Com risco aumentado para ISTs, quase três mil usuários de PrEP no CE podem tomar vacina contra HPV

O imunizante já está disponível nas salas de vacinação e nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Cries) de todo o Estado

Com a inclusão de quem usa a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) no público-alvo da vacina contra o HPV pelo Ministério da Saúde, quase três mil cearenses podem buscar o Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso ao imunizante. Ao todo, são 2.812 pessoas no Estado que tomam a medicação.

A vacina já está disponível em todo o Ceará para pessoas de 15 a 45 anos que utilizam PrEP, nas salas de vacinação e nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Cries). É preciso apresentar um comprovante de uso da medicação — como formulário de prescrição, cartão de seguimento ou o próprio remédio.

Usuário da PrEP desde fevereiro de 2023, Luiz (nome fictício) conta que logo que soube da ampliação, buscou a infectologista que o acompanha e foi encorajado a se vacinar. Ele já garantiu a primeira dose e está no aguardo do tempo correto para completar o esquema vacinal.

“Achei uma decisão incrível e muito importante. Nunca entendi por que a vacina era ofertada somente para uma pequena parcela da sociedade, visto que muita gente está exposta ao vírus (que é) altamente contagioso e perigoso e pode acarretar outras doenças graves, como o câncer”, afirma.

Dados do painel de monitoramento da PrEP mostram que o perfil do usuário da medicação, no Ceará, é principalmente composto por pessoas pardas (59%), de 30 a 39 anos (43%), com 12 anos ou mais de escolaridade (69%). Quanto à população à qual fazem parte, em primeiro lugar estão gays ou homens cis que fazem sexo com homens (79,4%), seguidos de homens cis heterossexuais (8,8%) e mulheres cis (7,4%).

O QUE É A PREP

A profilaxia pré-exposição ao HIV é uma medicação de uso crônico para prevenir a infecção pelo vírus. Ela utiliza antirretrovirais e precisa de acompanhamento profissional.

A adoção do medicamento deve ser uma decisão compartilhada entre médico e paciente quando o estilo de vida leva a uma exposição frequente ao vírus, explica o médico Antônio Mauro Barros Almeida Júnior, presidente da Sociedade Cearense de Infectologia (SCI).

Alguns casos em que a PrEP é indicada

  • Pessoas que têm repetidas práticas sexuais sem uso do preservativo;
  • Pessoas com múltiplos parceiros;
  • Pessoas com muito histórico de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs);
  • Pessoas que fazem sexo sob influência de drogas psicoativas;
  • Pessoas que fazem uso repetido de profilaxia pós-exposição ao HIV (PEP);
  • Casais sorodiferentes, em que uma pessoa vive com HIV e outra, não.

“O simples pertencimento a um segmento populacional — seja homem que faz sexo com homem (HSH), pessoas trans ou trabalhadores de sexo — não é suficiente para caracterizar o indivíduo com exposição frequente ao HIV. Você tem que entender como é a dinâmica social e o contexto de cada paciente”, explica o infectologista.

O QUE É HPV E O QUE ELE CAUSA?

Transmitida sexualmente, a infecção pelo HPV (papilomavírus humano) é a mais frequente do mundo, segundo informações do Ministério da Saúde. Existem mais de 200 tipos diferentes do vírus — com pelo menos 12 deles com alto risco de evoluir para câncer. A transmissão também pode ocorrer por meio do contato direto com pele ou mucosa infectada, mesmo sem penetração, ou durante o parto.

O HPV está associado a verrugas anogenitais (no ânus e nos órgãos genitais). Glaura Fernandes, infectologista do Hospital São José, afirma que elas têm poucos sintomas. “Algumas pessoas relatam coceira no local ou, quando são muito volumosas, pode acontecer algum pequeno sangramento no local. Fora isso, são indolores, não ardem”, explica a médica.

A infecção também está ligada ao desenvolvimento de câncer de vulva, pênis, ânus e orofaringe, além do câncer de colo do útero. Esse último, segundo informações do Ministério da Saúde, é o terceiro tipo mais incidente entre as mulheres no Brasil.

O diagnóstico ocorre por meio de biópsia da lesão ou por avaliação clínica. “Infelizmente, não temos cura para o HPV, mas podemos realizar uma cauterização por meio da abrasão química ou com o bisturi elétrico”, explica a médica. Ela destaca a importância da vacinação e do uso de preservativo em relações sexuais.

Na nota técnica que trata da ampliação do público-alvo, o Ministério aponta que se observa um aumento na incidência de câncer anal entre gays e homens que fazem sexo com homens, podendo chegar a taxas 80 vezes superiores que a população geral.

“Enquanto os dados nacionais não trazem as distinções de identidade de gênero e orientação sexual, dados da América do Sul apontam que entre mulheres transgênero 97,34% já testaram positivo para HPV anal na Argentina e 95,6% no Peru”, indica o documento.

Oportunizar o acesso à vacina HPV4 para usuários de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV pode ser considerada uma ação com impacto na prevenção das neoplasias relacionadas ao HPV, principalmente o câncer anal, nas populações que são desproporcionalmente afetadas por essas neoplasias (HSH, mulheres trans). Estudos realizados na França, por exemplo, apontam alta prevalência de HPV em usuários de PrEP.
Ministério da Saúde

Antônio Mauro destaca a importância de a vacina ser ofertada para essa população, uma vez que ela está mais vulnerável às consequências da infecção pelo HPV. Ele também defende posterior ampliação para outros públicos suscetíveis ao câncer nesse órgão.

“Tudo, na Saúde, tem que iniciar pelo grupo mais exposto ao risco que estamos tentando combater. Esse grupo da PrEP, junto com pessoas imunossuprimidas e vítimas de violência sexual, são um grupo prioritário para tentar evitar uma doença sexualmente transmissível como o HPV”, afirma.

O Diário do Nordeste entrou em contato com o Ministério da Saúde e questionou se a ampliação da vacina para outros públicos tem sido discutida. Não houve retorno até o fechamento desta matéria.

VACINAÇÃO CONTRA HPV

A vacina HPV quadrivalente foi incorporada ao Calendário Nacional de Vacinações em 2014 e deve ser realizada antes do início da vida sexual, nas faixas etárias de nove a 14 anos.

O imunizante protege contra os tipos virais de HPV 6 e 16 (baixo risco) — ligados a verrugas genitais e papilomatose respiratória recorrente — e 16 e 18 (alto risco) — que podem causar câncer de colo do útero, vagina, pênis e de orofaringe.

Glaura Fernandes destaca que mesmo os pacientes que já foram infectados têm benefício em se vacinar, uma vez que o imunizante oferece proteção contra outros tipos do HPV.

Com a ampliação, o público-alvo da vacinação no SUS inclui:

  • Crianças e adolescentes de 9 e 14 anos — dose única;
  • Indivíduos imunocomprometidos de 9 a 45 anos (pessoas vivendo com HIV e Aids, pacientes oncológicos e transplantados — três doses;
  • Pessoas de 15 a 45 anos imunocompetentes vítimas de violência sexual — duas doses (9 a 14 anos) ou 3 doses (15 a 45);
  • Usuários de profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) de 15 a 45 anos — três doses.

No novo grupo, a vacina deve ser administrada em três doses, sendo a segunda dois meses após a primeira e a terceira, em seis meses após a dose inicial. Pessoas em PrEP que já se vacinaram contra o HPV, com o esquema completo para a faixa etária, não devem ser vacinadas novamente. Em caso de esquema incompleto, deve-se completar as três doses.

O imunizante é contraindicado para gestantes, que devem aguardar o puerpério, além de pessoas com alergia a algum dos componentes do imunobiológico.

Onde se vacinar contra o HPV em Fortaleza

  • De segunda a sexta-feira: em todos os postos de saúde, das 7h30 às 18h30;
  • Aos finais de semana e feriados: nos postos de saúde Mattos Dourado (Rua Des. Floriano Benevides Magalhães, 391 - Edson Queiroz) e Geraldo Madeira Sobrinho - PIO XII (Rua Belisário Távora, 42 - São João do Tauape), das 8h30 às 16h30.

A vacina também está disponível no sistema privado. A reportagem consultou três clínicas e, nelas, o valor de cada dose do imunizante varia de R$ 979 a R$ 1.040.