Escola vazia, portões trancados. Ruas ao redor cheias de moradores e transeuntes de olhares mais atentos desde quarta-feira (5). A violência no bairro Sumaré, na qual está encravada a Escola de Ensino Médio de Tempo Integral Professora Carmosina Ferreira Gomes, em Sobral, infelizmente, indicam esses moradores, não é rara. Mas isso não significa que o ataque em que um estudante atirou e feriu outros três - deixando um deles internado em estado grave - não tenha causado absoluta e profunda surpresa, bem como gerado uma comoção generalizada.
Nos dias que sucedem a tragédia, muitas são as sensações e manifestações nas apertadas e irregulares ruas do bairro periférico e no entorno, em uma das maiores cidades do Ceará. Município que, nas últimas décadas, espelha para o mundo o que há de melhor nas experiências da educação pública, Sobral, contraditoriamente, na última quarta-feira, ganhou holofotes por um fato tão inesperado, quanto indesejável.
“Ouvi a correria. Foi tão esquisitio que nem cheguei a ouvir os tiros. Só vi as crianças correndo e saindo da escola”, relata uma moradora do Sumaré, que trabalha em uma unidade de saúde a poucos metros da instituição de ensino. Era por volta de 10 horas, quando ela, e quem estava ao redor testemunhou o pânico.
Dali, ainda faltavam 7 horas para que, em um dia normal, a escola que é de tempo integral fechasse os portões para encerrar o expediente. A jornada naquela trágica quarta-feira foi abreviada, e ainda levará um tempo até que os próprios estudantes, pais, professores, diretor e demais integrantes da comunidade escolar, decidam quando conseguirão retomá-la.
“Não tem um dia certo para voltar. A escola que vai ver esse dia melhor, com seu grupo para a gente receber os alunos da melhor forma possível e com confiança que precisa ter”, afirmou Daniel Carlos da Costa, gestor da Coordenadoria Regional do Desenvolvimento da Educação 6, representante da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), em um encontro com integrantes das escolas de Sobral, da justiça e da segurança, um dia após o ataque.
Sentimento de proximidade
Na área da escola, boa parte da vizinhança conhece os adolescentes envolvidos na tragédia. Sabe endereços, nomes, por vezes, reconhecem os pais. Indicam onde moram. A distância entre as residências dos jovens afetados é pequena. Diferença, às vezes, de um bairro.
Nessas vias espremidas, os olhares são também atentos. Desde o fatídico dia do ataque, há visitantes (representantes do poder público, imprensa, polícia) chegando e saindo, parando carros nas vielas apertadas, fazendo perguntas ou tentando respondê-las.
É fato mencionado pelos representantes do poder público e reiterado pelos parentes que as 4 famílias atingidas diretamente foram visitadas imediatamente nas próprias residências ou na Santa Casa - titulares das duas secretarias de educação (Estadual e Municipal) e o diretor da escola estiveram com eles - após a tragédia.
Há uma rede de apoio, necessária, que vai se materializando institucionalmente (pelo Estado e pelo Município), com a oferta, dentre outros, do acompanhamento psicológico para famílias e comunidade escolar. São famílias espantadas, apreensivas, padecendo de dores, tensões e indagações: por que isso aconteceu?
Vizinhos também elaboram versões diversas sobre os fatos. Compartilham nas redes sociais. Comentam. Dão “depoimentos informais”. Parte da população de desconhecidos replica imagens. Muitas vezes, terríveis e lamentáveis. Especula. Em uma tragédia desta dimensão, este aspecto é um dos reprováveis. Mas segue presente.
Uma unanimidade em todas as versões é a preponderância da surpresa. Por certo, ninguém espera que uma fatalidade como esta ocorra. Nem imagina que vai acontecer tão perto. Mas, nessa situação, os jovens envolvidos aumentam essa dimensão de estranheza. Sobre eles, relatam vizinhos, em geral, não há queixas. O diretor da escola, Jorge Célio, reforça: “são alunos excelentes”. O fato continua surpreendendo.
Superar estigmas
O território da escola e seu entorno é uma área pobre, nas quais, diz a mãe de um dos adolescentes atingidos, "tem violência, como tem em todos os cantos do Brasil. A gente roga para Deus nos proteger”. Moradores reforçam em forma de alerta: “é preciso cuidado com as facções”.
Essa percepção é reiterada em outros bairros. Em restaurantes, praças, comércios de distintas áreas de Sobral, onde se comenta sobre a ocorrência, ressoa o estigma acerca do território que sediou o ataque. E é esse estigma, enfatiza Daniel Carlos, coordenador da Crede 6, na reunião com trabalhadores da educação, não pode ganhar força.
“O mais importante é a gente desconstruir esse estigma de isso aconteceu porque foi nessa escola, nesse bairro. A escola não pode ser discriminada e precisamos desconstruir essa imagem para que não tenhamos uma comunidade de um bairro querendo ir para a escola de outro bairro. Precisamos resgatar a confiança da comunidade”.
O bairro, no qual a escola está, tem seus dilemas, compartilha a secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Sobral, Andrezza Aguiar Coelho, também na reunião com os trabalhadores da educação. Ela diz que ouviu no Sumaré:
“Olha secretária, a gente hoje está aqui em toda essa força-tarefa, esse clamor, essa dor na cidade, no país, com o que aconteceu, porque aconteceu dentro de uma escola, que é um lugar de proteção, mas, na verdade, a juventude periférica vem morrendo aqui há um tempo”.
Para ela, o clima é de sofrimento, mas também de “chance” de, com apoio e constituição de redes, olhar de forma mais direcionada e intensa para as realidades sociais que circundam as escolas.
Necessidade de apoio
Entre os trabalhadores da educação da cidade, que é referência na área para o Brasil, o clima, um dia depois da ocorrência, é de incredulidade. Buscas por respostas e apoios. Por quê? Por que nessa escola? É também de lamento. Dor. Podia ter sido em qualquer uma, repetem em conversas informais. E doeria do mesmo modo. Amendrontaria da mesma maneira. Desapontaria igual.
Para além das dúvidas e especulações, o discurso punitivista, ao menos entre esses profissionais, parece não ter ênfase. Ao contrário. O que ocorrerá com o estudante que disparou? Que a Justiça seja feita. Sem menor ou maior pressão, que apenas aconteça de modo regular e, de fato, justo. Que haja acolhimento social. E aos demais, que as vidas sejam recuperadas, a saúde. A mental, inclusive.
O episódio, repetem representantes do poder público, gestores, professores, ouvidos pelo Diário do Nordeste, de forma anônima ou declarada, dói porque além de ferir fisicamente adolescentes, arriscando vidas; também atacou frontalmente as percepções de quem acredita na escola como espaço de soluções, caminhos, encontros e oportunidades.
Trabalhar para resgatar essa ideia e experiência, torná-la novamente uma possibilidade real, um lugar de confiança, enfatizam, é a missão imediata, dos próximos dias, meses, anos, nas mais de 100 escolas de Sobral, seja municipal, estadual; pública ou privada.