremento orçamentário “é um passo importante”, mas “não pode ser visto como uma única solução para os desafios encontrados no IJF”. “Para dizer se esse valor será suficiente vai depender muito de como ele será aplicado”, resume.

O gestor cita que algumas medidas são fundamentais para otimizar a verba e converter o aumento em melhorias, de fato, para a população atendida, como:

  • Qualificar a gestão do hospital;
  • Melhorar os processos internos, investindo na modernização dos fluxos administrativos e logísticos;
  • Garantir que os profissionais estejam bem preparados e atualizados, o que contribui para a qualidade do atendimento e motiva as equipes;
  • Fomentar parcerias, trabalhando em conjunto com universidades;
  • Fazer monitoramento contínuo de metas e resultados, para corrigir falhas rapidamente.

“O aumento dos R$ 85 milhões é um avanço, sim, mas o sucesso do IJF depende de uma gestão focada que combine eficiência no uso de recursos, com o objetivo de garantir um atendimento digno e humano para a população”, finaliza o médico.

Nesse sentido, a promotora Karine Leopércio garante que o MPCE vai “acompanhar de que forma essa receita que está chegando está sendo aplicada, e o financiamento dos demais entes, para que o IJF funcione na total capacidade instalada”. 

“Se hoje houvesse orçamento, o IJF teria condições de fazer mais cirurgias, mais serviços hospitalares, mas há uma deficiência inclusive de pessoal. É preciso recompor as equipes. Utilizar esse recurso pra utilizar toda a estrutura e a capacidade instalada do IJF”, finaliza a promotora.

O que diz o IJF

O Diário do Nordeste buscou o IJF para saber:

  • Como esse orçamento para 2025 foi definido; 
  • De que forma foi discutido e dimensionado pela gestão do hospital; 
  • Quais os maiores gastos anuais do IJF; 
  • Qual seria o valor ideal do orçamento para evitar falta de insumos e de profissionais ao longo do ano;
  • Se há previsão de convocação de profissionais aprovados em concursos que estão prestes a vencer (dois certames venceram no último dia 10).

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