Sabia que o self-service é invenção brasileira? Comida a quilo completa 40 anos de sabor e variedade

Apenas em Fortaleza, são mais de 700 restaurantes nessa modalidade com fartura de preços, pratos e possibilidades; historicamente, prática começou no Brasil e pavimentou caminho mundial

Não há grande novidade em sair de casa para almoçar. A simplicidade do ato, contudo, esconde curiosidade interessante: fomos nós, brasileiros, os responsáveis por criar o famoso self-service, o serviço de oferecer comida a quilo. Você sabia disso? Neste ano, a modalidade gastronômica completa 40 anos. 

Para se ter ideia, apenas em Fortaleza são mais de 700 restaurantes nessa categoria, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). As casas alimentam pelo menos 200 mil pessoas diariamente, gente que tanto vai por comodidade quanto pela necessidade de comer próximo ao trabalho. “São dados que apresentam um panorama interessante”, introduz Taiene Righetto, presidente da Abrasel-CE.

“Eles mostram que esses estabelecimentos podem oferecer rapidez – uma vez as pessoas não terem tanto tempo para esperar o preparo da comida; inclusão, com ticket médio pequeno de consumo; e a variedade que o fortalezense tanto procura. Restaurantes a quilo, portanto, são versáteis e possuem dinâmica própria, com velocidade e intensidade”, completa o gestor.

É o caso do Hanna's Restaurante, considerado um dos mais longevos locais de comida a quilo da Capital. Fundado em 1997, localiza-se no Centro e tem como prerrogativa oferecer pratos de qualidade da cozinha brasileira com saboroso sotaque árabe – fruto das raízes do idealizador, Hanna Sioufi, vindo do Líbano para o Brasil em 1959.

A R$64,99 o quilo, a clientela tem acesso a mais de 60 opções diárias de pratos, entre saladas, acompanhamentos, massas, opções quentes e grelhados. Pizza e hambúrguer também estão inclusos no cardápio. “Cerca de 70% dos clientes trabalham no Centro, em cartórios, bancos, órgãos públicos, faculdades, lojas… Outros são apenas passantes mesmo”, diz Amir Sioufi, um dos proprietários do estabelecimento.

“Como nossa variedade é enorme e muda todo dia, as pessoas gostam de experimentar tudo. Sempre aguardam o lançamento de novos pratos. Não usamos tempero químico. É o tempero de Dona Graça, minha mãe: alho, cebola, sal, ervas finas e muito amor”. Ele, inclusive, comemora o fato de o lugar resistir a barreiras como a pandemia de Covid-19.

A aposta pelo diferencial deu o tom da permanência. “Todo comércio de alimentos envolve lidar com saúde. Às vezes as pessoas esquecem disso e não se preocupam com a escolha do lugar onde comem, de reparar nos detalhes”. De acordo com o presidente da Abrasel-CE, mais da metade dos restaurantes a quilo em Fortaleza fecharam durante a pandemia – índice triste e difícil. Não à toa, passado o cenário, foi necessário voltar com força.

“Resistimos bravamente – até porque quem tem esse tipo de negócio possui uma dinâmica muito forte de pensar e atender várias pessoas, de levar variedade, cultura e alimentação ao trabalhador. Ao mesmo tempo, foi um momento de se reinventar também. Mas acho que o divisor de águas foi o trabalho dos estabelecimentos junto à Abrasel de fazer protocolos que trouxessem segurança a todos, algo importante não só pro Ceará, mas para todo o Brasil”.

Afinal, como nasceu o self-service?

Se investigarmos a origem da comida a quilo, encontraremos um restaurante em Belo Horizonte responsável por dar o pontapé nesse tipo de serviço. A casa, tocada pelo chef Fred da Mata Machado, foi criada em 1984 já com essa intenção, de oferecer self-service. Pioneirismo mundial e certeiro.

O início se deu de forma prática e com preparações mais simples, em conformidade com o caráter primevo da ideia. “De certa forma, o self-service se tornou popular no Brasil, assim como em outros países, devido a essa questão da praticidade e dos preços mais baixos”, situa o chef Leo Gondim, professor do curso de Gastronomia da Universidade Federal do Ceará.

Na visão do profissional, a comida a quilo é perfeita por reunir atributos como facilidade e condições possíveis de quantidade para a pessoa comer o que desejar. Nutricionalmente, se tudo for bem preparado e conservado no buffet, com temperatura certa para saladas e outros pratos, a opção pode se tornar ainda mais acertada para quem está com fome.

“Com o tempo, começaram os fins de semana com pratos mais elaborados e atrativos. Daí vem a sexta da feijoada, o sábado dos frutos do mar, entre outros. Aos domingos, os buffets a quilo nos restaurantes costumam servir bacalhau, peixada e cozidos, sabores que atraem os comensais pela qualidade”.

Semelhança com os históricos restaurantes populares

Existe outro ponto histórico a considerar, e quem o levanta é o professor José Arimatéa Barros Bezerra, da Faculdade de Educação da UFC. De acordo com ele, a prática da comida a quilo servido no estilo buffet ultrapassa os 40 anos. Vem da década de 1940, quando foi criado o Sistema de Alimentação da Previdência Social.

Nessa época, especificamente em 1944, surgiram os restaurantes populares, semelhantes aos de hoje, com refeições a R$1. “Era pra alimentar os trabalhadores com propósito de educação alimentar e nutricional. Logo, esse serviço estilo buffet remete a essa época e começou com um serviço público”, destaca.

Muito tempo depois, conforme conta, há uma retomada nessa forma semelhante de serviço – agora, já para as pessoas se autoservirem e presente nos restaurantes comerciais. Independentemente da versão, vale retomar como se deu a criação do serviço, em Belo Horizonte, em 1984. O já citado chef Fred da Mata percebeu que as empregadas domésticas, especializadas em cozinhar, estavam desaparecendo dos lares belo-horizontinos. 

Ele já era dono do Restaurante Bartolomeu quando decidiu contratar um par de cozinheiras para realizar receitas bem caseiras, tradicionais nos almoços e jantares dos mineiros. O sistema seria o de uma loja de comida pronta. A pessoa chegava lá, escolhia o que queria e colocava as porções em uma marmita descartável de isopor. Pesava, pagava e levava embora a embalagem, saboreando a refeição na própria moradia. 

O chef sentiu, então, que havia uma demanda a mais. Percebeu que alguns dos fregueses gostariam de almoçar lá mesmo, dentro da lojinha. Colocou, e apenas meia dúzia de mesas e mais umas 24 cadeiras, porque não cabiam no minúsculo compartimento, e assim foi conduzindo o inédito empreendimento. As muitas manifestações favoráveis serviram como um estímulo para que, meses depois, decidisse montar uma primeira filial.

Variedade cearense em disputa nacional 

De lá para cá, a prática ganhou cada vez mais alcance e chegou a públicos específicos. No Verdelima Restaurante, por exemplo – localizado no Bairro de Fátima, em Fortaleza – a intenção é oferecer uma experiência gastronômica saudável por meio da comida a quilo. São utilizados ingredientes frescos, orgânicos e locais, minimizando o uso de insumos ultraprocessados e conservantes. 

A escolha pelo modelo self-service foi feita para proporcionar flexibilidade e variedade aos clientes, permitindo que escolham refeições conforme as próprias preferências e necessidades nutricionais. “Os clientes encontram uma variedade de peixes do oceano e frango, além de opções vegetarianas e veganas. Oferecemos sucos naturais, águas, cajuína e outras bebidas naturais”, explicam os sócio-diretores Amanda Machado e Waldyr Limaverde.

Diariamente o buffet conta com 23 opções – desde saladas orgânicas até opções com massas integrais, opções veganas e filé de peixe e frango – incluindo molhos. O valor do quilo é R$99,90; pratos veganos/vegetarianos têm 10% de desconto.  

“O Verdelima influenciou a vivência gastronômica local ao ser pioneiro na promoção de uma alimentação consciente e saudável, incentivando outros estabelecimentos a seguirem práticas similares”, dizem os donos. “Estar na modalidade self-service é importante para incentivar o consumo responsável e permitir que os clientes escolham porções e combinações que atendam as próprias necessidades nutricionais e preferências pessoais”.

Não à toa, tanto o Verdelima quanto o Hanna’s – citado no início deste texto – foram finalistas do concurso O Quilo É Nosso, promovido pela Abrasel. Com o tema “É comer, gostar e votar”, a oitava edição do projeto celebra os 40 anos da comida a quilo a partir do oferecimento de pratos inéditos nos restaurantes cadastrados. Além da experiência gastronômica, os clientes ainda podem avaliá-la e ajudar a escolher os vencedores.

No último dia 18 de outubro, o restaurante Casa Malu, em Juazeiro do Norte, foi o vencedor da etapa estadual, atestando a força do self-service entre nós. O estabelecimento nos representará em São Paulo e poderá ganhar com uma receita preparada pelo avô das proprietárias. “Conquistou o paladar de todos”, conta Luciana Rodrigues, sócio-proprietária.

Ela e a irmã, Maciana, montaram o negócio em 2013 e estão crescendo cada vez mais ao encarar o self-service não apenas como comércio de comida, mas, efetivamente, de carinho. Isso fica nítido pela própria proposta do restaurante: oferecer aos clientes a possibilidade de se conectar com a alimentação preparada pela mãe, tia ou avó.

“Servimos pratos regionais preparados com baixo teor de sal e de gordura e com todo um cuidado, de ponta a ponta. Todos os insumos possíveis compramos de agricultura familiar. Nosso buffet custa R$69,90. As comidas são diversificadas, com mais de 30 opções de salada, diversidade de carboidratos e muito mais. Tudo é bem balanceado porque a Maciana também é nutricionista”.

Luciana levanta outra questão importante acerca dos desafios enfrentados por casas que se propõem a trabalhar no modelo self-service. Para ela, visto que o ofício é sob demanda, é necessária uma boa gestão do desperdício e, portanto, um cardápio bastante apurado.

“Sendo assim, o grande ‘pulo do gato’ pra nós, enquanto proprietárias desse tipo de negócio, é exatamente trabalhar o controle do desperdício. Além disso, a importância da comida a quilo para o empreendedor é porque ela é a forma mais em conta e rápida de resolver o problema do cliente: matar a fome. Quando, feito nós, você agrega o benefício do aconchego do ambiente a uma boa comida, não tem erro”.


Serviço
Hanna’s Restaurante
Rua Major Facundo, 736 - Centro, Fortaleza. Buffet: R$64,99. Mais informações nas redes sociais

Verdelima Restaurante
Rua Joaquim Nabuco, 1283 - Aldeota, Fortaleza. Buffet: R$99,90. Mais informações nas redes sociais

Casa Malu
Rua Padre Cícero, 330 - Centro, Juazeiro do Norte. Buffet: R$69,90. Mais informações nas redes sociais