“A história é a mesma, só mudam os personagens”, foi a conclusão à qual Maria*, 37, chegou enquanto ouvia, nos corredores da Defensoria Pública Geral do Estado, histórias de mulheres que solicitaram na Justiça uma pensão alimentícia para os filhos. No Ceará, de janeiro a junho, mais de 7 mil novos pedidos foram feitos – uma média de 40 por dia.
Os números são da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, atualizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e mostram um crescimento da quantidade de concessões de pensão alimentícia no Ceará, nos últimos anos.
Em 2022, conforme o levantamento, foram 12.148; subindo para 14.205 solicitações no ano passado. Já neste ano, se a média mensal for mantida no segundo semestre, a estimativa é de que o número de solicitações ultrapasse, novamente, as 14 mil.
Para Maria*, que terá a identidade preservada aqui, recorrer à Justiça foi a única forma de obter “ajuda” do pai da filha de 6 anos para custear as necessidades básicas da menina. Ela deu entrada no processo ainda no ano passado, mas até hoje o genitor descumpre o pagamento determinado judicialmente. O próximo passo, caso não pague, é a prisão.
“Desde que minha filha nasceu, assumi a maternidade sozinha. A mulher fica anestesiada, acha que a obrigação é só dela. É um machismo tão enraizado que ela não consegue internalizar que é uma obrigação do pai assumir esse papel”, pondera Maria.
A busca pela pensão surgiu 6 anos depois do nascimento da menina por necessidade, como ela relata. A pequena desenvolveu problemas de saúde que exigem cuidados específicos – e dispendiosos. Não fosse isso, a mãe garante: jamais procuraria.
"É um abandono afetivo total. Ele passa de meses sem aparecer, e a criança sente, cobra a presença. É uma questão de mudança de lei: nasceu, registrou, já deve ter amarrado o direito à presença."
Maria* relata que o pai da filha contribui mensalmente – e sem data certa – com um valor irrisório diante de todas as despesas que uma criança gera. A Justiça determinou, então, o pagamento de um salário mínimo, decisão que segue sem ser efetivada.
“Ele ignorou. Eles não enxergam essa responsabilidade. Têm dinheiro pra tudo, mas pros filhos não”, desabafa a mãe solo, que precisou reunir um “dossiê” sobre as condições de vida do genitor da filha para refutar o argumento dele de que “não tinha dinheiro” para a pensão.
Qual o valor da pensão alimentícia?
O advogado Luiz Vasconcelos Júnior, especialista em Direito da Família, explica que o solicitante da pensão alimentícia pode “demonstrar através dos comprovantes de pagamentos como água, luz, internet, alimentação” e outras despesas básicas a necessidade de receber o pagamento para suprir o sustento da criança ou adolescente.
O valor é fixado em sentença judicial, e, como esclarece o advogado, “é analisado caso a caso”. “Algumas pessoas estabeleceram como se fosse uma verdade que o valor da pensão vai ser 30% da renda de quem vai pagar, mas não necessariamente”, inicia.
“30% é de fato uma decisão muito comum, porque a maioria da população se sustenta com um salário mínimo, dois. Então, quando a gente trabalha na perspectiva, é muito comum que valores de pensão alimentícia estejam ali na órbita de 30% da remuneração dela, mas não significa que vai ser esse valor”, frisa.
A definição do valor considera “quanto essa criança ou adolescente gasta e qual é a condição de vida da família, de quem vai pagar, de quem está com a criança e já está contribuindo no dia-a-dia para a manutenção dela”, complementa Vasconcelos.
“As pessoas costumam achar que a necessidade de uma criança se resume a comida e escola, o que não é verdade”, alerta o advogado.
‘Pensão não chega perto das despesas de uma criança’
O alto volume mensal de pedidos judiciais de fixação de pensão corresponde a “uma questão cultural e econômica de irresponsabilidade paterna”, como avalia o defensor público Sérgio Luís de Holanda, supervisor das Defensorias da Família do Estado.
No órgão de assistência, a maioria das pessoas que solicitam a pensão é de mães solo. “Temos uma cultura machista de deixar a maior sobrecarga para a mulher, especialmente quando o casal está separado. Diante da ausência do cumprimento voluntário das obrigações pelos pais, é necessário acionar o poder judiciário”, frisa.
O defensor destaca que o aumento do número de divórcios e separações também impacta no crescimento dos pedidos de pensão alimentícia registrados na Justiça.
“No aspecto social, as relações estão mais fluidas, mas trazem consequências, como os filhos. O devedor tenta se eximir da obrigação tanto de educar a criança e adolescente no cotidiano, acompanhar no médico, escola, desenvolvimento, orientação, como no financeiro”, lamenta Holanda.
Outro preconceito estrutural em torno do assunto é sobre o valor do pagamento. “Homens dizem que estão pagando o dinheiro é pra mãe, e não pro filho. E aí se cria esse imaginário de que o dinheiro vai pra mulher se divertir, curtir. Quando na realidade a pensão não chega nem perto da metade das despesas de uma criança ou adolescente”, pondera o defensor.
No caso de Maria*, por exemplo, o valor que o genitor da filha se propôs a pagar correspondia a um quinto do gasto que ela tinha somente com moradia.
E se não pagar a pensão?
O advogado Luiz Vasconcelos Júnior reconhece que, em alguns casos, “não é aconselhável judicializar imediatamente”. “Se alguém que sempre pagou a pensão em dia deixou de pagar por um mês, pode ser suficiente uma ligação ou mensagem perguntando o que ocorreu e negociando um prazo para o pagamento.”
“Uma notificação extrajudicial ou a intervenção de um advogado também podem ajudar a resolver a situação amigavelmente”, propõe. Porém, “se a pessoa tem um histórico de não cumprimento de suas obrigações, judicializar pode ser o melhor caminho. Isso não impede que um acordo seja tentado, mas garante que o processo de cobrança avance”, frisa.
Caso um responsável não pague a pensão alimentícia fixada em Justiça, ele pode sofrer penhora de bens ou até ordem de prisão, como explicam os especialistas.
A consequência mais conhecida para quem não paga a pensão é a prisão civil, que é diferente da penal, como explica o defensor público Sérgio Luís. “É uma medida processual para constranger e compelir a pessoa a pagar a dívida. Leva ao encarceramento de 30 a 90 dias para forçar o pagamento. Já na esfera criminal, existe o crime de abandono.”
Se, mesmo após ser presa, a pessoa não pagar o valor, “existe uma outra possibilidade: ajuizamento de ação de alimentos contra avós e tios”, completa o defensor.
O advogado Luiz Vasconcelos lembra, porém, que há “medidas atípicas de execução, além das tradicionais como busca de dinheiro ou ordem de pagamento sob pena de prisão. Elas acontecem quando as medidas comuns não conseguiram garantir a satisfação do crédito”, observa.
O advogado especialista em Direito da Família afirma que providências como a suspensão do direito de dirigir e a apreensão do passaporte têm sido estudadas como possíveis medidas para se fazer cumprir o pagamento do valor ao filho ou filha.
“Se, pelos meios comuns, você já tentou quitar o débito e não conseguiu, é possível recorrer a uma medida atípica para pressionar a outra parte a realizar o pagamento”, finaliza.