Como é viver na cidade mais quente do Ceará: 'tem dia que é insuportável'

Dos 21 dias iniciais de outubro, Jaguaribe registrou em 19 datas a mais alta temperatura do Ceará

Ao longo destes 21 dias iniciais de outubro, em todos eles a cidade de Jaguaribe figurou entre as 10 mais quentes do Brasil, conforme dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A onda de calor, no entanto, não se restringe apenas ao atual mês. Em setembro, a cidade cearense também registrou temperaturas escaldantes, cuja média máxima superou os 37 graus Celsius.  

Em outubro, conforme dados do Inmet, a média máxima ultrapassa a marca dos 38 graus, a mais alta do Ceará.

Diante de temperaturas extremas, nas quais a sensação térmica rompe facilmente a barreira dos 40ºC, os quase 20 mil moradores da cidade se veem obrigados a readaptar suas rotinas durante o segundo semestre do ano, período em que os termômetros marcam os maiores picos.  

Uso prolongado de ar-condicionado e ventiladores, reforço nas roupas protetoras ao se expor ao sol, maior ingestão de líquido e aumento da frequência de banho, uso intenso de protetores solares e até mudança no local de trabalho. Vale tudo para - tentar - fugir da onda de calor e minimizar os danos à saúde causados por ela. 

A jornalista Ana Patrícia de Oliveira conta ter tido que moldar sua rotina neste segundo semestre do ano. Desde que as altas temperaturas começaram a ser registradas, em setembro, Patrícia passou a sair de casa em horários estratégicos. "A intenção é fugir do sol sempre que possível", diz.  

Aos que não possuem a mesma flexibilidade de horário, a alternativa é vestir roupas protetoras. "Saio de casa sempre com blusas de manga longa e abuso do protetor solar", detalha o universitário Ramon Freitas. 

Em comum aos dois, está a crescente na conta de energia por decorrência da necessidade de aparelhos como ventilador e ar-condicionado. 

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"Subiu não só a conta de energia, mas também a de água. A gente tem que aumentar a quantidade de banho por dia, é muito quente, se não for ingerindo bastante líquido e tomando vários banhos, não tem como suportar", descreve Patrícia.  

O comerciante Fábio Lima estima que sua conta de energia no estabelecimento comercial saltou cerca de 20% entre o primeiro e o segundo semestre do ano. “Não consigo desligar um só instante o ar condicionado da loja. No começo do ano, até consigo deixar desligado na manhã, mas, agora, é impossível”, se queixa.

Ciclo 

Na tentativa - válida - de fugir do calor ou de ao menos amenizar seus duros efeitos, parte da população recorre a aparelhos como ventiladores e ar condicionados, como mencionado pelo comerciante Fábio.

Contudo, há um efeito reverso nesse uso exacerbado. Eles consomem energia elétrica que vem de combustíveis fósseis, o que emite carbono e alimenta o efeito estufa, gerando ainda mais calor.

"É um ciclo. As mudanças climáticas têm causado diversas anomalias pelo mundo, como temperaturas extremas, seja calor ou frio, e chuvas também, seja por excesso ou escassez", adverte Flaviano Fernandes, meteorologista do Inmet. 

Sensação de temperaturas recordes 

Ana Patrícia e Ramon Freitas nasceram em Jaguaribe. Vivem no Município há mais de 25 anos. Em todo este período, afirmam, não tinham presenciado "ano tão quente como agora".  

"A sensação é de que cada dia é mais escaldante que o outro", afirma o estudante.  “Em alguns dias o calor está insuportável, nunca vi algo assim”, completa Patrícia. 

A percepção de ambos se confirma em números. O Diário do Nordeste comparou os 21 dias iniciais de outubro deste ano e do ano passado. Em 2022, as médias estão mais elevadas.  

No ano passado, Jaguaribe não figurou em nenhum dia entre as mais quentes do Ceará, consequentemente, também não esteve no ranking nacional. A média, em outubro do ano passado, no Município, não rompeu a marca dos 35ºC. 

Já em outubro deste ano, além de a cidade figurar entre as 10 mais quente do País, ela também foi em 19 dos 21 dias iniciais de outubro a que registrou a maior máxima dentre todas as 184 cidades cearenses. 

Apenas nos dias 10 e 15 de outubro Jaguaribe não figurou com a temperatura mais alta do Ceará. Conforme explica o meteorologista do Inmet, Flaviano Fernandes, essa variação de temperatura no intervalo de um ano deve-se a uma série de fatores. 

“No campo dos fenômenos climáticos, podemos apontar a existência de uma ilha de calor na cidade. Soma-se a isso a umidade do ar, que aumenta a sensação térmica, e a ausência de chuvas, que deixa o céu sem nuvens e, consequentemente, a radiação solar passa sem filtro algum”, pontua. 

Outras questões destacadas pelo especialista são a expansão da urbanização, que contribui para a redução da arborização e aumento das construções e uma malha viária cada vez mais asfáltica - que detém mais o calor.

“São vários fatores que ajudam a explicar essa variação de temperatura de um ano para o outro na mesma cidade”, conclui Fernandes. 

Danos à saúde

O médico Fernando Guanabara alerta para os riscos das altas temperaturas em dias prolongados. Segundo ele, as pessoas podem apresentar cansaço, fadiga e indisposição, como um todo. "Podem ter mais constipação, mais prisão de ventre e até mesmo mais fome".

"É normal que durante o dia tenha uma perda determinada quantidade de água no corpo, então a importância de repor. Caso contrário, essa desidratação pode ser associada a um déficit cognitivo, à atenção, memória".

A orientação, ainda conforme o médico, "é sempre ter uma garrafinha com água por perto. Hoje a gente tem uma média de quanto de água precisa tomar por dia, por exemplo: pessoa com 60 quilos, 2 litros. Pessoa com 90 quilos uma média de 3 litros, por dia".

Ele ressalta ainda a importância da ingestão de alimentos que têm alta concentração de água, como as frutas, com destaque para melancia por exemplo. "Isso já entra na conta da ingestão por dia", pontua.

Proteger-se do sol com óculos, boné e sombreiros é outra recomendação vital, além de usar protetor solar ao longo de todo o dia e evitar atividades físicas ou esforços acentuados nos horários entre 10h às 15h.