Este não é um texto que você vai dropar na metade. Prometo. No máximo, vai coringar com tantas expressões que talvez não tanke. Mas, calma, nada de pirar. Respira fundo que a gente vai entender tudo. Essa é a forma que a Geração Z e simpatizantes se comunicam, cheios de expressões quase indecifráveis para quem não é do metiê. Logo, se você não compreendeu nada, bem-vindo ao clube. Junte-se a nós para decifrar.
Dropar, por exemplo, significa “cair, largar”. É utilizado em vários nichos, sobretudo nos jogos online. Coringar, por sua vez, é autoexplicativo: está associado ao personagem dos quadrinhos, o Coringa – usado para falar que uma pessoa enlouqueceu por algum motivo. Já tankar também vem do universo gamer, no lugar de “aguentar, suportar” – “Levei muito dano, mas consegui tankar”.
Quem nos explica e contextualiza é João Gabriel, 24. O publicitário conhece todas essas palavras e expressões porque efetivamente as utiliza no cotidiano. “Comecei a ter acesso a elas desde que passaram a existir, creio eu. Uso internet desde criança e jogava muito on-line – além de estar sempre conectado nas redes sociais que surgiam, incluindo fóruns, chats e outras plataformas virtuais”, conta.
Quando não está nesses espaços mediados por telas, João não deixa a linguagem de lado. Vai com ele na conversa do dia a dia, com amigos do mesmo horizonte. Já integra o vocabulário. “Não sei se se trata de pertencimento, porque são termos que param de ser usados muito rapidamente. Mas diria que todas as expressões pertencem a tribos de pessoas que são ‘heavy users’ de redes sociais e internet, englobando também o mundo dos jogos”.
Além dos vocábulos e sentenças já mencionados pelo cearense, existem outros – muitos outros. Pprt seria a abreviação de “papo reto”; F é para desejar condolências, pêsames, prestar respeito a algum acontecimento triste; Cringe diz respeito a alguma situação, discurso ou qualquer coisa que seja desconfortável, vergonhosa, constrangedora; Noob significa “iniciante”, espécie de xingamento no contexto gamer para situar os novatos.
“Em menos de algumas semanas ou meses, já surgem outros termos. Alguns voltam e outros acabam no esquecimento, mas não tenho muito apego. Provavelmente vou usar os que surgirão no futuro”, arrisca o publicitário.
Mas, afinal, como é que nasce tudo isso?
Doutor em Letras e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Márcio Sales Santiago diz que a maioria dessas palavras e expressões, quando de outra língua, são advindas do inglês e bastante utilizadas em contextos específicos – principalmente em jogos de videogame on-line e nas redes sociais.
Para ele, o mais interessante é que tais vocábulos, a partir do momento em que são aportuguesados, se adaptam ao nosso sistema ortográfico e passam pelos mesmos processos linguísticos (fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático) comuns a toda palavra da língua portuguesa.
Para se ter uma ideia, kingo/kinga – outro termo da população 25- – se origina de uma palavra eminentemente masculina em inglês – “king”, que significa rei. Em português, recebe “-o” e “-a” com o objetivo de marcar o gênero masculino e feminino, respectivamente.
“Em relação ao significado, essas palavras são geralmente utilizadas nas redes sociais, em especial pela comunidade LGBTQIAP+, como adjetivo para se referir a alguém. Assim, king seria rei e, ao invés de dizerem queen para se referir ao feminino, os usuários da internet têm chamado de kinga. E ainda há aqueles que fazem a seguinte relação: kingo = rei, kinga = rainha e king = neutro”, detalha Márcio.
O estudioso considera que tanto os jogos virtuais quanto as redes sociais – principalmente Twitter e TikTok – podem ser entendidos como estruturas constituídas por pessoas, empresas ou organizações interconectadas com o objetivo de compartilhar valores, ideias e objetivos semelhantes e, que para isso, utilizam a língua.
“Nesse caso, não entendo esse tipo de manifestação linguística como dialeto, mas como um vocabulário. A motivação é absolutamente natural, e faz parte da nossa vida. A criação de novas palavras e expressões é algo inerente ao ser humano”.
Boa é essa vida em comunidade
Tem a ver com História também. O que se pode dizer, conforme Márcio Sales, é que os seres humanos sempre viveram e se desenvolveram a partir de agrupamentos sociais. Nesses agrupamentos, muitos aspectos próprios da vida em comunidade foram produzidos e criados, sendo um deles as línguas.
“Por várias questões sociais, esses grandes agrupamentos naturalmente foram se subdividindo, gerando grupos menores, com pessoas que tinham interesses comuns, fazendo com o que o uso de palavras e de expressões também comuns a esses interesses começassem a ser associadas a tais grupos”.
Voltando ao recorte temporal contemporâneo, Mariana Bueno, 22, é outra adepta dos “noob”, “dropar” e “shitpost” da vida. A estudante universitária utiliza bastante termos como “fui de arrasta pra cima” e derivadas. “Esta significa basicamente ‘morrer’, mas não literalmente”, pontua. “Também uso outras do Twitter, como ‘mini querida’. As minhas favoritas são as famosas ‘fui de base’, ‘fui de arrasta pra cima’, ‘fui de comes e bebes’ e afins”.
Feito João Gabriel, ela também começou a se apropriar dessa linguagem a partir de um maior uso da internet, nos idos de 2010. Apesar da fácil comunicação entre amigos do mesmo contexto, com a família o diálogo da universitária é diferente. “Às vezes solto uma expressão e fica aquela tentativa de explicar o que é, mas sem conseguir exatamente”, gargalha, mencionando morar com a mãe e a avó e, portanto, sempre vivenciar situações assim.
“Gosto de usar esse vocabulário porque acho a maioria muito boa e realmente engraçada, então até me sinto feliz de utilizar – principalmente quando vou dizer pra alguém pela primeira vez e a pessoa acha engraçado. Existem muitas expressões que vêm dos jogos e de tribos muito específicas. Sou fã de K-pop, por exemplo, então tem termos específicos desse nicho, como ‘comeback’ e ‘stage’. Já o famoso ‘eita como eu tô de boa’ veio do TikTok”.
Questionado se, em um futuro breve, é possível que as expressões mencionadas e outras para além delas possam constar nos dicionários, o professor Márcio Sales Santiago não titubeia. “Hoje em dia, para que uma palavra ou expressão venha a ser dicionarizada em uma dicionário como o Aurélio, é preciso que ela atenda a alguns critérios, sendo que o primeiro deles é a frequência de uso pelas pessoas”.
Dessa forma, é preciso que a palavra ou expressão seja monitorada por certo período de tempo pelas equipes responsáveis pela elaboração e atualização dos dicionários, a fim de verificar se elas irão sobreviver ao tempo. Entenderam, mini-queridos?