“Deve existir uma relação estreita entre o ambiente de aprendizado na escola e o ambiente fora da escola.” A sentença, que vem como um alerta, é de Pia Rebello Britto, diretora global de Educação e Desenvolvimento de Adolescentes do Unicef, em entrevista ao Diário do Nordeste durante a reunião do G20 no Ceará, nessa terça-feira (29).
O encontro de técnicos e ministros das 20 maiores potências mundiais e a Reunião Global de Educação (GEM, na sigla em inglês) acontecem, ao longo desta semana, no Centro de Eventos do Ceará, no bairro Edson Queiroz.
Pia Britto, representante de um dos atores mais relevantes das discussões, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), destacou a importância do engajamento entre escola e comunidade e avaliou a importância de fatores como ensino de tempo integral e assistência em saúde mental para a evolução da educação brasileira – e do Ceará.
‘Crianças aprendem além das paredes da sala de aula’
A integração entre a rotina do estudante dentro e fora da escola é um dos tópicos centrais das discussões do G20 no Ceará. Pia destaca que as soluções para gargalos na educação “precisam estar fundamentadas na vida cotidiana das crianças, que estão aprendendo em todos os lugares, além das paredes da sala de aula”.
“O mundo está enfrentando uma crise de aprendizado. Sete em cada dez crianças ao redor do mundo, até os 10 anos, não conseguem ler uma frase básica. Precisamos criar relações que estejam presentes nas vidas que elas levam, nos ambientes que habitam, para que possam aprender melhor”, frisa a representante global do Unicef.
A segurança desses ambientes também é um fator crucial: que influencia, inclusive, na alta das taxas de evasão escolar, que já geram “270 milhões de crianças abandonando a escola” em todo o mundo, como estima Pia.
Pesquisas mostram que quando as crianças vivem em ambientes mais próximos e seguros, a probabilidade de aprendizado aumenta. Principalmente as meninas, quando estão em um ambiente seguro, têm menos chances de abandonar a escola, o que é um grande problema global.
Garantir “segurança”, aliás, não é apenas blindar crianças e adolescentes da violência urbana: mas promover a elas inclusão social, convívio sem discriminações, e infraestrutura de direitos básicos, como acesso a saneamento, segundo frisa Pia Britto, que também é doutora em psicologia do desenvolvimento pela Columbia University, em Nova York.
“É crucial que as crianças não se sintam marginalizadas ou excluídas, e essas ligações entre escolas e comunidades tornam as instituições mais inclusivas. Crianças com deficiência, crianças LGBTQI, todas as que enfrentam algum tipo de exclusão precisam estar juntas”, avalia a especialista do Unicef.
Tempo integral é um acerto?
O fortalecimento da comunidade que rodeia a escola é fundamental, mas investir nas instituições em si, em todas as fases da vida escolar, é indispensável “para mudar os resultados educacionais” em qualquer lugar do mundo, como destaca Pia Britto.
O ensino de tempo integral, com foco nos adolescentes, é avaliado pela diretora como uma estratégia positiva. “Na maioria dos lugares do mundo o foco é nas bases, e depois os alunos do ensino secundário abandonam. O fato de haver um forte foco na educação secundária no Ceará é significativo”, frisa.
Pia justifica que olhar para essa fase é começar “a preparar os jovens para os empregos atuais e para a sociedade em que viverão, o que os capacita a se tornarem cidadãos produtivos, que se sentem empoderados e que conseguem exercer seus direitos básicos” – ideia que, novamente, evidencia o elo entre escola e comunidade.
“Os princípios ou fatores que fundamentam (o que é o engajamento entre escola e comunidade) dizem que, juntos, eles se unem para formar cidadãos produtivos e ativos, contribuindo para a sociedade”, arremata Pia.
‘Saúde mental é área prioritária’
“É uma questão vital”, disse Pia, de forma imediata, ao ser questionada sobre como a saúde mental de crianças e adolescentes interfere nos resultados e no desenvolvimento da educação no Brasil e no mundo.
Ela opina que essa “é uma área que não recebeu a atenção que deveria, mas, por causa da Covid, veio à tona”. Assim, “houve um reconhecimento de que os jovens realmente precisam de apoio para se sentirem bem e poderem participar de seu aprendizado”.
“Precisamos olhar para a situação de aprendizado das crianças dentro do contexto mais amplo do seu bem-estar. E acho que, neste momento, estamos desenvolvendo diferentes modelos ao redor do mundo; para o Unicef, essa é uma área prioritária”, destacou.
dos países monitorados pelo Unicef em estudo recente não conseguem oferecer serviços psicossociais aos estudantes.
A falta de estrutura para lidar com transtornos de ansiedade e depressão, por exemplo, agravados pela pandemia de Covid-19, é multifatorial, como analisa Pia, e aparece desde a falta de profissionais suficientes para prestar a assistência especializada.
A diretora global de Educação e Desenvolvimento de Adolescentes do Unicef aponta que escolas ao redor do mundo têm buscado alternativas inovadoras: desde chatbots até a criação de grupos de apoio entre alunos.
"Esses grupos reúnem jovens e permitem que eles comecem a falar sobre qual é o problema mais desafiador: é depressão? É ansiedade? E, como grupo, como podem se apoiar mutuamente. O apoio entre pares também é uma abordagem muito importante a ser adotada."
As medidas, aliás, devem começar desde a primeira infância. “Porque a biologia do desenvolvimento do cérebro nessas primeiras fases e como isso contribui para a trajetória da saúde mental é fascinante.”