A proximidade entre Antonio Bandeira (1922–1967) e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) é das mais férteis. Remete aos primeiros anos de existência da instituição. Em 1951, quando o museu organizava a primeira Bienal, o cearense ganhou exposição individual. Na mesma década, outras três oportunidades acontecem. 1953, 1955 (individual composta por desenhos enviados da Europa ao Brasil) e 1959, no qual integra mostra antes de ser criada a Fundação Bienal de São Paulo.
Agora, o ano de 2019 demarca um reencontro. Até março próximo, o MAM oferta ao público apaixonado pelas artes visuais a exposição “Antonio Bandeira”. O conjunto permite uma aproximação com cerca de 60 trabalhos. Um dos pioneiros do abstracionismo no Brasil, o pintor é iluminado por acervo capaz de abranger diversos períodos de sua produção. A curadoria de Regina Teixeira de Barros e Giancarlo Hannud promete desnudar a busca criativa e as muitas facetas de um realizador comprometido com o tempo no qual estava inserido.
A iniciativa chega à capital paulista após ser apresentada, em 2017, no Espaço Cultural Unifor, na Universidade de Fortaleza. No Ceará ganhou o título “Antonio Bandeira: um abstracionista amigo da vida” e o novo projeto costura pequenas diferenciações. As peças são oriundas de coleções do eixo Rio-São Paulo e esgarçam as primeiras pinturas figurativas até as grandes telas de tramas, criadas nos últimos anos de carreira. A realização é do MAM e da Base7 Projetos Culturais. A expografia é assinada por Álvaro Razuk e Ricardo Amado.
Na arte nacional, Bandeira ocupa posição bastante particular. Na contramão de contemporâneos, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, o realizador nascido em Fortaleza nunca se filiou a grupos ou movimentos artísticos.
É considerado um dos poucos “independentes” de seu tempo e foi um dos primeiros artistas a cultivar ativamente a própria imagem. Outra característica notável, descreve o curador Hannud, é o campo de atuação, seja no ambiente artístico brasileiro ou no internacional. A dupla de curadores divide um pouco da experiência artística, comprometida em desvendar um universo de cores, escolhas e percepções tão rico.
“É sempre instigante. Como toda arte do passado é relevante ao presente”, reflete Hannud. O pesquisador compara as duas exposições assinadas por ele e Regina Teixeira. As mudanças são sutis e uma perspectiva contemplada no novo trabalho foi explorar o espaço físico do MAM, permitindo uma leitura fluída entre as obras.
“O público vai acessar um apanhado geral da obra. Um artista complexo, que experimentou inúmeras técnicas e materiais”, reforça o entrevistado. Bandeira transferiu-se em 1945 para o Rio de Janeiro. Aos 24 anos, viajou para Paris com bolsa de estudos concedida pelo governo francês e por lá se aproximou de artistas como Camille Bryen e Georges Mathieu, além do alemão Wols, que exerceu forte influência sobre seu trabalho.
Amigo da vida
A apresentação no MAM São Paulo ganha relevância por permitir o acesso a estes trabalhos e explorar a discussão em torno da obra. Por trás do abstracionismo, Bandeira desenvolveu peças que se relacionam com a paisagem urbana e cenas do cotidiano. Muitos dos lugares onde o cearense viveu estão impregnados na obra, divide Hannud. “Bandeira partia da vida para compreender o abstrato e não o contrário”, argumenta.
“Flora agreste” (1958), “Ascensão das favelas em azul” (1951) e “Cais noturno” (1962-63) entregam tal força. A mostra também une a multiplicidade dessa produção. Inclui aquarelas e guaches da década de 1940 e trabalhos mais experimentais, realizados na década de 1960, com fitas adesivas ou sobre flãs de jornal.
Por sua vez, Regina Teixeira divide quanto o contato com esse universo é instigante. “Cada vez você vê uma coisa diferente, a diversidade de técnicas. Cada vez que eu monto, faço um trabalho, é como se redescobrisse ele. Vemos outros aspectos, é sempre enriquecedor”, completa.
A atualidade e relevância do legado deixado por Bandeira são esmiuçadas pela curadora. Duas características evidenciam a contribuição dele para o Brasil de hoje. A primeira é a incessante busca por ideias e novas formas de dialogar com o público. “É um artista com muita pesquisa de materiais e exemplifica o poder transformador da arte. Permite e mostra que a arte pode ser experimental, trazer novidades, se reinventar”.
A última passagem de Bandeira numa instituição de São Paulo aconteceu no Masp, em 2005. A volta é uma chance para turistas e locais abraçarem um acervo único. Imerso no limiar entre a corrente moderna e a contemporânea, temos um criador feliz e aberto a novas influências.
A segunda característica, segundo Regina Teixeira, incide sobre o colorido na obra de Bandeira. “Tem uma pintura muito alegre, jovial, com muita cor, luz. Isso é uma mensagem legal. Andamos muito cabisbaixos com a situação atual do Brasil. Traz alegria para esses tempos sombrios. Identificado com uma abstração informal, geométrica, quase gestual, ele tem simultaneamente um pensamento e criou pinturas bem estruturadas e metódicas. Vemos um indivíduo se colocando no mundo. É muito peculiar ao Bandeira. Só existe um”.
Serviço
“Antonio Bandeira”. Em cartaz até 1º de março de 2020, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº - Portões 1 e 3). De terça a domingo, das 10h às 17h30. Ingresso: R$ 10. Gratuidade aos sábados. Contato: (11) 5085-1300.