As passagens aéreas do cantor carioca Bruno Camurati, de 41 anos, já estavam compradas para desembarcar em Fortaleza e se apresentar no festival Halleluya, no dia 23 de julho. O show dele, porém, foi cancelado dias após ele se assumir gay em publicação nas redes sociais.
No dia 10 de junho, mês marcado pelo Orgulho LGBTI+, Bruno expressou em texto o “orgulho de ser”, e reforçou que as músicas que canta e que compõe sobre Deus são possíveis por ele ser “exatamente quem é”.
Alguns podem estar hoje cancelando, outros celebrando. Eu, desse jeito, coloquei tudo de mim pra fora, de mãos dadas com o Espírito Santo. E você ouviu, te tocou. Você pode ter encontrado a Deus através de uma pessoa gay. Te incomoda?
Dias depois da publicação, contudo, o cantor recebeu um contato da organização do Halleluya informando que o show dele não aconteceria mais. “Canto no festival há 10 anos. Cancelaram há cerca de 3 semanas, mas não informaram o motivo exato”, disse o cantor em entrevista ao Diário do Nordeste.
Bruno frisa que “não houve declaração oficial” do festival sobre haver relação entre o cancelamento e a postagem dele, mas que “tudo leva a crer que sim, pelo tempo que se deu entre uma coisa e outra”. Shows do cantor em outras cidades também foram cancelados.
Eu entendo por que eles tomam essa decisão, tem muito a ver com a forma como enxergam o que é pecado. Mas fico triste, porque o trabalho que construo há muito tempo passa a ser invalidado, e a única coisa enxergada agora é a minha sexualidade.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação do Halleluya, para saber qual o motivo do cancelamento do show, se outras atrações também foram canceladas ou se houve relação com a sexualidade de Bruno. Não houve resposta até esta publicação.
“Minha mensagem não muda”
O carioca, cantor e compositor no meio católico há 20 anos, faz questão de destacar que “nada muda, a mensagem das canções não muda, o que muda é a percepção externa: ter um artista publicamente LGBT no palco talvez incomode as pessoas”.
Bruno afirma que “nunca falou muito sobre essas questões”, mas que decidiu se assumir e se colocar como homem gay por achar que “era um momento mais tranquilo pra fazer isso”. “Já construí um trabalho que as pessoas respeitam, já me conhecem”, complementa.
No meu último disco, falei muito sobre isso. Minhas músicas falam de amor, misericórdia, aceitação, hipocrisia na igreja. No momento político e social que vivemos, achei que era não só o momento certo, mas importante de falar disso.
“Fico triste que se torne uma guerra”
Apesar da chateação pelo cancelamento do show, inclusive por ter um público consolidado em Fortaleza, Bruno se diz triste “pela revolta das pessoas” contra a comunidade católica que promove o evento, o Shalom, que “sempre o acolheu”, ao longo dos últimos anos.
“Fico triste que isso se torne uma guerra. Só queria poder cantar minhas músicas pras pessoas”, declara o cantor, reforçando que “existem diversas pessoas LGBT nas igrejas, que estão ali porque querem ser acolhidas e conhecer mais de Deus”.
Cabe às igrejas, primeiro de tudo, acolher, transmitir o amor, fazer com que as pessoas LGBT se sintam amadas, respeitadas, acolhidas. Todas as igrejas têm os seus sacramentos, é importante respeitá-los. Mas mais importante é fazer com que as pessoas sintam que ali é a casa delas.
Nessa quinta-feira (30), o padre Julio Lancelotti se pronunciou sobre o caso. “Solidariedade ao cantor Bruno Camurati, que teve apresentação cancelada em festival católico por ter revelado ser gay. Nem todos os grupos católicos ouviram a palavra de Francisco: a Igreja tem lugar para todos”.
Em homilia no Vaticano, também nesta semana, o Papa Francisco reforçou que a Igreja Católica deve assumir um lugar de acolhimento, e não de exclusão.
Na Igreja há lugar para todos. Todos. E muitas vezes nós nos tornamos uma igreja de portas abertas, mas para dispensar as pessoas, condená-las. Este não é o tempo das despedidas, é o tempo do acolhimento.
O vídeo da mensagem foi compartilhado por Bruno nas redes sociais. “Eu queria dedicar especialmente aos que estão mandando pararem de tocar minhas canções, desconvidando dos shows, cancelando eventos. Não me conformarei. Continuarei cantando”, sentenciou o cantor.