Cidade mais quente, ar e rio poluídos: saiba possíveis efeitos de ‘queimadas’ no Cocó para Fortaleza

Além de prejuízos imediatos, danos podem incidir sobre o meio ambiente a médio e longo prazos

As chamas que tomaram 10 hectares do Parque do Cocó, na última semana, se espalharam por Fortaleza em forma de fumaça, como efeito imediato da queimada de quase 5 dias. Mas com o fogo debelado, é momento de fazer o balanço: que prejuízos ficaram?

O Diário do Nordeste conversou com especialistas para saber quais os possíveis danos ambientais – e até sociais – de queimadas em áreas protegidas tão importantes para a cidade, como é o caso do Cocó. 

Os efeitos, de curto a longo prazo, vão da morte de animais ao aumento da temperatura em Fortaleza.

Além do “desmatamento”

A perda da vegetação “de floresta, ribeirinha e rasteira” é o dano central do incêndio, um dos impactos mais “visíveis”, mas traz consigo outras diversas consequências – como as crescentes dificuldades à vida animal e o progressivo “aquecimento” do clima da cidade.

A análise é de Flávio Nascimento, professor de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Climatologia Geográfica e Recursos Hídricos. 

Para os animais, quando o habitat queima, “diminui-se o espaço para reprodução e alimentação”, explica o professor. Além disso, bichos que conseguem se locomover com facilidade escapam, mas “tartarugas, algumas serpentes e outros são perdidos de forma direta”. “Se acontece com frequência, vamos perdendo a biodiversidade”, pontua.

A longo prazo, os prejuízos são graves e se acumulam.

“Há tendência de cada vez mais a temperatura aumentar, o solo ficar mais ressecado, as águas do Cocó reduzidas, haver menos precipitações e, consequentemente, mais fogo. Teremos uma cidade mais quente e desconfortável, com mais descontroles ambientais”, frisa.

Exemplos desses “descontroles” são inundações após chuvas, já que o Parque do Cocó ajuda no escoamento das águas urbanas. Flávio alerta ainda que esses episódios de agressões à natureza, se persistirem, podem aumentar a incidência de doenças como arboviroses, já que estas são favorecidas por temperaturas mais altas.

O pesquisador cita também outros impactos ambientais de incêndios à unidade de conservação:

  • No ar: danos contribuem para o aquecimento global, aumentando a temperatura do entorno e poluindo diversas regiões da cidade;
  • Na água: a qualidade hídrica do Rio Cocó também pode ser prejudicada, uma vez que muita matéria orgânica queimada é levada pelos ventos para o curso d'água, o que afeta as condições de vida do rio, mexendo na diminuição de oxigênio da água;
  • No solo: a camada superficial vai perdendo a qualidade e os benefícios, tornando o solo de certo modo estéril, com perda da matéria orgânica e de microrganismos que são fundamentais pro desenvolvimento da flora e manutenção do ecossistema.

Hugo Fernandes, biólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que os impactos reais do incêndio ocorrido no Cocó neste mês só poderão ser dimensionados após perícia e estudos completos. “É cedo pra dizer o tamanho”, frisa.

Ele reforça, porém, que “incêndio é um problema complexo e sistêmico”, de modo que uma ocorrência não está isolada da outra; e que precisa ser “tocado com políticas públicas direcionadas e o adequado manejo florestal”.

O manejo florestal é a identificação das áreas de risco de incêndio, onde as folhas que caem vão se acumulando e se tornam combustível. O fogo se alastra. É preciso fazer o manejo, a limpeza. O incêndio de janeiro de 2024, como o último passado, tem uma característica em comum: o ponto inicial é uma área aberta degradada.
Hugo Fernandes
Biólogo e professor da Uece

Sem prevenção, as ocorrências se multiplicam e inflam um conjunto de problemas ambientais sérios e em cadeia, como avalia o biólogo. “O incêndio lança uma quantidade considerável de gás carbônico na atmosfera, e isso afeta o microclima local”, inicia. 

“Além disso, a própria perda de vegetação via desmatamento diminui a quantidade de gás apreendido pelas formações florestais de Fortaleza e do Ceará, e isso é, sim, um dos fatos que agravam o problema das mudanças climáticas. Sem dúvida, afeta o clima da cidade”, lamenta o pesquisador.

“A cobertura vegetal de Fortaleza e do Ceará precisa não só ser preservada, mas ampliada”, pondera.

Como preservar áreas "protegidas"

O Parque do Cocó, por ser “uma área verde dentro de uma zona urbanizada”, exige medidas rigorosas e completas de preservação, segundo observa o professor Flávio Nascimento. 

As ações vão desde o cercamento, “para que se evite incêndios provocados, já que as pessoas não terão acesso”, até a intensificação da fiscalização e o reforço da educação ambiental.

Durante o incêndio, ouvi argumentos de que ‘ter mato na cidade resulta nisso’. As pessoas colocaram o Cocó como o problema. Mas ele traz diversos benefícios à cidade. Temos que reverter essa mentalidade por meio da educação ambiental, que, em si, é outra medida eficaz para a proteção do parque. Flávio
Flávio Nascimento
Pesquisador e professor da UFC

O professor Hugo Fernandes complementa que é preciso “investimento em tecnologia que identifique o problema com precisão”. Ele informa que pesquisadores do Programa Cientista Chefe, vinculado ao Governo do Estado, trabalham em diversas frentes, entre elas:

  • Recuperar as áreas degradadas, com reflorestamento de pontos elegíveis para isso;
  • Identificar com rapidez e precisão focos de incêndio que possam se repetir, através de tecnologias como câmeras termais;
  • Estar presente nas discussões relacionadas ao manejo florestal das Unidades de Conservação (UCs).

Um dos exemplos de uso da tecnologia em função da preservação ambiental é o drone equipado com uma câmera termal utilizado pela Uece para buscar animais "sumidos do mapa", visando à conservação da fauna. Durante o último incêndio do Cocó, o dispositivo foi utilizado para identificar a extensão dos focos de fogo.