Submeter uma vítima ou testemunha de crimes a procedimentos repetitivos e invasivos, que a levem a reviver o sofrimento, agora é crime. Em vigor a partir desta sexta-feira (1º), a Lei nº 14.321/2022 tipifica o crime de violência institucional na Lei do Abuso de Autoridade (nº13.869/2019).
A pena para atos que se enquadrem no abuso é de multa e detenção de 3 meses a 1 ano. Além disso, pela lei, se um agente público intimidar ou permitir que alguém intimide a vítima de crimes violentos, “gerando indevida revitimização”, terá pena agravada em até o dobro.
O advogado Matheus Braga, presidente da Comissão de Estudos em Direito Penal da OAB/CE, aponta que a definição de violência institucional e de revitimização, por exemplo, já aparecem no Decreto nº 9.603, de 2018, que dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes.
“O que acontece agora é que o sistema entendeu que qualquer pessoa pode figurar nessa posição de vulnerabilidade, não só criança e adolescente. Podemos destacar as mulheres como grupo vulnerável, mas a lei é ampla, abrange todas as pessoas”, explica Matheus.
Naturalmente, essa violência acontece entre 4 paredes, não existem números que mostrem ser mais frequente em delegacias, audiências, salas do Ministério Público. O que temos são casos que repercutem e alertam sobre o problema.
Caso Mariana Ferrer
O projeto que deu origem à Lei nº 14.321 (PL 5091/20) foi proposto por deputados em reação ao abuso sofrido pela modelo Mariana Ferrer, que acusou o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado, em 2018.
Durante a audiência judicial online do caso, que terminou por absolver André, a modelo foi ridicularizada pelos advogados, situação presenciada por agentes do Ministério Público e pelo próprio juiz sem qualquer interferência.
Caso a violência institucional já houvesse sido criminalizada, os agentes públicos poderiam ter sido penalizados.
Violência institucional contra LGBTI+
Assim como as mulheres, outro grupo social entre os mais expostos à violência institucional são as pessoas LGBTI+, “já estigmatizada por natureza”, como observa o advogado André Carneiro, especialista nos direitos dessa população.
Segundo André, o local onde mais ocorre esse tipo de violação contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e outras identidades é a delegacia, embora não haja dados que contabilizem os casos.
As pessoas LGBTI+ já sofrem abusos e violências externas, e muitas vezes quando procuram a delegacia, sofrem novamente, seja abuso psicológico, seja descredibilidade na denúncia. Muitas vezes, o agente público fomenta a violência.
Essa “cultura” repercute, inclusive, na invisibilização das violências, como frisa o especialista. “Tenho dificuldade de ter dados sobre violência doméstica entre casais homoafetivos, por exemplo, porque são estigmatizados quando tentam denunciar.”
Como denunciar violência institucional
O advogado André Carneiro avalia que uma das maiores barreiras para a Lei nº 14.321/2022 ser colocada em prática é a obtenção de provas da violência institucional. Ele indica, então, duas estratégias às vítimas, principalmente ao prestarem depoimentos.
“Sugiro que, ao procurarem o órgão, gravem a conversa com o agente público. É legal, não precisa avisar que está gravando, desde que você seja o locutor, esteja na conversa. E é importante sempre ir acompanhando, porque o terceiro serve de testemunha”, sugere.
A dificuldade de aplicar a lei também é citada pelo advogado Matheus Braga, que destaca a importância de as vítimas terem conhecimento sobre o que é a violência institucional e sobre o direito de denunciá-la.
Elas precisam saber que devem ser amparadas, agentes públicos de qualquer espaço devem agir com respeito. O Estado precisa fazer isso valer, reconhecer a dificuldade de aplicação e empreender um esforço na educação dos envolvidos.
Caso sofra este tipo de violência, a vítima deve recorrer, primeiro, à corregedoria ou à ouvidoria do órgão onde o agente público trabalha, para efetivar a denúncia, segundo orienta André.