Quando construído, há mais de cem anos, o Açude Cedro, em Quixadá, era modelo imponente de arquitetura e, mais que isso, esperança para o fim de uma crise hídrica que assolava o Nordeste brasileiro. Por longas décadas ele abasteceu a cidade, mas, hoje, embora seus traços arquitetônicos ainda impressionem, o reservatório já não tem qualquer importância hídrica.
Há 7 anos ele está totalmente seco - com uma sutil recuperação em 2017 e 2018 quando o açude teve discreta recarga e chegou a 2% de seu volume - e já não abastece mais a cidade de Quixadá, a mais importante do Sertão Central. O Município é assistido, desde meados de 2016, pelo reservatório Pedras Brancas.
No local em que apenas se trafegava com embarcações, agora é possível caminhar a pé. A água evaporou, restando apenas o solo rachado que denuncia de forma direta e melancólica a longa ausência de qualquer líquido no açude construído em 1906, mas cuja ordem de serviço ocorreu duas décadas antes, ainda no governo Imperial de Dom Pedro II.
Antes de 2015, o açude Cedro só havia secado 4 vezes desde que construído: 1930, 1932, 1950 e 1999.
O secretário de Recursos Hídricos (SRH) do governo cearense, engenheiro Francisco Teixeira, explica que o açude Cedro foi construído com uma capacidade superdimensionada de armazenamento de água e, por isso, poucas vezes verteu.
O reservatório encheu pela primeira vez nos anos de 1924 e 1925, depois em 1974 e 1975, e por último, em 1986 e 1989. "Ele foi construído entre os séculos XIX e XX, portanto, como não existia na época ferramentas tecnológicas para definir bem a capacidade de um reservatório, ele foi construído com um volume superdimensionado, com muita dificuldade de encher", detalha Teixeira.
É um açude de difícil aporte de água. Nesse cenário de mudanças climáticas e construção de centenas de reservatórios a montante dele, ele tem dificuldade de receber água.
Mitos e verdades
A construção do Açude Cedro - a primeira grande obra hídrica realizada pelo Governo Brasileiro, na então Primeira República - além de ter deixado um legado para Quixadá, gerou por muitos anos uma série de suposições, dentre elas, a de que a obra teria tido mão-de-obra escrava. A historiadora Elizangela Martins da Silva Cruz, escritora do livro "Açude do Cedro: Mitos e Verdades", desmente essa versão.
"Como uma obra púbica, na era da República, iria ter a participação de escravos? Naquele ano, o Ceará já havia abolido a escravidão. Claro que existia, assim como ainda existe hoje, trabalhos análogos à escravidão, mas o Cedro foi erguido por retirantes, homens que eram remunerados", explica.
Antes de ter a obra iniciada, Dom Pedro II criou uma comissão e a enviou para a então província cearense para que fosse feito uma espécie de análise do local onde o reservatório seria construído. Liderada pelo engenheiro britânico Jules Jean Revy, a comissão do então Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas chegou a três cidades: Icó, Arneiroz e Quixadá.
"Após estudos, foi definido que o açude seria erguido em Quixadá", pontua Elizangela. Desde a data da assinatura da ordem de construção até à sua inauguração, passaram-se 22 anos e quatro comissões, lideradas por quatro engenheiros diferentes.
"Começou pelo Revy, depois, na segunda comissão, veio o engenheiro Ulrico Mursa, posteriormente, em 1895, o José Bento Figueiredo e, cinco anos depois, o Bernardo Piquet Carneiro, que ficou até a data da inauguração do reservatório, em 1906", detalha a historiadora.
Legado
Conforme avalia Elizangela Martins, a construção do Açude Cedro teve importância que vai além da garantia hídrica para a cidade de Quixadá à época. Ele deixou importante legado para o Município que hoje é a maior economia da região do Sertão Central cearense.
"Ele [o reservatório] ajudou a desenvolver Quixadá, que até então era uma pequena cidade, cuja emancipação está datada no ano de 1870, apenas 14 anos antes da construção do Açude. Imagine um local pequeno passar a receber pessoas de várias partes do Brasil, muitos deles estudiosos. Isso ajudou bastante a desenvolver o local", aponta a escritora.
Além de ajudar a impulsionar a economia do Município, visto a grandiosidade da obra, a construção do reservatório beneficiou diretamente outros centros. "Eram várias frentes de atuação. Por exemplo, em Baturité, foi construído uma ferrovia. Então podemos afirmar que o [açude] Cedro deixou um importante legado no Ceará", acrescenta Elizangela.
Quanto à questão hídrica da época, a pesquisadora afirma que o açude cumpriu com sua proposta de solucionar a grande seca dos anos de 1877 a 1879. "Por várias décadas o Açude Cedro abasteceu a cidade", confirma Martins.
"À medida que a população foi crescendo, ele não conseguiu mais abastecer à cidade e, após a recente seca [iniciada em 2012] ele declinou em seu volume até secar totalmente", conclui Elizangela.
Importância histórica
Teixeira corrobora a avaliação da historiadora de que o reservatório hoje servir para qualquer atividade hídrica, mas enaltece sua importância histórica. "Hoje ele é mantido como patrimônio histórico. Mantemos a lâmina de água por conta da paisagem, é um cenário geográfico bastante interessante", diz.
Questionado se há viabilidade de transferência de água de outros reservatórios para o Açude Cedro, Teixeira avalia não ser viável economicamente.
"Já aconteceu essa tentativa, mas há dificuldade de se construir açudes representativos na região do Sertão-Central. O [reservatório] Banabuiú é o maior deles e se encontra com menos de 10%, portanto também não é viável. Essa é uma região que tem chovido muito pouco nesses últimos 10 anos", detalha.
"Desta forma, deixamos a tomada do Açude Cedro fechada e o pouco de água que ele recebe, serve para manter o espelho d'agua e compor a paisagem", acrescenta.
Abastecimento de Quixadá
Diante do declínio hídrico do reservatório, a cidade de Quixadá passou a ser abastecida pelo Açude Pedras Brancas. Em meados de 1990 foi construída a primeira adutora ligando o reservatório ao Município. Em 2006, uma nova adutora foi instalada para reforçar a garantia hídrica da cidade que hoje conta com cerca de 89 mil habitantes.
No entanto, nos últimos anos, o Pedras Brancas também teve dificuldade de conquistar recarga hídrica e, atualmente, tem somente 3,81% de seu volume de água armazenado. "Este é um açude também superdimensionado e que teve sua situação hidrológica bastante piorada nesta seca recente. Mas, apesar de seu baixo volume, tem água suficiente para atender Quixadá ao longo deste ano", explica Teixeira.
Para o futuro, o secretário antecipa que a SRH e Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) estudam a viabilidade de projetos para instalação de uma adutora saindo do Açude Banabuiú - o terceiro maior do Estado e que hoje tem 8% de sua capacidade - para reforçar o abastecimento de Quixadá. "Esse projeto é analisado para curto e médio prazo", conclui Francisco Teixeira.