O direito constitucional de ir e vir, garantido na Carta Magna, é um processo fundamental de liberdade. No entanto, mesmo no século XXI, em algumas cidades de médio ou grande porte, essa locomoção, embora assegurada, se torna mais difícil diante da ausência de transporte público coletivo.
É o que acontece com mais da metade dos 17 municípios que compõem a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), conforme levantamento realizado pela Secretaria das Cidades, a pedido do Diário do Nordeste. Onze cidades não ofertam este tipo de transporte e, atualmente, estão em desacordo com o que preconiza a lei 14.000/20. Elas somam, ao todo, 565.405 habitantes.
Essa normativa, que versa sobre a mobilidade urbana, determina que cidades com mais de 20 mil habitantes criem o Plano Mobilidade Urbana (PMU) até abril do próximo ano. Dentre as gerências deste Plano, está justamente a oferta do transporte público.
A exceção é a cidade de São Luís do Curu que, por ter menos de 20 mil habitantes, não é obrigada, por lei, a criar o PMU e, consequentemente, ofertar transporte coletivo para a população. Conforme o último Censo do IBGE, o Município conta com cerca de 13 mil habitantes - o menor número dentre as cidades da RMF.
Para o professor universitário Mário Ângelo Nunes de Azevedo Filho, do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), o "transporte coletivo facilitaria a mobilidade de pessoas que não dispõem de qualquer transporte particular".
"Quando se observa uma determinada cidade, de pequeno ou médio porte, a única opção de deslocamento são os transportes particulares, ou aqueles informais, como topiques e mototaxis. Para quem não tem transporte próprio, ele meio que fica podado, sem mobilidade", alerta.
A também professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor, Camila Bandeira, acrescenta que a falta de oferta desse transporte pode causar exclusão ao acesso de alguns serviços, como saúde, escola, comércio, dentre outras. É justamente o oposto deste cenário relatado por Mário Ângelo e corroborado por Camila, que a implantação do transporte público coletivo pode proporcionar.
A docente Camila Bandeira considera que "a qualidade de vida nas cidades tende a melhorar, inclusive com ganho para o arranjo social, pois pessoas que pilotam sem capacete, ou sem carteira de habilitação, passariam a ter a opção do transporte coletivo".
Principais desafios
Ângelo aponta que o maior gargalo para a oferta do transporte coletivo é o "custo da implantação". Ele pontua que, em vias de regra, "o transporte coletivo é custeado por seus usuários. Desta forma, em uma cidade grande, com a alta demanda, esta conta fecha, diferente de um município cuja procura pode ser baixa".
Para equacionar esta conta, Ângelo sugere a criação de outras fontes de receitas que subsidiem o transporte. Esse modelo é viável e, na prática, já acontece no Brasil e até mesmo no Ceará. Atualmente são três cidades - todas elas na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), que ofertam o transporte coletivo 100% gratuito: Caucaia, Maracanaú e Eusébio.
"Quando você desestimula o transporte particular, mas estimula e oferta transporte coletivo, cria-se uma possibilidade de abertura de receita e, esta, seja direcionada ao transporte público. Na prática, esse arranjo é viável, mas, repito, tem que ser analisado sempre a demanda da cidade", considera.
Essa ressalva do especialista em trânsito é compartilhada por alguns moradores de cidades menores que não dispõem do transporte coletivo, como em Pindoretama. O Município conta com cerca de 21 mil habitantes, portanto, está dentro do limite abrangido pela lei, que preconiza a criação do PMU.
Para a moradora Ana Paula Lima da Silva, desenvolver o Plano de Mobilidade de Urbana é importante, e, embora para a sua realidade, "o transporte coletivo não se faz tão necessário", por residir na parte central da cidade de Pindoretama, ela considera que uma parcela da população possa precisar dos coletivos.
"Por ter um território pequeno, Pindoretama talvez não careça de transporte coletivo nas áreas centrais, mas para moradores de bairros mais periféricos ou distritos, essa necessidade possa existir", reflete Paula.
"Aos moradores do Centro ou bairros adjacentes, acredito que não precise, mas tem algumas localidades mais distantes, não sei se seria o caso avaliar a possibilidade de um sistema de transporte para contemplar essas regiões", conclui.
Mário Ângelo sugere uma alternativa: o serviço metropolitano. "Essas linhas, que levam de uma cidade a outra, passam dentro do perímetro urbano e atendem parte da população. É uma alternativa para quem precise utilizar o transporte coletivo em municípios que não ofertam o serviço dentro dos bairros", sugere.
A reportagem do Diário do Nordeste entrou em contato com todas as assessorias das cidades que não ofertam o transporte coletivo. Foi questionado se a gestão avalia que há necessidade para implantação e quais os principais desafios para implantação do transporte coletivo.
Foi indagado ainda se a cidade considera que vai conseguir cumprir o prazo (abril/23) para implantação do Plano de Mobilidade Urbana. Contudo, nenhuma delas respondeu até o fechamento desta matéria.
- Aquiraz - 81.581 habitantes
- Cascavel - 85.850 habitantes
- Caucaia - 368.918 habitantes
- Chorozinho - 20.286 habitantes
- Eusébio - 55.035 habitantes
- Fortaleza - 2.703.391 habitantes
- Horizonte - 69.688 habitantes
- Maracanaú - 230.986 habitantes
Cidades da RMF que não têm transporte público coletivo:
- Itaitinga - 38.661 habitantes
- Guaiúba - 26.508 habitantes
- Maranguape - 131.677 habitantes
- Pacajus - 74.145 habitantes
- Pacatuba - 85.647 habitantes
- Pindoretama - 20.964 habitantes
- São Gonçalo do Amarante - 49.306 habitantes
- Paraipaba - 33.232 habitantes
- Paracuru - 35.526 habitantes
- Trairi - 56.653 habitantes
- *São Luís do Curu - 13.086 habitantes
* Por ter menos de 20 mil habitantes, a cidade não é obrigada, por lei, a ofertar o transporte coletivo.