Música, para a cantora Téti, é “coisa muito familiar” — tanto no sentido de ser elemento conhecido e próximo a ela, quanto por ser fruto, de fato, do ambiente da família da artista. Nascida em Quixadá, a cearense completou 80 anos no último dia 13 de junho e celebra o marco em 2024 com show em homenagem à carreira e participação em filme.
Da menina que “cantava porque gostava muito de cantar” até despontar como voz de distintos movimentos culturais do Estado, como o Pessoal do Ceará e a Massafeira, Téti avalia que os caminhos seguidos por ela ao longo das décadas foram “fluindo naturalmente”.
“Haja cantoria!”
“Essa ligação com a música foi sempre, desde a infância. A minha família é muito musical. Veio do berço, mesmo. Naquela época, era uma coisa mais doméstica, não tinha o profissional, não”, atesta.
“Eu gostava muito de cantar me balançando na rede, empurrar o pé na parede, e haja cantoria!”, exemplifica. Em casa, rememora, aprender instrumentos como piano e violão era comum para ela e os dez irmãos — no caso de Téti, porém, apenas o primeiro.
“Todos tocavam violão lá em casa, menos eu, né? (risos) Brutalmente, porque fui casada com homem que tocava, tive filhos que tocam, mas eu não. Um absurdo!”, brinca a artista.
O violonista com quem Téti casou é Rodger Rogério, outro importante nome da música cearense e brasileira. Com ele, a parceria foi profissional e afetiva, tendo como marco fundador o trabalho “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”, realizado por eles e Ednardo.
Pessoal do Ceará invadindo São Paulo
O disco, gravado em 1972 e lançado em 1973, deu partida ao movimento conhecido como Pessoal do Ceará, do qual Téti foi participante. No mesmo ano da gravação, ela deu à luz Pedro Rogério, segundo filho com Rodger, após Daniela, de 1969.
“Nasci no ano que foi gravado o disco, em São Paulo. Eles estavam lá (porque) o Rodger tinha ido ser professor da USP. Nossa casa se tornou um centro agregador de cearenses ligados à arte que chegavam em São Paulo”, afirma Pedro, hoje atuante na música como professor e artista.
Figuras das artes como Ednardo, Belchior, Edson Távora e Jorge Mello orbitavam aquele contexto. “Foi uma coisa inovadora essa invasão de nordestinos no meio musical. A recepção (foi) sempre muito boa, as pessoas abertas, curiosas”, rememora Téti.
Foi especialmente nos anos 1970 que a cantora mais produziu musicalmente. Além dos 80 anos celebrados em 2024, marcos como os 50 anos de “Meu Corpo Minha Embalagem” — completados em 2023 — e do disco “Chão Sagrado” — parceria com Rodger que completa cinco décadas em 2025 — ampliam as comemorações dedicadas a Téti.
Téti como referência
Para a cantora Mona Gadelha, admiradora e amiga de Téti, as primeiras memórias de contato com a artista são dela, com Rodger, cantando os repertórios da época.
“Lembro de vê-la na televisão nos muitos programas que tínhamos na TV local. Aquela moça com uma faixa hippie no cabelo me encantou com a sua voz, com seu timbre de voz que traduz a identidade nordestina”, destaca Mona ao Verso.
Artisticamente, as duas se aproximaram enquanto participantes da Massafeira, movimento musical ocorrido no Ceará entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980.
“Além de ser uma honra conviver com aquela grande cantora e, igualmente gigante na sua generosidade, foi uma sorte poder aprender com ela, receber seu carinho de ‘mãezona’”, rememora.
“Do ponto de vista de estúdio, de relação com gravadora, Téti foi a primeira referência para mim. A coerência na escolha do repertório, o prestígio que sempre deu aos autores cearenses - tudo isso significou muito pra mim”
Neste ano, a artista participou também de projetos em outras linguagens, mas ainda ligados à música de diferentes formas.
O primeiro é o filme “Centro Ilusão”, do cineasta cearense Pedro Diógenes. A obra, que se passa no cenário musical de Fortaleza, conta com a participação de Téti e estreia nesta quarta-feira (9) no Festival do Rio.
A artista também compôs um projeto especial de fotos de músicos cearenses criado pelo fotógrafo Ricardo Damito.
Trajetórias artística e familiar ligadas
Ainda nos anos 1970, Téti ainda lançou outro marco da carreira, o trabalho solo “Equatorial” (1979) — que, assim como “Meu Corpo Minha Embalagem”, chegou "acompanhado" de uma filha, Flávia, a terceira dela com Rodger.
“A Daniela, a Flávia e o Pedro Rogério estão muito envolvidos com música porque, nas minhas apresentações, eu trouxe eles para perto. Participavam de shows fazendo vocais, a Daniela, pequena, gravou comigo no ‘Equatorial’. Eles sempre estiveram envolvidos”, destaca a artista.
“A gente era muito pequeno e tinha muitos shows, num momento de produção muito grande da Téti, e eu, não raramente, dormia nas coxias, nos camarins ou mesmo numa cadeira da plateia. Era o meu berço”, partilha Pedro.
Os desenvolvimentos entrelaçados da família e da carreira artística espelham a proximidade entre esses dois mundos no percurso da cearense, como aponta Pedro Rogério.
“O Pessoal do Ceará eram amigos que se juntavam, se identificavam, tinham gosto semelhante”, resume o pesquisador. A definição é reiterada pelas lembranças partilhadas pela própria Téti:
“Minha família foi muito musical, meus amigos também. A gente formava turmas e se juntava para cantar, tocar violão. Era uma coisa bem amadora, mas que terminou nos levando a um profissionalismo na área”
Diferentemente de outros nomes da época, porém, a cantora não construiu uma carreira totalmente dedicada à música, seja nos palcos ou nos estúdios. “Não é que eu tinha na cabeça essa intenção, ‘vou ser cantora’. Nunca tive”, atesta.
Para além das obras dos anos 1970, Téti lançou discos como “Do Pessoal do Ceará” (2000) e “Nós Um” (2006), além de participar de projetos como o disco coletivo “Futuro e Memória” (2015), de Rogério Franco e Dalwton Moura.
“Téti não desenvolveu isso de querer entrar para o mercado fonográfico, ser uma estrela da música do ponto de vista de vendas. A música fazia parte da vida dela genuinamente e, por isso, a família está sempre junta, os amigos estão sempre juntos, há esse aspecto coletivo”
Família e amigos no palco
É a partir da coletividade, também, que os 80 anos de Téti serão homenageados na próxima quarta-feira (9), em show no Cineteatro São Luiz. O projeto, comandado por Pedro Rogério, terá cerca de 20 convidados entre instrumentistas e cantores apresentando canções do repertório da artista.
Parte importante do grupo reunido para o show, inclusive, é de familiares da cantora. Nomes como Rodger Rogério, a filha Flávia Rogério, Rogério Franco (tio de Daniela, Pedro e Flávio) e Julia Fiore (neta de Téti, filha de Daniela e Nilton Fiore), por exemplo, compõem a apresentação.
No palco, estarão ainda figuras como Fausto Nilo, Bárbara Sena, Calé Alencar, Dalwton Moura, Idilva Germano, Marcos Lessa e Pingo de Fortaleza, entre outros.
“A ideia (do show) surgiu com várias pessoas que me procuravam e me perguntavam: ‘Não vai fazer nada? Foi feito os 80 anos do Rodger, do Fausto Nilo, do Chico Buarque… e os 80 da Téti, cadê?’”, contextualiza Pedro.
“Não era desejo dela, no sentido de não querer, não fazer questão de uma celebração pública. Ela não sentiu essa necessidade, mas as pessoas sentiram. De tanto falarem comigo, pensei: ‘Precisa ser feito. Se ela autorizar, concordar, então vamos fazer’”, segue.
Fora dos palcos desde 2019, quando retornou após outro período distante, a artista teve participação especial em show no mês passado em homenagem aos 70 anos do músico Manassés.
Para a própria homenagem, a previsão é de que Téti participe mais como espectadora ilustre, mas há previsão para algumas faixas especiais contarem com vocais da artista.
Inicialmente prevista para o projeto Dentro do Som — formato de show do Cineteatro São Luiz que tem caráter intimista e público reduzido a 80 lugares —, a apresentação dedicada a Téti foi reconfigurada e ampliada para a capacidade normal do equipamento.
“Houve uma procura grande e a gente está muito feliz. Isso reflete a importância dela na história”, aponta Pedro.
“Nunca é demais repetir que ela realmente abriu trilhas em uma sociedade tão machista. Tem isso de gente reverenciar essa mulher que, mesmo em um mundo tão masculino, se manteve e manteve o brilho reconhecido desde o final da década de 1960 até hoje”, ressalta.
“É gratificante e emocionante estar vendo essas pessoas todas unidas por um só pensamento, um só desejo. É muito amor junto, todo mundo ligado no mesmo tema, que é a música”, celebra a homenageada.
Téti 80 anos - Ave Mãe da Canção Cearense
Quando: quarta, 9, às 19 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia); à venda na plataforma Sympla
Mais informações: @cineteatrosaoluiz