Euclides da Cunha escreveu que "o sertanejo é, antes de tudo, um forte". Para Otto Ferreira, mais conhecido apenas por Otto, o nordestino é um inventivo. Para sobreviver e ocupar os espaços, se faz necessário romper padrões, experimentar, se destacar. Nem sempre será suficiente para sair da periferia que tentam sempre colocar quem nasce no Nordeste.
Mas, assim como ele e outro pernambucano, Reginaldo Rossi, artista que ganha homenagem em formato de show-tributo após 10 anos de morte, sua arte se agiganta e invade o Brasil. É preciso, no mínimo, respeitar os artistas nordestinos. Em entrevista ao Que Nem Tu, podcast do Diário do Nordeste que conversa com nordestinos das mais diversas áreas, Otto fala sobre a necessidade de experimentar todas as formas de arte, a resistência que enfrenta para alcançar espaços, o posicionamento político além de relembrar a força do movimento mangue beat.
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"Eu não sou chamado para festivais. Mas eu tenho uma música tão para festival. Mas parece que é uma coisa que eu tenha que lidar com isso, que tenha que mostrar, experimentar mais. Quanto mais eu acho que estou me distanciando, mais eu experimento, mais eu sou mais lá na frente. Quando eu acabei meu "Samba pra burro" Apollo 9 [produtor] chegou pra mim e disse: 'Otto, agora, senta e tu vai esperar a MPB'. Eu juro, de vez em quando eu to sentado ainda esperando ela chegar", desabafou o artista que em seu primeiro disco solo recebeu elogios da crítica, premiação de artistas e repercussão até internacional. Mais de 20 anos depois, ele continua travando luta para ser reconhecido como nome da MPB.
Inquieto e barulhento, o pernambucano não se deixa abater. Diz que sabe que é preciso estar sempre mostrando sua grandeza. Depois de lançar seu último disco, livro e se lançar como pintor no pós-pandemia, ele criou uma turnê para homenagear outro pernambucano que- para ele - nunca foi reconhecido como deveria. No palco, ele canta sucessos de Reginaldo Rossi e mergulha na obra do nordestino conhecido como Rei do Brega.
"Me incomodava essa versão caricata do Rei do Brega, o Rei do Corno. Se você for ver a obra dele é muito mais que isso aí. Mas não existia rede social no tempo dele. Ele é um Roberto Carlos que não podia ser, que não deixaram ser", critica.
Entre tantas características apontadas como semelhantes, Otto reforça que ser contestador os aproxima. "Eu me identifiquei muito nisso. Ser negro, nordestino, falador, inteligente, cheio de malícia, cheio de vida. Acho que isso incomodava muita gente. Ele ficou na periferia dessa Musica Popular Brasileira, embora ele seja rei."
Otto refaz uma imagem do artista e defende que Reginaldo ajudou até a combater o machismo. "Ele fez um bem ao nordestino. Reginaldo pegou o corno e amaceou esse homem nordestino. Brinca com o machismo do chifre nordestino. Ele atacou onde a gente é mais machista".
O cantor, compositor, percussionista, produtor, pintor e escritor também fez um paralelo entre a política e o artista. Defendeu que não há espaço para não se posicionar quando se vive em uma região que sofre com falta de oportunidades. "Se o artista nordestino não se posiciona politicamente, a gente vai perder. O Nordeste vai ficar pobre e vão querer sempre essa coisa. Se a gente não tiver coração pra ver fome, desrespeito, racismo com o povo... O que o nordestino já passou. Por isso que existe Fagner, Alceu, Fausto Nilo, Zé Ramalho, tudo posicionado".
Na conversa houve espaço ainda para rememorar o passado. Ele lembrou o início da carreira quando foi morar na França e viveu, pela primeira vez, da arte. Também contou seu encontro com Chico Science, o início do movimento mangue beat, a relação afetiva que tem com o Ceará. Essas e outras informações você encontra no episódio completo desta quinta-feira, 8, do Que Nem Tu.